O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão da estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública, emitiu, em 29 de abril deste ano, a Resolução nº 34. Ela define diretrizes e recomendações referentes à assistência sócio espiritual e à liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade, em substituição à Resolução 8/2011 do mesmo Conselho.
A referida norma trouxe alguns avanços no que tange à
garantia do direito constitucional à liberdade religiosa nas unidades
prisionais. Com a resolução, por exemplo, passa a ser dever da administração
prisional realizar busca ativa, no momento do acolhimento, da preferência
religiosa do preso, para promover a garantia da assistência das diversas
religiões, majoritárias ou minoritárias (art. 17, I, Resolução CNPCP nº 34),
resguardando a devida proteção aos grupos religiosos que acessem o local para
prestação de assistência no horário agendado, sem riscos ou espera prolongada,
dente outros aspectos.
Em que pesem os avanços trazidos pela resolução em questão,
ela contém dispositivos que afrontam princípios fundamentais consagrados em
nossa Constituição Federal. Dentre os princípios, destacam-se o exercício pleno
da liberdade religiosa, consistente na possibilidade do exercício do
proselitismo religioso, a liberdade de crença e de culto, o princípio da
laicidade brasileira e a limitação da atuação das organizações religiosas.
A liberdade religiosa, o proselitismo e as restrições impostas
pela Resolução Nº 34 do CNPCP
A liberdade religiosa – uma expressão mais ampla dos
direitos de consciência e crença – é uma garantia constitucional no Brasil prevista
expressamente em nossa lei maior, a Constituição Federal de 1988, em seu art.
5º, inciso VI: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção dos locais de culto e suas liturgias”.
Além da previsão constitucional, a liberdade religiosa
também está prevista e assegurada em diversas declarações, convenções, normas e
tratados internacionais, com destaque para a Declaração Universal de Direitos Humanos,
que estabelece, em seu artigo 18, o seguinte: “Toda a pessoa tem direito à
liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a
liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de
manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em
privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Ao vedar o proselitismo – uma das principais manifestações
da expressão religiosa – a Resolução nº 34 do CNPCP fere frontalmente o direito
fundamental à liberdade religiosa. É importante destacar, nesse ponto, que,
quando se fala em proselitismo, não estamos nos referindo à imposição de uma
religião em detrimento de outra, interferindo na esfera íntima do cidadão.
Quando falamos em proselitismo, estamos nos referindo à possibilidade de se divulgar
a própria religião, individual ou coletivamente, em ambiente público ou
privado, em busca de novos adeptos, sempre respeitando o direito de escolha que
cada indivíduo possui, ante seu livre-arbítrio. Ao proibir o proselitismo nas unidades
prisionais, a resolução atinge um ponto crucial para a Igreja de Cristo, que se
refere à Grande Comissão, quando Jesus nos chama para pregar o evangelho a toda
a criatura e até os confins da terra, incluindo a população carcerária (Mc
16.15). O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 2566, já reconheceu a importância do proselitismo
religioso, no sentido aqui colocado, ao decidir que: “[a] liberdade religiosa
não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o
direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião.
O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa”.
Conforme já mencionamos, a liberdade religiosa abrange o
direito à liberdade de crença. Cada indivíduo tem o direito de ter, manter e de
mudar de religião, sendo-lhe assegurado o livre exercício de sua crença. Este direito,
por óbvio, não pode ser negado aos indivíduos, homens e mulheres, que estão,
temporariamente – uma vez que não existe pena de morte ou prisão perpétua no
Brasil –, com sua liberdade restrita.
A proibição do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
provoca uma série de embaraços à assistência religiosa – prevista na própria
Constituição Federal – àqueles que estão privados de liberdade. Ora, se há previsão
no sentido de se obstar o proselitismo religioso, poderá um pastor capelão ou
qualquer outro voluntário cristão, no exercício da atividade legalmente regulamentada
da capelania prisional, fazer um convite para que o recluso entregue a sua vida
ao Senhor Jesus Cristo? Como ficarão os batismos em águas tradicionalmente realizados
dentro dos presídios? Cessarão? E no que diz respeito à Ceia do Senhor? Poderão
elas ser ministradas sem nenhum embaraço? São perguntas para as quais ainda não
temos respostas, mas, sem dúvida alguma, nos trazem grande inquietação, diante
da resolução em questão.
O que a Bíblia diz sobre a assistência espiritual aos
presos?
O direito à assistência religiosa aos indivíduos privados de
liberdade está previsto tanto na Lei de Execuções Penais quanto na própria
Constituição Federal de 1988. A Carta Magna prevê, em seu artigo 5º, inciso
VII, que “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva”. Inúmeros estudos e
pesquisas já foram realizados sobre os benefícios da espiritualidade na reintegração
social dos indivíduos em cumprimento de penas privativas de liberdade, em razão
da condenação pela prática de crimes. E não somente isso, é notório que a
pregação da Palavra de Deus no interior dos presídios e penitenciárias
contribui de maneira significativa para a redução dos índices de rebeliões e
outros tipos de conflitos no interior do cárcere. Estamos certos de que todos
estes benefícios são frutos da transformação operada, no coração desses homens
e mulheres em cumprimento da pena que lhes foi imposta, pela ação do Espírito
Santo, através da pregação da Palavra de Deus.
Mas, não é apenas isso. Além de a assistência religiosa aos
indivíduos privados de liberdade ser um direito previsto constitucionalmente e
pela legislação que disciplina a execução da pena no Brasil, temos também que
prover assistência espiritual é um ensino do nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, ao afirmar “Estive na prisão e visitaste-me” (Mateus 25.36). No
contexto da passagem citada, o que Jesus disse e deixou claro é que, ao
oferecermos assistência espiritual ao recluso, não estamos apenas fazendo um
bem àquele que está com a sua liberdade restrita. Prestar assistência
espiritual aos indivíduos privados de liberdade, no exercício do amor cristão,
é uma forma de demonstrar amor ao próprio Senhor Jesus Cristo.
É inegável, conforme já dito, a influência e o impacto
positivo da proclamação da Palavra de Deus, do Evangelho de Cristo, no interior
do cárcere. A Bíblia registra no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 16,
versículos 23-28, a prisão de Paulo e Silas. Estes dois servos de Deus foram
lançados em um calabouço, após terem sido injustamente julgados e espancados.
No entanto, diz a Palavra de Deus, mesmo diante daquela terrível situação, eles
“oravam e cantavam hinos a Deus, e os outros presos escutavam”. É maravilhosa a
ênfase que a Palavra de Deus dá ao fato de que, enquanto Paulo e Silas oravam e
louvavam a Deus, os outros presos escutavam. Qual foi o resultado? Quando, por
um terremoto, as portas das prisões foram abertas, nenhum preso fugiu! Já parou
para pensar por que isso aconteceu? A resposta não é outra, senão a
transformação realizada pela presença gloriosa de Deus no coração de cada um daqueles
detentos no interior daquela prisão.
Por fim, destaco a admoestação do escritor ao Hebreus: “Lembrai-vos
dos presos, como se estivésseis presos com eles” (Hebreus 13.3). Esta exortação
bíblica nos mostra a necessidade de não nos esquecermos daqueles que estão encarcerados.
Muitos deles são esquecidos pela própria família, mas a Igreja do Senhor deve
se lembrar deles, como destinatários do amor de Cristo, do Seu perdão e da Sua
graça salvadora.
Considerações finais
A Resolução nº 34 do CNPCP, da forma como se encontra, é uma
ameaça à liberdade religiosa e à própria assistência espiritual e, consequentemente,
à evangelização e pregação do Evangelho de Cristo no interior das unidades prisionais
brasileiras. Esperamos que o texto seja revisto, posto que, da forma em que se encontra,
mostra-se inconstitucional e eivado de contradições que precisam ser sanadas,
de maneira a permitir que a Igreja do Senhor continue realizando o
importantíssimo trabalho sócio espiritual de assistência religiosa, pregação do
Evangelho e visitação aos indivíduos privados de liberdade.
por Luiz Ricardo Carvalho de V. Batista
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