Comprometidos com os que choram em Sião

Comprometidos com os que choram em Sião


Num mundo cada vez mais polarizado, o ataque sofrido por Israel em outubro de 2023 ainda desperta opiniões divergentes e revela análises – calcadas em fontes históricas ou não, baseadas em fatos comprovados ou não – apaixonadas e, por vezes, belicosas por parte de teólogos, jornalistas, especialistas em relações internacionais e outros. O recente atentado cometido contra o ex-presidente Trump, nos EUA, é apenas um exemplo a mais de como as diferenças ideológicas podem produzir reações perigosas.

Por vezes, aqueles que se propõem a esclarecer, à luz da Bíblia, as circunstâncias que dizem respeito ao povo judeu, localizando-o num contexto não apenas histórico, mas textual bíblico e, por consequência, tanto atual quanto escatológico, são acusados de apresentar um discurso de ódio e de preconceito aos demais povos envolvidos nos sempre presentes conflitos no Oriente Médio. Tomando as palavras do pastor John Hagee: “Não me desculpo pela minha forte crença de que Israel tem todo o direito de se defender, incluindo ataques preventivos contra conhecidos terroristas e colaboradores do terrorismo, que juraram varrer Israel da face da terra”. O conhecido autor do livro “Em defesa de Israel”, publicado pela CPAD e sempre referido nesta coluna, prossegue em sua declaração e autodefesa: “Não importa se este ódio e esta opressão emanem da igreja cristã, como aconteceu durante tantos séculos; de fundamentalistas islâmicos radicais, como claramente é o caso hoje; ou de cidadãos apáticos, politicamente corretos e descrentes de nossa própria nação, que preferem olhar para o outro lado quando o ódio é justificado por qualquer razão; ele é injustificável. É moralmente imperativo que todos os que creem que nós devemos tratar os outros como desejamos ser tratados – com direitos civis e humanos básicos – levem a sério a ameaça muito real a Israel e ao povo judeu que existe no mundo hoje em dia”.

Os chamados pelo autor de ‘cidadãos apáticos’ parecem desconhecer que o ataque do Hamas matou de forma repentina e cruel, sem qualquer aviso ou guerra declarada, mais de 1200 pessoas, em sua grande maioria, civis, e fez cerca de 250 pessoas como reféns. Desses, o número dos que ainda restam vivos e em cativeiro é incerto, podendo estar entre 120 a 170 pessoas, sendo aproximadamente 25 crianças. Se tomarmos o estado físico e emocional dessas pessoas a partir do estado daqueles que foram resgatados ou devolvidos, nossa preocupação aumenta, pois os médicos que os atenderam relataram situações de traumas de toda ordem.

Osama Hamdan, porta-voz do Hamas, nega que se possa atribuir o sofrimento dos reféns ao grupo: “Acredito – declarou – que se eles têm problemas mentais, isso se deve ao que Israel tem feito em Gaza. Porque ninguém pode suportar o que Israel está fazendo, bombardeando todos os dias, matando civis, matando mulheres e crianças [...] eles viram isso com seus próprios olhos [...]”. Hamdan acrescentou que os reféns estavam, agora, melhores do que antes, numa declaração sabidamente mentirosa. Ele insiste em definir o ataque como “uma reação contra a ocupação israelense”, deslocando a responsabilidade para o país agredido. Pala ele: “Aquele que é responsável por isso é [a ocupação israelense]. Se você resistir à ocupação, irão matá-lo; se você não resistir à ocupação, também irão matá-lo e deportá-lo de seu país. Então, o que devemos fazer, apenas esperar?”. Certamente o Hamas não esperou, mas atacou sem que estivesse sendo alvo de ataques. Enquanto Hamdan prossegue em seu discurso, Yahya Sinwar, o homem que se acredita ser o responsável pela maioria das decisões do grupo, permanece escondido em Gaza. Declarado terrorista pelos EUA, pela União Europeia, pelo Reino Unido e por outros países, teve conversas capturadas e publicadas pelo Wall Street Journal, onde expressou a intenção de “lutar, independentemente do custo humano”. Benjamin Netanya-hu, primeiro-ministro de Israel, conserva a decisão de permanecer em luta contra o Hamas até sua total destruição. Uma preocupação soma-se à de maus-tratos às vítimas: a possibilidade de as mais de duas dezenas de crianças serem doutrinadas pelo grupo, descaracterizadas de sua identidade e nutridas pelo ódio a Israel, seu próprio povo.

Os ‘cidadãos apáticos’ precisam ouvir as palavras do profeta Zacarias: “E, com grandíssima ira, estou irado contra as nações em descanso; porque, estando eu um pouco desgostoso, eles auxiliaram no mal. Portanto, o Senhor diz assim: Voltei-me para Jerusalém com misericórdia; a minha casa será edificada, diz o Senhor dos Exércitos, e o cordel será estendido sobre Jerusalém. Clama outra vez, dizendo: Assim diz o Senhor dos Exércitos: As minhas cidades ainda aumentarão e prosperarão; porque o Senhor ainda consolará a Sião e ainda escolherá Jerusalém” (1.15-17). Pelo texto, concluímos sobre as nações em descanso como tendo auxiliado no mal. De fato, quanto aos assuntos relacionados ao Reino de Deus, estamos polarizados. O Senhor declarou sobre aqueles que não ajuntam – na verdade, espalham.

Temos visto o texto de Atos 18.1-17 ser entendido como um exemplo de um homem bondoso e amável chamado Gálio. Era procônsul da Acaia, uma região sob a liderança do Senado, embora ainda não tivesse o ‘status’ de província. Não possuía exército próprio, mas contava com um governador, responsável pela manutenção da ordem, recolhimento de impostos, julgamento das causas comuns e de cuidar de sua prosperidade, reportando-se ao império no caso de qualquer situação superior à sua possibilidade administrativa. Conforme somos informados, Crispo, chefe da sinagoga local, passa a ser um dos do Caminho, crendo em Jesus como Messias de Israel. Muitos judeus fazem o mesmo. Durante um ano e meio o apóstolo Paulo prossegue ensinando naquele lugar, até que se levanta uma acusação por parte dos judeus resistentes à Palavra. Levado ao tribunal, apresentada a acusação, Gálio não reconhece haver em Paulo qualquer agravo ou crime. Posteriormente, quando o sucessor de Crispo na condução da sinagoga, Sóstenes, também se converte, há forte oposição, sendo nosso irmão ferido diante do tribunal romano. Lemos, então, que “a Gálio nada destas coisas o incomodava” (v.17).

Gálio era um homem influente. Filho do retórico Sêneca, o Velho, e irmão de dois importantes homens, um deles Sêneca, o Jovem, chamado por Agripina para ser o tutor de seu filho, Nero, a família de Gálio destacava-se em celebridade, reconhecida cultura e posição social em Roma. Destarte algumas ocasiões de oposição política, o alcance de suas vozes fazia-se notável. Através dos escritos do irmão, a história recebeu a imagem de Gálio como a de um homem educado, brando e sensível. Evitava as disputas e amava a tranquilidade. Infelizmente, os três filhos do velho Sêneca tiveram fins trágicos. De Sêneca é dito que teria cometido suicídio, talvez tomando cicuta, além de cortar os pulsos e mergulhar numa banheira à espera de sua morte. O que se sabe é que ele teria sido obrigado a cometer suicídio e, por isso, sua morte é definida, hoje, como assassinato. Também Gálio teve fim semelhante, com morte por ‘suicídio’ imposto.

Não se incomodar é uma escolha. Muitos a fazem, sem se importar com os que perecem, com os que sofrem, com os que passam por torturas, agressões, frio, fome e dor. Em busca de uma ‘pax’ humana, passam ao largo dos acidentes e dos acidentados na estrada que distingue entre a religiosidade e o amor. Assim, mesmo ignorando o que o gentil Gálio poderia fazer, é difícil entender que um governante não faça caso de uma agressão ocorrida diante do tribunal que ele mesmo preside e não se posicione. Mesmo nas batalhas em que não haveremos de pelejar, como a que esteve diante do rei Josafá, conforme está registrado no segundo livro de Crônicas, somos advertidos: “Nesta peleja, não tereis de pelejar; parai, estai em pé e vede a salvação do Senhor para convosco, ó Judá e Jerusalém; não temais, nem vos assusteis; amanhã, saí-lhes ao encontro, porque o Senhor será convosco” (20.17). Apesar da riqueza da tradução, o original diz: “Não para vós para guerreardes nesta; vos posicionais e permaneceis e vede a salvação de Jeová convosco”. Posicionamento e permanência são requisitos daqueles que esperam a Salvação que vem do Senhor. É certo que o controle das nações não está em nossas mãos, mas o posicionamento firme nós podemos manter. A área de influência de Sêneca era Nero; a de Gaio, a Acaia. Quando o mal nos incomoda e podemos agir, ao menos na limitada área que nos tenha sido confiada, devemos ser atuantes.

Cheguemo-nos com confiança diante do Tribunal Celestial e clamemos pelos que sofrem – judeus ou árabes – como consequência do persistente conflito. Oremos pelas crianças e por seus pais que choram sua ausência e as incertezas quanto ao futuro. Oremos pela cura das feridas emocionais em ambos os lados. Lados – eles existem, mas o amor de Deus paira sobre todos os polos, todos os homens, todos os partidos, procurando convencer da verdade, converter do pecado e atrair por Sua graça e misericórdia.

por Sara Alice Cavalcanti

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