O que vem à sua mente quando se ouve a frase “pregação pentecostal”? Fiz essa pergunta a quatro amigos, dentre eles dois pregadores, e surpreendi-me com as respostas. Decidi então pesquisar o assunto em minhas redes sociais e coletei informações que me alarmaram, especialmente pelo público ser majoritariamente pentecostal. Não quero generalizar, mas boa parte define “pregação pentecostal” de forma equivocada. Muitas acepções não passam de espantalhos.
Homilética pentecostal
Há certo debate entre os estudiosos se existe ou não uma
homilética pentecostal. Alguns, como Lee Roy Martin, afirmam categoricamente que
“as teologias evangélicas de pregação não são inteiramente apropriadas para a
comunidade pentecostal” (Toward a Pentecostal of Preaching, CPT Press, p. 7). Outros
afirmam que a homilética pentecostal não tem pressupostos únicos distintos das
confissões teológicas mais amplas (idem, p. 290). Para estes, embora nossa
maneira de pregar seja, muitas vezes, díspar de outras tradições, os
pressupostos homiléticos comumente adotados são os mesmos. As diferenças seriam
mais de estilo do que de axiomas.
As distinções estilísticas da prédica pentecostal foram
sintetizadas por Ernest J. Moen: “Observo três distintivos que se relacionam
com a pregação pentecostal: a unção, a estrutura do sermão e a pregação por
resultados” (O Pastor Pentecostal, CPAD, p. 639). Ao se referir à unção, Moen
fala do batismo no Espírito como catalisador da pregação poderosa, fervorosa,
ousada e impactante. Sem dúvida, a dinâmica da pregação pentecostal é resultado
direto do revestimento do Espírito na vida do pregador. Ao mencionar a
estrutura do sermão pentecostal, Moen menciona diversos métodos homiléticos
usados por pentecostais, como o expositivo, o textual e o temático. Nas palavras
de José Gonçalves, “uma teologia da pregação pentecostal não tem o propósito de
privilegiar um determinado tipo de sermão ou método de pregação, uma vez que isso
pode pôr restrições na atuação do Espírito” (GONÇALVES, José. O Corpo de
Cristo, CPAD, p. 137). Ao falar sobre resultados, Moen ressalta que os
pentecostais sempre pregaram visando a produzir uma ação. Todo teólogo
protestante afirmará que a pregação tem por finalidade provocar uma ação.
Contudo, o pregador pentecostal convida os ouvintes a experimentar de imediato
o poder e a verdade da Palavra ministrada. Por exemplo, ao discorrer sobre milagres,
o pregador pentecostal explicará o que são, mas também irá convidar os ouvintes
a experimentar o poder curador de Jesus.
Breve histórico
Ao longo do Movimento Pentecostal, grandes pregadores foram levantados
por Deus para impactar gerações. É inegável que a tradição pentecostal tem uma
rica herança de pregação. Desde os primórdios, os pentecostais sempre
valorizaram a pregação. Foi por meio dela que o pentecostalismo saiu da periferia
teológica para se transformar em um dos movimentos que mais contribuíram para o
crescimento da igreja (idem, p. 139).
Nesses mais de 120 anos de pentecostalismo, a pregação
pentecostal se caracterizou basicamente por três coisas. Primeiro, uma
abordagem interpretativa baseada no que Amos Yong chamou de “isto é aquilo” (FORREST,
Benjamin K. A História da Pregação: do iluminismo aos dias atuais, volume II,
Thomas Nelson Brasil, p. 479). Essa abordagem afirma que as experiências dos
personagens da Bíblia têm continuidade na minha própria história de vida. As
histórias bíblicas são nossas histórias. “O cristão pentecostal, ao deparar-se com
as Escrituras, se identifica, se vê, se compara” (MOREIRA, Weder F. Anatomia do
Pentecostes, Palavra Fiel, p. 11). Segundo, forte ênfase escatológica.
Historicamente, os pentecostais possuem a crença no iminente retorno de Cristo.
Essa perspectiva escatológica produz senso de urgência evangelístico. Temos o
sendo de urgência na conquista das almas, pois temos uma visão escatológica de
estarmos nos “últimos dias” (Jl 2.28-32; At 2.16-21). Terceiro, forte dependência
do Espírito. Uma das preocupações centrais no princípio do pentecostalismo era
manter o Espírito em primeiro plano. Essa preocupação fez com que muitos pregadores
pentecostais acabassem exagerando, pregando sempre de forma espontânea,
deixando o fluxo livre, e protestando contra a preparação do sermão. Havia
quase uma veneração à imprevisibilidade. Todavia, esse entendimento foi
paulatinamente quebrado por grandes pregadores pentecostais que alinhavam sua
dependência do Espírito à abnegada preparação homilética. A pregação
pentecostal crê que o Espírito está operando de forma especial na preparação do
sermão, na entrega dele e no tempo que se segue a ele, isto é, antes, durante e
após a pregação.
Estabelecidas as bases da pregação pentecostal, vejamos os
espantalhos que atrapalham a compreensão da genuína prédica no pentecostalismo.
Espantalhos
Primeiro espantalho: pregação pentecostal é gritaria.
Definir a pregação pentecostal pelo estilo e intensidade de voz é muito extremamente
limitante e perigoso. Não negamos que a pregação pentecostal envolve o mover do
Espírito na vida do pregador produzindo fervor que se manifesta no corpo e na
voz. “O pentecostalismo colocou o corpo como elemento de expressão de adoração
e encontro com Deus” (SIQUEIRA, Gutierres. Pneumatologia: uma perspectiva
pentecostal, Thomas Nelson Brasil, p. 32). Mas, jamais podemos afirmar que a
homilética pentecostal se resume a isso. Há pregadores que gritam muito, mas estão
completamente vazios de conteúdo. A unção pentecostal não está baseada na
impostação da voz ou no grito estridente do pregador. Esse espantalho pode ser
percebido na expressão “avivalista”. Muito usual no evangeliquês pentecostal,
ela é usada erroneamente para se referir ao pregador mais barulhento. Usado no
passado para se referir a grandes pregadores instrumentalizados em períodos de
avivamento, o vocábulo passou a ser nomenclatura para pregadores mais efusivos.
Essa concepção enfatiza mais a performance no púlpito do que a vida consagrada ao
Espírito fora dele. A autêntica pregação pentecostal tem efusão, mas também
conteúdo bíblico. Não é grito vazio.
Segundo espantalho: pregação pentecostal é só emocionalismo.
Uma das acusações dos irmãos reformados é que a pregação pentecostal é superficial
e manipuladora de emoções. É verdade que a pregação pentecostal nem sempre foi
exemplar em muitos arraiais. Infelizmente, muitos trilharam o caminho dos
excessos emocionais. No pentecostalismo, as emoções têm seu lugar e valor legítimos.
A pregação pentecostal é meio de proclamar as verdades do Evangelho de Cristo e
isso afeta diretamente o ser humano em sua integralidade, inclusive as emoções.
O problema é quando consideramos qualquer manifestação religiosa emocional como
pentecostalismo e quando os pregadores fazem das emoções do público seu alvo
final. Há pregadores pentecostais especialistas em comover, quando deveriam buscar
convencer. Alguns pensam que se as pessoas não chorarem durante a pregação ou
não houver qualquer tipo aparente de emoção, não houve pregação pentecostal. Manipular
as emoções, fazendo disso um fim em si mesmo, não é pregação pentecostal.
Terceiro espantalho: pregação pentecostal não é expositiva.
Primeiro, devemos tomar cuidado com a sacralização do método expositivo. Em
alguns arraiais evangélicos, a pregação expositiva acabou sendo elevada a um
status de superioridade, como se fosse o único método correto de pregação. No
meio pentecostal, cremos que o Espírito pode usar qualquer método homilético para
realizar Sua obra. Em razão disso, defendemos como legítimo o uso de outros
métodos, tais como o temático, o textual e o indutivo. Segundo, tragicamente a
pregação expositiva tem sido atrelada à tradição reformada como de uso
exclusivo deles, o que não é verdade. Muitos dos pioneiros pentecostais no
Brasil e nos Estados Unidos faziam uso e defesa desse método homilético. Por causa
da proeminência de grandes pregadores de tradição reformada fazendo uso do
método expositivo, muitos pentecostais passaram a rejeita-lo (GONÇALVES, José.
O Corpo de Cristo, CPAD, p. 135). Contudo, há grandes expositores bíblicos pentecostais.
O método expositivo não é propriedade de nenhum grupo. Pregadores pentecostais
fazem uso dessa ferramenta homilética, e bem.
Quarto espantalho: pregação pentecostal não usa o método histórico-gramatical.
Os avessos ao Movimento Pentecostal costumam dizer que pregação pentecostal se fundamenta
no método alegórico de interpretação. Não podemos negar que muitos pentecostais
usam esse método indiscriminadamente. Entretanto, são minoria. Assim como o
método homilético expositivo não deve ser sacralizado, o método hermenêutico
histórico-gramatical também não. Historicamente falando, os pentecostais
passaram por três estágios hermenêuticos. O primeiro foi da leitura simples,
onde se acreditava que a pessoa comum podia entender as Escrituras. No segundo,
os pentecostais começaram a ter acesso acadêmico e descobriram o método
histórico-crítico. Sabiamente, os primeiros acadêmicos pentecostais utilizaram
algumas ferramentas do método histórico-crítico, como, por exemplo, a crítica
da redação, para sedimentar a experiência pentecostal. Por fim, os pentecostais
têm feito uso do método histórico-gramatical. A pregação pentecostal consiste
em expor o texto, objetivando resgatar seu sentido histórico, cultural, social e
gramatical, na busca da intenção do autor, para aplicação correta.
Quinto espantalho: a pregação pentecostal é centrada na
experiência. As experiências possuem seu valor na perspectiva pentecostal.
Porém, é ataque desleal dizer que os pentecostais põem a experiência acima da ou
em igualdade à Escritura. Quem tem vivência no âmbito pentecostal sabe que para
nós a experiência não é senhora absoluta. A fé pentecostal é centrada na Bíblia
e assim deve ser a pregação. Não pregamos o batismo no Espírito e os dons
porque simplesmente tivemos experiências nessa área. Antes, o fazemos por ser realidade
firmemente estabelecida nas Escrituras. No autêntico pentecostalismo, a
experiência passa pelo crivo da Palavra. A pregação pentecostal tem na
experiência genuína, respaldada nas Escrituras, uma aliada. Pregação não é só
êxtase.
O sexto espantalho: pregação pentecostal é coaching. Um dos
modismos que tem assolado a igreja brasileira é a teologia coaching. Segundo
alguns apologistas, a teologia coaching é a velha teologia da prosperidade com
nova roupagem. É importante salientar que a profissão de coach, quando em seu
devido ambiente, é justa e saudável. O problema é quando seus preceitos
meramente humanos adentram a igreja. Em muitos arraiais, essa pregação de autoajuda,
que visa apenas ao sucesso material e terreno, tem encontrado guarida. A
autêntica pregação pentecostal não massageia egos, nem suaviza verdades. A
pregação pentecostal proclama toda a verdade de Deus, inclusive as julgadas
inconvenientes.
por Weder Fernando Moreira
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