As ordenanças de Cristo à Igreja

As ordenanças de Cristo à Igreja


A importância do ensino bíblico sobre a Ceia do Senhor e o batismo em águas

As ordenanças de Jesus à Igreja foram dadas em duas ocasiões solenes em que Ele estava com os Seus discípulos: o batismo, por ocasião de Sua ascensão (quando proferiu: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”, Mateus 18.19); e a Ceia, por ocasião de Sua despedida antes de Sua morte (“E, tomando o pão e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isso em memória de mim”, Lucas 22.19).

As duas ordenanças remetem à morte e à ressurreição de Jesus e estão ligadas entre si neste sentido. O batismo representa para o crente a imersão para a morte ao pecado e à velha vida, e a emersão para uma nova vida no Cristo ressurreto (Romanos 6.3-4). A Ceia é a lembrança de Seu sofrimento e de Sua morte, que agora são a garantia da nova vida em Cristo.

As ordenanças não são meios de salvação, mas um simbolismo que acompanha a proclamação do evangelho (kērygma) e o ensino (didachē) daquilo que Cristo fez pelo crente: Sua morte, ressurreição, ascensão e volta para buscar a Sua igreja. Portanto, tanto o batismo quanto a Ceia são recursos visuais e mnemônicos de dois importantes eventos simbolizantes. Nas palavras de Agostinho, a ordenança é um sinal exterior e visível de uma graça interior e espiritual.

Os católicos acrescentaram mais cinco outros sacramentos (ordenanças) ao batismo e à Ceia. Já alguns poucos pentecostais acreditam que são três as ordenanças, sendo a terceira o batismo no Espírito Santo, como descrito em Mateus 3.13 e Atos 1.5,8. Embora acreditemos no batismo no Espírito Santo, classificá-lo com uma ordenança é temerário, porque o batismo no Espírito Santo não depende de uma visibilidade de fé externa demonstrada pelo crente, como no batismo em águas e na Ceia, mas é obra exclusiva do Espírito Santo, bem como sua evidência física.

Tendo em vista a grandeza dos símbolos que as ordenanças evocam, algumas tradições cristãs o chamam de “sacramento” (sacramentum), que significa “algo separado como santo”. Essa expressão também se referia ao voto militar de obediência ao comandante no exército romano (BERKHOF, 2012, p. 622). Porém, a palavra “sacramento”, quando não compreendida e pela forma que é utilizada em algumas correntes do cristianismo, leva a considerar que o batismo e a Ceia do Senhor são capazes de serem portadores de graça por si mesmos, relegando Cristo e Sua obra a um segundo plano. Embora não equivalente etimologicamente, a igreja cristã traduziu, no fim da Antiguidade, mysterium (grego) como sacramentum na Vulgata Latina. Mysterium significa um rito ou doutrina secreta, daí que os ritos do batismo e da Ceia seriam também mistérios que apontam para algo muito superior e em alguns aspectos inexplicáveis. Entretanto, essa interpretação precisa ser tomada com cuidado para não gerar novos tipos de gnosticismo, além de levar a crer que o batismo é condição indispensável à salvação. Por esta compreensão, seria necessário batizar as crianças, o que obviamente é contrário à ordenança de Cristo.

O significado temporal do batismo em águas e da Ceia remetem ao tempo passado, presente e futuro. No passado, são figuras da morte e da ressurreição de Cristo, e são a profissão de fé na morte de Cristo para perdão dos pecados e na Sua ressurreição para justificação (Romanos 4.25); no presente, são o símbolo da morte do eu e do ressurgimento de uma pessoa rendida a Cristo (Romanos 6.4), vivendo a Sua plenitude através da ressurreição (emersão da água) e da participação do Seu corpo (pão) e sangue (vinho); e remetem também ao futuro como uma figura de nossa própria morte física e da ressurreição futura e seu antegozo futuro, quando cearemos para sempre com Ele, nosso Redentor.

No Antigo Testamento, a circuncisão e a Páscoa são considerados pela teologia cristã como ritos equivalentes ao batismo (Colossenses 2.11-12) e à Ceia do Senhor (1 Coríntios 5.7).

O batismo em águas

O batismo é a expressão exterior e testemunho público de experiência anterior e interior do novo nascimento, mediante a qual o crente participa da morte e da ressurreição de Cristo e passa a fazer parte do Seu corpo (1 Coríntios 12.13), a Igreja. O ato é efetuado por “imersão do corpo inteiro uma única vez em águas, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (SOARES, 2017, p. 127). “O velho homem, concebido e nascido em pecado, é afogado, aparece e se levanta um novo homem nascido em graça. Assim sendo, no batismo, o pecado é afogado e surge a justificação” (LUTERO, 2012).

O significado da palavra batismo – baptisma em grego – é “mergulhar na água, imergir”. Jesus certamente foi batizado por imersão (Mateus 3.16; Marcos 1.9); se fosse por efusão ou aspersão, o texto não diria que ele precisou sair da água, conforme os evangelistas descrevem. Na tradição judaica, o batismo tem uma conotação parecida com a purificação de objetos (Marcos 7.4) e pessoas (Hebreus 6.2); no entanto, a palavra “batismo” não ocorre nos escritos do Antigo Testamento, certamente porque o batismo foi uma adequação da Igreja Primitiva e dos escritores bíblicos ao batismo de João Batista. Porém, certamente o batismo com água é um resquício dos rituais de purificação descritos no Antigo Testamento, que se aplicavam aos sacerdotes, quando oficiavam no Tabernáculo ou no Templo.

O paralelismo no Novo Testamento entre a circuncisão e o batismo são vários, como: ambos representam o arrependimento (Deuteronômio 10.16; Jeremias 4.4), a regeneração (Deuteronômio 30.6), a purificação (Isaías 52.1; Ezequiel 44.7,9) e também a justificação pela fé (Romanos 4.11). A circuncisão é a admissão no Antigo Pacto e o batismo cristão, no Novo Pacto. Embora possa haver esse paralelismo, não se pode afirmar que um ritual substitui o outro, porque o simbolismo maior do batismo – a morte e a ressurreição de Cristo e consequentemente do crente – não se comparam à circuncisão, que é apenas uma sombra da Nova Aliança (Hebreus 8-10). Por isso, Paulo afirmou que quem quiser seguir a lei e seus ritos cairá da graça (Gálatas 5.1ss).

Por que Jesus teria que ser batizado, se ele era sem pecado? Stronstad dá uma bela descrição, afirmando que não era mesmo necessário que Ele se batizasse, mas, para se cumprir a justiça divina, Ele se encontrou na mesma água onde os pecadores se batizavam, testificando, assim, que a graça e a misericórdia de Deus haviam chegado. Essa mesma identificação com os pecadores se dá quando Ele toma o seu lugar entre dois ladrões na cruz (Lucas 12.50).

O batismo deve ser precedido pelo arrependimento, conforme Atos 2.38: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”. Por esse motivo, os pentecostais não batizam crianças. Corrobora com esta compreensão o fato de Jesus se batizar somente em idade adulta, bem como vários episódios bíblicos de batismo de adultos geralmente após a proclamação do evangelho e de terem crido (Mateus 3.8; Marcos 16.16; Lucas 3.8; Atos 2.41; 3.19,20; 8.12,36-38); e o fato de não haver registro bíblico de batismo de crianças. Porém, o batismo em si não é ato de salvação, apenas um símbolo daquilo que já aconteceu no coração do converso.

O batismo traz uma relação evidente com a morte e a ressurreição de Jesus primeiramente como um simbolismo da resposta visível do crente em arrependimento e fé (Gálatas 2.20); também como um símbolo do processo de mortificação da carne e da santificação (vivificação) pela vida toda (Efésios 4.22-23); e da morte e da ressurreição final do crente (1 Coríntios 15). O batismo é um simbolismo da ação divino-humana da união com Cristo na Sua morte e na Sua ressurreição (Romanos 6.1s; Cl 2.11-12); do perdão dos pecados e da purificação dos mesmos (Atos 2.38; 22.16); do torna-se membro do Corpo de Cristo (1 Coríntios 12.13; Gálatas 3.28); do obter-se a regeneração e a renovação pelo Seu Espírito (Tito 3.5); da limpeza da consciência (1 Pedro 3.21); e da promessa do Reino de Deus (João 3.5). As bênçãos que acompanham o batismo são apreendidas por fé em Cristo e não no ato do batismo em si.

Para estar apto ao batismo, segundo o entendimento bíblico pentecostal, é necessário ter crido no evangelho (Marcos 16.16); ter nascido de novo e ser regenerado em Cristo (João 3.3); ter se arrependido dos seus pecados e os abandonado (Atos 2.38); e ter se voluntariado para o ato (Marcos 16.16).

A Ceia do Senhor

A Ceia do Senhor remete à refeição da última noite de Jesus com Seus discípulos antes de ser entregue à morte, quando ele disse: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim” (1 Coríntios 11.25). Portanto, trata-se de um importante símbolo da morte de Jesus. O simbolismo com a Páscoa judaica é outro aspecto, pois Jesus foi o cordeiro pascoal definitivo que foi morto uma vez por todos. Além disso, há todo o profundo simbolismo nos elementos da Ceia, como a carne e o sangue de Cristo representados no pão e no vinho respectivamente.(1) O ritual da comunhão à mesa significava, na tradição judaica, participar da benção de Javé. Nesta comunhão, o chefe da casa tomava o pão e o abençoava em nome dos presentes; depois, o partia e dava um pedaço a cada um sentado à mesa. Assim, todos participavam da benção. O mesmo cerimonial se fazia com a taça de vinho e todos bebiam dele.

Jesus, ao apontar para o pão e para o vinho como Seu corpo e Seu sangue, estava se autodeclarando como o Cordeiro Pascal, confirmando as palavras de João Batista de que Ele era o “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, e assim redimindo o mundo pecaminoso para Deus.

As afirmações de Jesus de que “este é meu corpo” e “este é o meu sangue” geraram muita controvérsia teológica ao longo da história da igreja que não cabe aqui explicitar, mas é neste quesito que reside o grande mistério (mysterium). Calvino disse, nas suas Institutas da Religião Cristã, que “eu o experimento mais do que entendo”. Embora saibamos que a Ceia é um símbolo que aponta para algo infinitamente maior e mais sublime, embora seus elementos sejam apenas símbolos, pela fé entendemos que Cristo está presente no cerimonial (e não nos elementos), de maneira que se tomarmos os elementos em fé, o cerimonial é bênção para a vida do crente.

Se invertermos a frase do apóstolo Paulo “por causa disso, há entre vós muitos fracos e doentes e muitos que dormem” (1 Coríntios 11.30) para “há entre vós muitos fortes e saudáveis e muitos que estão vivos”, veremos que o ato da Ceia, quando feito de forma digna, “discernindo o corpo do Senhor” (v.29), além de avivar a memória, é fonte de espiritualidade viva. O não discernimento correto do ato em si traz condenação e morte espiritual ao seu praticante, pois seria uma indignidade (v.29).

Todos que lançam mão da Ceia são pecadores perdoados pelo sacrifício daquele que o ato representa. Portanto, aproximar-se da mesa do Senhor sem reconhecer os seus pecados que estão sobre Cristo é tornar-se culpado “do corpo e do sangue do Senhor” (v.27).

A Ceia gera vida quando a tomamos discernindo o corpo de Cristo que está sendo oferecido e sabendo o que se está fazendo: comendo e bebendo os símbolos do próprio corpo de Cristo. Na comunhão do pão e do vinho, nos tornamos um só corpo e assim podemos suportar as fraquezas uns dos outros, porque, além das fraquezas, vemos Cristo nos outros. Nesta comunhão, há espaço para perdão, reconciliação, apoio, acolhimento, aproximação e solidariedade com os que sofrem.

Referência

(1) Alguns estudiosos argumentam que não era a Páscoa que Jesus estava comemorando com os Seus discípulos, mas uma refeição especial de despedida, ou um kiddush, mas não existem provas a favor desta hipótese.

Bibliografia

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2012.

ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da igreja cristã. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 1988.

LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol. 7. São Leopoldo: Sinodal/Concórdia, 2012.

SILVA, Esequias Soares da. Declaração de Fé das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

STRONSTAD, Roger. A Teologia Carismática de Lucas. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.

por Claiton Ivan Pommerening

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