Fenômeno já aconteceu em outras épocas da história, mas é a primeira vez que se dá no século 21 e após uma onda recente de ataques antiteístas
Não faz muito tempo, tivemos – mais especificamente no início do século 21 – uma onda de ataques virulentos à fé cristã capitaneada por uma série de intelectuais famosos no Ocidente, tanto dos Estados Unidos quanto na Europa, os quais ganharam rapidamente espaço na grande mídia. Na época, era comum ver esses cruzados antiteístas – isto é, intelectuais ateístas militantes (pois é possível ser ateu sem ser militante antiteísta) – participarem constantemente de debates contra intelectuais cristãos, muitas vezes para auditórios lotados, além de muitos deles terem se notabilizado por escreverem livros contra a fé que se tornaram best-sellers no mundo. Agora, curiosamente, décadas depois desse movimento, que arrefeceu bastante, muitos desses cruzados contra a fé acabaram abandonando o ateísmo e até mesmo se tornando cristãos, em um fenômeno que, propositalmente ou não, está passando despercebido pela grande mídia que antes promovia com destaque a cruzada desses intelectuais.
Essa onda antiteísta, lembremos, fora impulsionada na época pelos
atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, promovido por fanáticos islâmicos.
Segundo esses intelectuais ateístas, a fé religiosa – de forma geral – seria um
mal para o mundo, com os atentados terroristas islâmicos nos EUA e Europa sendo
supostamente uma prova cabal disso. Em sua lógica, tentavam equiparar crimes cometidos
em nome da fé cristã no passado com o radicalismo islâmico. Entretanto, em seus
debates contra intelectuais cristãos nas duas últimas décadas, esses cruzados
antifé foram sendo confrontados, dentre outras coisas, pelo fato de que havia
um abismo de diferença entre o Cristianismo e o Islamismo, ou mesmo entre aquele
e todas as outras religiões.
Esses intelectuais perceberam que caíram em generalizações, que
os crimes cometidos em nome da fé cristã no passado não se constituíam o normal
da fé cristã, mas, sim, desvios dela, e que a fé cristã é, na verdade, a base de
tudo que temos de bom hoje na cultura ocidental, de maneira que se arrancarmos
a fé cristã do Ocidente este simplesmente ruirá, uma vez que a cultura que o formou
é em grande parte baseada nos princípios judaico-cristãos e essa cultura não se
sustenta por si só, plenamente, sem a admissão desses princípios e da lógica de
fé por trás deles. Em suma, são os princípios judaico-cristãos que ordenam a
vida em sociedade e que podem, inclusive, ordenar melhor a vida da pessoa em
particular. Outra percepção desenvolvida é que não só a abolição de Deus rui toda
moralidade, todo o sentido de certo e errado e de ordenação da vida, como os
próprios argumentos contrários à existência de Deus não eram irrespondíveis.
Muito ao contrário. Para a maioria desses argumentos havia respostas sofisticadas
que já haviam sido apresentadas ao mundo filosófico havia séculos.
Não é a primeira vez que intelectuais ateus famosos se
voltam para fé. Conta-se que Voltaire, antes de morrer, arrependido pelos seus
ataques à fé, teria chamado um padre para confessar os seus pecados na
esperança de escapar da condenação eterna. No século 20, intelectuais ateus famosos
como os britânicos G. K. Chesterton (1874-1936) e C. S. Lewis (1898-1963),
acabaram se tornando depois célebres apologistas cristãos.
Anthony Flew, o primeiro da nova onda de conversões
O primeiro dessa onda foi o filósofo britânico Anthony Flew (1923-2010),
que foi professor nas universidades de Oxford (Inglaterra), Aberdeen (Escócia)
e York (Canadá), dentre outras, e que se notabilizou nos anos de 1950 a 1980
pela sua militância antiteísta. Ou seja, ele estava nesse campo antes mesmo da
onda antiteísta do início do século 21, sendo uma referência para ela. Porém,
em 2001, havia rumores de que Flew havia abandonado o ateísmo. Ele só se
pronunciou publicamente sobre o assunto em 2004, em entrevista publicada na
revista Philosophia Christi, da Universidade Cristã de Biola, na Califórnia.
Logo após anunciar a sua mudança de pensamento, os admiradores
de Flew na academia e na imprensa começaram a acusá-lo de demência, devido à
sua idade na época (84 anos), como foi o caso do jornalista Mark Oppenheimer, do
New York Times. Em 2007, Flew lança o livro, em coautoria com Roy Verghese,
intitulado There’s a God (“Existe um Deus”).
Tom Holland e Jordan Peterson abandonam ateísmo
O historiador britânico Tom Holland, 56 anos, era um ateu declarado.
Responsável por grande parte dos documentários sobre história da BBC, o
principal canal de TV da Grã-Bretanha, ele era filho de um ateu com uma cristã anglicana,
mas que, apesar de ter uma imagem muito positiva de como sua mãe vivia sua fé, resolveu
não só abraçar o ateísmo como se tornar um ateu militante.
Entretanto, desde 2016, as coisas mudaram. Holland passou
nessa época por uma reflexão sobre o Cristianismo que mudaria sua visão. Nesse
ano, ele publicou o artigo “Por que eu estava errado sobre o Cristianismo” na
revista britânica New Statesman, capitulando publicamente em sua oposição ao Cristianismo
e gradativamente se abrindo para a fé. Hoje, ele afirma não ser mais ateu e se
declara um cristão.
Outro caso é o do psicólogo clínico canadense Jordan
Peterson, 62 anos, que lecionou na Universidade de Harvard, nos EUA, e como
professor catedrático na Universidade de Toronto, no Canadá. Ateu e
evolucionista, Peterson era famoso por seus estudos sobre funcionamento da
mente humana e sobre a formação do sistema de crenças de uma sociedade especialmente
em regimes totalitários. Em 2016, ganhou notoriedade mundial ao se opor à Lei
C-16 no Canadá que impunha uma regulação da linguagem, com mudança da gramática,
para atender ao lobby dos movimentos LGBT. Pouco depois dessa época, ele passou
a se declarar agnóstico.
Em 2020, Peterson foi internado pela sua família para se
tratar de vício em medicamentos e de crises de “ideação suicida”. Nesse período,
sua filha e sua esposa, que também atravessou problemas de saúde, se voltaram
para a fé e terminaram se convertendo ao catolicismo. Após essa experiência, Peterson
se abriu também para a fé e, pela influência de seu amigo Jonathan Pageau, que
é fiel da Igreja Ortodoxa, desde 2023 se declara não mais ateu, “parcialmente
evolucionista” (ou seja, evolucionista teísta) e também “filosoficamente um
cristão ortodoxo”.
Richard Dawkins e diz agora “cristão cultural”
Cerca de vinte anos atrás, o zoólogo evolucionista Richard Dawkins
era uma das figuras mais proeminentes no debate público nos Estados Unidos e na
Europa no que tange ao combate à fé cristã e à fé em geral. Ao lado de Daniel Dennett
(falecido neste ano), Sam Harris e Christopher Hitchens (falecido em 2011), ele
seria conhecido como um dos “Quatro Cavaleiros do Novo Ateísmo”, sendo o mais destacado
do grupo, chegando a ser chamado por alguns de “O maior ateu do mundo”. Pois Dawkins,
no início do mês de abril, concedeu uma entrevista à rádio britânica LBC na
qual declarou – para surpresa de seus fãs – que é “culturalmente cristão”.
“Acredito que, culturalmente, somos um país cristão, e eu me
considero culturalmente cristão. Eu amo hinos e as canções de Natal. Sinto-me
em casa no ethos cristão”, afirmou Dawkins. Ele também asseverou que, das alternativas
disponíveis, o Cristianismo parece ser a que mais respeita o bom senso e os
direitos individuais. Esse já foi um grande passo para Dawkins, mas ele ainda está
distante da verdade, querendo abraçar apenas os benefícios culturais do
Evangelho em vez do próprio Cristo e, com Ele, tudo. R e c e n t e m e n t e , D
a w k i n s também arranjou uma briga com movimentos de esquerda ao dizer, como
biólogo geneticista, que as diferenças entre os sexos são objetivas e
imutáveis. Além disso, sua afirmação sobre o “Cristianismo cultural” foi uma reação
à divulgação de versos islâmicos no painel da estação de trem King’s Cross, em
Londres, durante o Ramadã.
A conversão de Peter Hitchens e o evangelismo do irmão
Lamentavelmente, Daniel Dennett e Christopher Hitchens, até onde
se sabe, morreram ateus. Christopher foi o responsável por reunir pela primeira
vez os “Quatro Cavaleiros do Novo Ateísmo”, em um encontro realizado em sua
casa nos EUA em 2007, onde oficialmente passaram a discutir como grupo e
movimento nossas formas de combater a fé. Entretanto, enquanto Christopher
estava tentando fortalecer o movimento a partir da reunião das suas principais cabeças
no mundo, o seu irmão, também ateu notório e militante antiteísta Peter
Hitchens, estava começando a experimentar um processo de conversão.
Poucos anos antes da morte de Christopher, Peter se
converteu. Christopher era dois anos mais velho e ambos se tornaram ateus no
mesmo dia, ainda adolescentes, em um ritual em que chegaram a queimar uma
Bíblia. Peter se tornaria também da esquerda trotskista. Entretanto, mais de uma
década atrás, ele abandonaria não só o ateísmo como também o trotskismo, se
tornando um “conservador burkeano”, como se define hoje. Peter, hoje com 72 anos,
se tornou cristão e é agora membro da Igreja Anglicana.
Peter publicaria um livro contando sua conversão, além de
ter relatado que até os últimos dias de vida de seu irmão Christopher – que
morreu de câncer – ele tentou trazê-lo para Cristo. Até onde se sabe, seu irmão
teria terminado a vida como ateu.
Sobre o neurocientista ateu norte-americano Sam Harris, 57 anos,
um dos “Quatro Cavaleiros do Novo Ateísmo”, este ainda se diz ateu, mas agora
se declara um “ateu budista” (sic). Em vez de se abrir para a verdade de Deus,
Harris continua distante dela, mas agora voltando-se para o misticismo oriental,
para um “ateísmo new age” ou “ateísmo místico” – um total contrassenso.
Ayaan Ali, Niall Fergunson e Russel Brand: de ateus militantes
a cristãos confessosEm 2023, a aclamada escritora ateia somali-holandesa-americana
Ayaan Hirsi Ali, 54 anos, anunciou que havia se convertido ao Cristianismo.
Criada em uma família muçulmana, ela havia declarado oficialmente o seu ateísmo
em 2002. Considerada pela revista Time em 2005 uma das 100 pessoas mais
influentes do mundo, Ayaan foi membro da Câmara dos Representantes da Holanda,
coautora do documentário Submission (“Submissão”), uma crítica ao islamismo que
levou ao assassinato do diretor do filme, Theo Van Gogh, por radicais islâmicos
(Ayaan é ameaçada de morte até hoje por radicais pelo filme). Ela já recebeu
vários prêmios de liberdade de expressão na Europa e nos EUA.
Segundo Ali, que é casada com o historiador britânico Niall Fergunson,
ela primeiro chegou à conclusão de que nem todas as religiões são iguais. “Todo
o tipo de liberdade aparentemente secular – de mercado, de consciência e de
imprensa – tem suas raízes no Cristianismo”, escreveu ela ao explicar a jornada
que a levou à fé cristã. Em seguida, conforme entrevista dada por ela a Jordan Peterson
neste ano, ela conta que, após se sentir confessadamente infeliz mesmo tendo
tudo – bens, família e reconhecimento –, passou colocou em revista a sua crença
ateia e começou a cogitar a possibilidade da existência de Deus, até que um dia
se voltou para Ele em sua crise e aceitou Jesus como Salvador de sua vida.
Recentemente, Ayaan participou de um debate bastante amistoso com Richard
Dawkins.
Também recentemente, o historiador Niall Fergunson, 60 anos,
eleito também pela revista Time, em 2004, uma das 100 pessoas mais influentes
do mundo, esposo de Ayaan e até pouco tempo também uma celebridade no meio
ateísta, declarou não só o seu abandono do ateísmo, mas também sua conversão ao
Cristianismo. Fergunson foi professor nas universidades de Harvard, Stanford,
Nova York, Oxford, London School Economics e Edimburgo, colaborador da Bloomberg
e colunista das revista Newsweek e The Spectator, e do jornal Daily Mail. Em
2021, ele fundou a Universidade de Austin, no Texas.
Outro caso é o do ator e comediante britânico Russel Brand, 49
anos, conhecido até então por sua vida libertina e pela sua forte influência
sobre os jovens em suas plataformas sociais discutindo política e cultura,
zombando da fé e defendendo o ateísmo. No início deste ano,ele declarou seu abandono
do ateísmo e sua conversão ao Cristianismo.
Livro registra fenômeno
O autor britânico Justin Brierley, filósofo com formação na Universidade
de Oxford, publicou em 2023 um livro sobre esse fenômeno: The Surprising
Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers Are Considering
Christianity Again (“O Surpreendente Renascimento da Crença em Deus: Por Que o Novo
Ateísmo Envelheceu e os Pensadores Seculares Estão Considerando o Cristianismo
Novamente”). Ele entrevistou vários colegas ateus nos últimos anos para tentar
entender o que levou a essa abertura para a fé.
Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo publicada em 26 de
abril deste ano (matéria “Por que o ateu mais conhecido do mundo agora se diz
‘culturalmente cristão’”, assinada por Gabriel de Arruda Castro), Brierley
afirma: “Estou vendo isso com cada vez mais frequência entre ateus, mesmo alguns
que eram anticristãos no passado, como Dawkins. Acho que eles estão cada vez
mais percebendo que os valores em que acreditam são produto de sua herança judaico-cristã.
Conforme outros sistemas de valores começam a ameaçar essa herança – por exemplo,
a ideologia woke ou regimes autoritários de esquerda –, eles começaram a
perceber que o Cristianismo tem sido bom para nossa cultura”.
Na mesma entrevista, Brierley afirmou estar havendo “um aumento
no número de conversões religiosas – e não apenas culturais – de ateus ao
Cristianismo”, e expõe as razões que tem encontrado. “Eles têm contato com
cristãos atenciosos e gentis que ajudam a superar seus preconceitos sobre o Cristianismo
e a igreja. Isso rompe a barreira e permite que eles comecem a levar o
Cristianismo a sério”, diz Brirley, que acrescenta ainda como outros “motivos mais
comuns para a conversão do ateísmo ao Cristianismo” entre os ateus hoje são
“uma experiência emocional que os levou à fé em Deus ou argumentos
intelectuais, como os indícios que apontam para o design do universo”, isto é,
para o fato de que o universo tem evidências claras e inegáveis de que foi
planejado em vez de ser fruto do mero acaso.
Nos países mais ateístas da Europa, onda de homens jovens
a abandonar o ateísmo
A matéria do jornal Gazeta do Povo destaca também o fato de que
“na Finlândia, um país com grande número de ateus, o número de jovens
religiosos parece estar aumentando”. É que uma pesquisa da Igreja Evangélica Luterana
da Finlândia revelou que tem havido um aumento da religiosidade entre jovens do
sexo masculino. “Entre 2011 e 2019, o número de jovens de 15 a 19 anos que diz
crer em Deus passou de 19% para 43%. A parcela dos que vão à igreja todo mês
passou de 5% para 12%”, afirma a pesquisa.
Justin Brierley corrobora, mencionando que a mesma coisa tem
acontecido na Inglaterra. “Várias pesquisas parecem mostrar altos níveis de
abertura à fé entre os jovens. Vejo os sinais de que a ‘maré da fé’ está
começando a mudar, à medida que muitos intelectuais seculares exortam seu
público a levar o Cristianismo a sério novamente”, conclui Brierley.
Oremos para que o Evangelho de Cristo alcance esses corações
imersos no secularismo, no cientificismo e no racionalismo, para transformação
de suas vidas e a glória de Deus.
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