Há quem diga que a teologia da graça é uma doutrina exclusiva do Novo Testamento. De fato, o novo pacto versa quase que inteiramente sobre este tema, apresentando-a como uma perfeição de Deus composta por incomparáveis riquezas (Efésios 2.7). (1) Paulo discorreu muito sobre a graça de Deus e sabemos que “o pensamento teológico de Paulo ocupa o centro do Novo Testamento”. (2) Contudo, deve-se compreender que a graça de Deus foi revelada ao homem desde os primórdios da humanidade. O Antigo Testamento nos oferece várias passagens nas quais vemos a assinatura da graça.
Foi a graça de Deus que poupou a vida de Noé e de toda a sua
família no incidente do Dilúvio. Foi esta graça que encontrou Abraão e
brindou-o com a bênção de ser pai. Mesmo diante da dúvida e do riso irônico de
Sara, a graça sempre perseverou no propósito de fazer de Abraão e Sara pais de Isaque
e progenitores da nação de Israel. Foi esta graça que se encontrou com Jacó, no
Vau do Jaboque. Um homem fugitivo, que enganara os seus próprios familiares e
carregava na sua identidade o título de usurpador. Ele tinha dinheiro, tinha o direito
de primogenitura, mas não tinha direito de dizer que merecia ser perdoado. A
história de Jacó era crivada de engano e de mentira, mas nessa história há um
capítulo da graça. No Vau de Jaboque, Deus mudou o nome e a vida de Jacó. O
patriarca saiu aquele encontro manquejando, mas estava com a alma livre. Isto é
graça! Deus busca os rebeldes sem se cansar. (3) No Antigo Testamento, o Senhor
se apresenta várias vezes como “o Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Talvez ficasse
melhor dizer “Deus de Abraão, Isaque e Israel”. Por que a persistência em dizer
que Ele é o Deus de Jacó? Precisamos entender que o Senhor dos Exércitos não é
apenas o Deus dos grandes heróis, dos patriarcas, dos homens de fé, mas também
é o Deus do fraco, daquele que erra. O Deus de Jacó é o Deus da Graça!
Foi a graça de Deus que escolheu Moisés, um assassino fugitivo,
para ser o libertador de Israel. Um homem que tinha dificuldade para se
expressar tornou-se o locutor e porta-voz de Deus na narrativa do Êxodo. O que
Moisés fez para merecer aquela oportunidade? Posso listar o que Moisés fez para
não receber essa oportunidade, contudo, por graça, Deus o escolheu. Deus não buscou
mérito nele. Se fosse por merecimento, ninguém receberia nem um exemplar da
bênção divina. “Todos pecaram” (Romanos 3.23). Foi a graça de Deus que conduziu
o povo de Israel durante a peregrinação no deserto. Apesar das murmurações e
constantes inclinações às práticas idólatras, a graça de Deus os levou à Terra Prometida.
Observo a graça nas linhas e letras contidas no Antigo Testamento.
Foi essa graça que poupou a vida de Elias, quando, amedrontado na caverna e encavernado
no medo, almejava a morte. Ele mostrou-se valente em uma época que Israel tinha
se curvado a Baal, influenciado pelo paganismo de Jezabel. Na contramão de seu
contexto social, Elias reafirmou a Israel que Jeová era o seu Deus. (4) Apesar desta
biografia épica, o até então destemido profeta mostraria a sua face frágil e a
graça de Deus não se escandalizaria, porque a graça se fortifica na fraqueza. A
graça tirou Elias da caverna e o livrou de um término de ministério
melancólico, preparando-o para um final glorioso, digno de um profeta de sua
envergadura. Elias não viu a morte que pedira em 1 Reis 19.4. A graça relevou as
palavras de Elias proferidas no ápice da tribulação. O final de Elias não é em
uma caverna, mas com uma comitiva celeste que desceu à terra para fazê-lo subir
ao encontro de seu Deus. Elias se despede subindo! Um carro de fogo com cavalos
de fogo traz fulgor, brilho e glória ao término do ministério profético de um
homem marcado pela graça.
Foi essa graça que levou Davi ao trono. Fico pensando quais
os critérios de Deus utilizados na escolha de Davi. É fácil escolher Davi
depois do episódio de sua luta contra Golias, é fácil escolher Davi depois que
o povo israelita cantava louvores enaltecendo os seus feitos. Qualquer um
poderia escolhê-lo depois destas coisas, e foi assim que os homens o escolheram
para ser rei sobre eles. Mas Deus, movido pela graça, o escolheu antes de se
tornar uma celebridade nacional. É fácil escolher Davi depois do sucesso, é fácil
felicitar um guerreiro depois da vitória. A graça acreditou e creditou em Davi
antes do merecimento, porque a graça é favor imerecido. Antes de tudo, a graça microscópica
de Deus enxergou Davi. Confesso que até hoje não consigo entender plenamente os
critérios da graça, mas vejo-a nitidamente presente na trajetória do menino
Davi, do líder Moisés, do patriarca Abraão, do instável Jacó, do intrépido
Elias. Enfim, a vejo nitidamente nas páginas do Antigo Testamento.
Notas bibliográficas
(1) YANCEY, Philip. O
eclipse da graça [recurso eletrônico]: onde foi parar a boa-nova do cristianismo?
São Paulo: Mundo Cristão, 2015.
(2) NEVES, Natalino das. Justiça e Graça: um estudo
da doutrina da salvação na carta aos romanos. Rio de Janeiro: CPAD, 2015, p.11.
(3) TCHIVIDJIAN, Tullian. Surpreendido pela graça:
Deus busca os rebeldes sem se cansar. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2012.
(4) TROTA, Israel T. Livros Históricos. Joinville: Editora Santorini, 2021, p.82.
por Israel
Trota
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