Para compreender se o crente perde ou não a salvação, precisa-se entender o que significa a perseverança cristã. A palavra provém do grego proskarteresis e tem a ideia de constância, paciência e persistência – no caso, cristã – em tempos de tentação, aflição, angústia, provação e provocação, com a pessoa continuando inflexível e firme na fé em Cristo, esperando nEle e dependendo pacientemente dEle em tudo e para tudo. É uma capacidade divina para resistir ao dia mau (Efésios 6.13) em que “mediante a fé, estais guardados na virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pedro 1.5). Outra palavra utilizada é plerophoria, que significa “plenitude de convicção” e “confiança”.
A perseverança traz embutida a ideia de que o salvo deve se esforçar
para não perder a sua salvação, por isso a Bíblia afirma que é “Bem-aventurado
aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se vejam
as suas vergonhas” (Apocalipse 16.15). Satanás, o mundo, a “concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João 2.16) servem de tentação
para afastar o crente do lugar que ele ocupa em Cristo. Jacó Armínio escreveu
que Jesus, pelo Seu Espírito Santo, auxilia o crente em todas as tentações e proporciona
o socorro de sua mão; e Cristo o guarda não o deixando cair, desde que tenha se
preparado para a batalha e não queira vencer apenas por suas próprias forças
(ARMÍNIO, 2015, p. 232).
O perigo da apostasia
Apostasia é dar as costas àquilo que um dia se creu – no caso
aqui, em relação ao que a Bíblia ensina. É negar, renunciar e distorcer
propositadamente o ensino bíblico de forma a colocar em seu lugar algo
contrário. A Bíblia ensina que a apostasia tem sua origem na obediência a espíritos
enganadores e no ensino de demônios (1 Timóteo 4.1), bem como na permissividade
furtiva de homens que torcem o conteúdo bíblico e de alguma forma negam a
pessoa ou a obra de Cristo (Judas 4; 2 Coríntios 11.13, 14; 2 Pedro 2.1). Ela
pode acontecer parcialmente, quando se renunciam algumas ideias ou doutrinas;
ou totalmente, quando se renega todo o conteúdo bíblico e a fé cristã. A
apostasia sempre estará relacionada à rebelião contra Deus.
A apostasia não pode ser confundida com heresia. Esta última
é caracterizada pelo desvio, ainda que sutil, de uma crença aceita como
doutrina. Já a apostasia é o abandono da fé outrora professada, rejeitando seus
dogmas e as suas obrigações religiosas. Portanto, a apostasia será sempre mais
grave que a heresia. A heresia pode ser imperceptível para quem não estiver
atento; ela é sorrateira para os inadvertidos e sutilmente aliciadora da fé
correta. Já a apostasia é escrachadamente vergonhosa e antibíblica, e de fácil
percepção. A heresia sempre conservará muitos elementos da verdade bíblica, mas
infundirá distorções sutis. Já a apostasia conservará pouco ou nada da verdade
e claramente será entendida como mentira.
Alguns exemplos bíblicos de apostasia são os anjos caídos,
que “não guardaram o seu estado original” (Judas 6); Satanás, que “não permanece
na verdade” (João 8.44) e nele foi “achada iniquidade” (Ezequiel 28.14,15);
Adão, que, mesmo em seu estado perfeito, preferiu dar as costas ao mandamento
divino (Gênesis 3); Israel, que por muitas vezes na história apostatou do Deus
verdadeiro e correu atrás de ídolos (Juízes 2.11-13; Jeremias 2.20, 25); Judas,
que traiu Jesus (Mateus 26.14-25); Himeneu e Alexandre (1 Timóteo 1.19,20); e a
apostasia descrita por Paulo em 2 Timóteo 4.3,4.
A possibilidade da perda da salvação é encontrada em alguns textos
bíblicos que apontam para isto, como o endurecimento do coração pelo engano do
pecado (Hebreus 3.13) e a possibilidade de ter o nome riscado do Livro da Vida ao
pecar contra Deus (Êxodo 32.33; Apocalipse 3.5). Isso não tem nada a ver com a
predestinação divina, mas, sim, com a capacidade de escolha que o ser humano
tem. Nenhuma experiência de conversão do passado é garantia de salvação permanente,
mas, sim, a que provém de uma fé viva e atuante no presente (Mateus 11.12).
Na força destrutiva do pecado e pela ação de Satanás, que
quer cirandar com os servos do Senhor (Lucas 22.31,32), e diante de sofrimentos
difíceis de suportar (Jó 2.9), os crentes são tentados a abandonar a fé,
surgindo a possibilidade de perderem a sua salvação.
Alguns motivos práticos de apostasia e perda da salvação
são: por rejeição consciente e voluntária da pessoa e da obra de Cristo (João 13.25-27);
por pecado voluntário, consciente e repetitivo de maneira maldosa, que macule a
imagem de Cristo no crente, sem que haja arrependimento (Atos 5.4,5; 8.20); e
por ensinar doutrinas errôneas (2 Pedro 2.1). De forma mais clara, a apostasia
sempre será algo feito de maneira consciente, proposital, voluntária e maldosa
contra a verdade (2 Pedro 3.17). A apostasia é a principal causa da perda da salvação.
Seguros em Cristo
Na oração sacerdotal, Jesus orou pelos discípulos e por
aqueles que haviam de se salvar, afirmando que Ele mesmo cuidaria deles: “As minhas
ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida
eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10.27,28).
Isso garante que se viva na esperança e na certeza da confiança na graça e na
misericórdia de Deus e que o crente poderá partir desta vida sem qualquer medo
ansioso, ou pavor terrível ou temor da morte (ARMÍNIO, 2015, p. 233). Paulo
afirmou que “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de
Deus” (Romanos 8.16). Isso gera no crente a certeza da salvação, a qual
manifesta a segurança da salvação, que está garantida por fé na graça de
Cristo.
Não podemos ter certeza da salvação a partir de qualquer
obra ou mérito próprio. Essa certeza é unicamente possível através da confiança
que o cristão tem em Cristo e em Sua obra. Podemos até ser vacilantes,
intemperantes e termos dúvidas, mas Ele nos prende com laços de amor (Lucas
15.7).
Conclusão
O conceito de que “uma vez salvo, para sempre salvo” não tem
apoio concreto nas Escrituras. Caso assim fosse, não precisaria haver nenhum
esforço para a pureza e a santidade, além do que isso atestaria contra o
caráter de Deus de conceder aos seres humanos o livre arbítrio (Salmo 25.12; Provérbios
3.31; Marcos 13.22). A perseverança é iniciada e garantida por Cristo até o dia
final (Filipenses 1.6; 2 Timóteo 1.12), e mantida pelo crente em cooperação e
sujeição a Ele (2 Pedro 1.10). Aos crentes que perseverarem há a promessa e a esperança
de serem conservados até o fim (1 Coríntios 1.8). A perda da salvação é
possível, mas não inevitável, e depende da persistência na fé, no
arrependimento e na graça de Deus. É importante destacar que, enquanto o
Arminianismo reconhece a possibilidade da perda da salvação, ele também
enfatiza a segurança que os crentes têm em Cristo, desde que permaneçam nEle.
O medo utilizado para gerar obediência nega o amor verdadeiro,
que é a garantia da salvação. “Mas em todas estas coisas somos mais do que
vencedores, por aquele que nos amou” (Romanos 8.37). Os que compreendem a
grandeza do amor de Deus vivem em obediência alegre aos mandamentos divinos. A
conquista da salvação é sinérgica, a perda dela também é, mas nesse caso a
iniciativa pela perda é do ser humano.
Referências bibliográficas
ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio. Vol. 1. Rio de
Janeiro: CPAD, 2015.
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. Vol. 7.
São Paulo: Hagnos, 2003.
POMMERENING, Claiton Ivan. A Obra da Salvação: Jesus
Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
SILVA, Esequias Soares da. Declaração de Fé das
Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
por Claiton Ivan Pommerening
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