Um dos temas estudados na conhecida Teologia Sistemática(1) é a chamada Pneumatologia, que basicamente se ocupa em estudar, à luz das Escrituras, sobre o Espírito Santo. O conteúdo dessa disciplina bíblica e teológica é amplo, podendo ser dividido em duas áreas básicas: 1) a Pessoa do Espírito Santo; 2) a obra do Espírito Santo.
O presente artigo, conforme o título demonstra, objetiva estimular
o crente a buscar a manutenção do fluir do Espírito em sua vida, pois, além de importante,
a ação do Espírito Santo é imprescindível para a saúde espiritual da vida
cristã. Do ponto de vista da Pneumatologia, essa é parte de sua área que analisa
as obras do Espírito Santo.
Mas, afinal, por que o crente depende do fluir do Espírito
Santo em sua vida? Como o cristão pode e deve manter o fluxo do Espírito em sua
vida?
Responder a essas perguntas contribuirá com a reafirmação da
importância de uma vida sob o domínio do Espírito Santo e apresentará meios
pelos quais a comunhão do crente com o Espírito Santo pode ser mantida. Nessa mesma
linha, o teólogo Stanley Horton afirma que “receber a unção do Espírito da
Verdade, que faz brotar rios de águas vivas no mais íntimo do nosso ser, reveste-nos
de poder para servir a Deus”(2), o que confirma que o Espírito Santo é quem
capacita o crente a agradar a Deus em tudo aquilo que foi chamado a ser e a
fazer.
Este artigo, portanto, se divide, basicamente em três partes,
conforme se vê: 1) o fluir do Espírito Santo capacita o crente a ter uma vida cristã
autêntica; 2) o fluxo do Espírito habilita o crente a cumprir a sua missão como
parte da igreja de Cristo, mui especialmente a da evangelização; 3) as práticas
cristãs eficazes na manutenção do fluir do Espírito na vida do crente.
Uma vida sob o
domínio do Espírito
Em sua carta à importante igreja que estava na complexa cidade
de Éfeso, Paulo fez uma significativa advertência e uma santa convocação, ao
escrever: “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos
do Espírito” (Efésios 5.18).
Muitas lições podem ser extraídas deste texto bíblico,
principalmente a partir da formulação de perguntas, como a que se segue: “Qual o
motivo central pelo qual o apóstolo advertiu os irmãos que estavam em Éfeso a
não se embebedarem com aquilo que causaria a divisão entre eles, mas que, ao
invés disso, que eles se dedicassem a encherem-se do Espírito Santo?”
Certamente, a razão principal pela qual Paulo escreveu estas
palavras a estes irmãos tem relação direta com os desafios que a cidade de
Éfeso lhes impunha, mesmo porque foi nesse contexto que essa igreja teve de
desenvolver a sua vida cristã e cumprir a sua missão como igreja de Deus. É
preciso constar que a dinâmica da responsabilidade da vida cristã em meio a uma
determinada sociedade se dá tanto na dimensão da ação, cuja relação é com a sua
missão, como na da reação, que aí relaciona-se com a forma que o crente mantém
ou não os valores cristãos diante dos dilemas de um mundo caracterizado pela
queda e distante de Deus.
A igreja de Éfeso estava inserida em uma sociedade complexa
e marcada pela falta de compromisso com Deus e os princípios de Sua Palavra, como
ressalta Lawrence Richard, ao mostrar a intensidade da batalha que a propagação
do evangelho estava submetida nessa cidade:
“O evangelho confronta o ser humano onde quer que estejam.
Onde existe demonismo e feitiçaria, o Espírito age por meio da igreja para demonstrar
o senhorio de Jesus. Onde existe escuridão moral e mental, o Espírito age por meio
de vidas santas e pela mensagem simples do evangelho, para demonstrar que em
Jesus há um caminho melhor.”(3)
Essa pressão a que a igreja de Éfeso foi submetida se deu principalmente
por influência da dinâmica religiosa daquela cidade em torno da deusa Ártemis.
Aliás, ali estava um suntuoso templo dessa divindade, e nas palavras do pastor
e teólogo Elienai Cabral, “a vida cotidiana do povo era grandemente influenciada
pela adoração desse ídolo. A indústria e o comércio, e mesmo o lazer popular,
encontravam em Artemis sua grande inspiração”.(4) Nesse contexto complexo e de
acentuados desafios espirituais, a igreja de Éfeso foi ensinada a honrar a Deus
nos contextos familiar (Efésios 5.22-6.4), profissional (Efésios 6.5-9) e
espiritual (Efésios 6.10-20). Além disso, o apóstolo admoestou essa igreja
acerca do que ele chama de “unidade do Espírito” (Efésios 4.3), o que está em
pleno acordo – não poderia ser diferente – com a ação do Espírito Santo que, ao
contrário do vinho que produz dissensão, promove a unidade (Efésios 5.18).
É imperioso lembrar que a unidade da igreja foi um dos motivos
de oração de Jesus, haja vista que essa virtude reflete o caráter de Cristo e permite
que o mundo conheça a Deus, o que implica na afirmativa de que a unidade da igreja
evidencia a sua maturidade e uma vida cristã genuína (João 17.21). Com base
nisso, fica mais do que claro que somente por obra do Espírito Santo é que o crente
alcançará uma vida genuinamente cristã, razão pela qual ele deve viver sob o
Seu domínio.
Cumprindo a missão sob a influência do Espírito Santo
Como escreveu George W. Peters sobre o sentido da Missão da Igreja
“trata-se do desígnio bíblico completo da igreja de Jesus Cristo”, isso quer dizer
que se trata de um termo amplo e que indica “os ministérios voltados para cima,
para dentro e para fora da igreja”.(5) Em linhas gerais e resumidamente, a
igreja tem a missão de adorar a Deus, evangelizar o mundo e edificar os seus
membros.
A ênfase aqui é a respeito da dependência que a igreja tem
do poder do Espírito Santo para a evangelização, pois, assim como em oração Jesus
demonstrou o Seu desejo de que a igreja vivesse em unidade, Ele também incumbiu
os Seus discípulos da missão de tornar o Seu nome e os Seus ensinamentos conhecidos
em todo o mundo (Mateus 28.19; Marcos 16.15). Em Lucas 24.49, é possível
identificar a promessa de que Seus discípulos receberiam o Espírito Santo sob a
condição de que, em obediência, ficassem na cidade de Jerusalém a fim de que
fossem capacitados a anunciar “o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas
as nações” (v. 47).
Ao comentar Atos 1.8, Grant R. Osborne afirma que a descida
do Espírito Santo é a capacitação da Igreja para a proclamação do evangelho, conforme
se lê em suas palavras:
Com isso, em Atos 1.8, Jesus direciona-os até o ponto crítico
do poder para o testemunho, e essa é a verdadeira razão pela qual o Espírito está
chegando. O Espírito é o “poder do alto” (Lucas 24.49), e ele virá para
empoderar o povo de Deus para o seu chamado e envio para o mundo. {...} O mesmo
poder divino presente na criação e evidente por todo o Antigo Testamento residirá
agora na Igreja à medida que ela cumpre seu destino. O resultado da presença do
Espírito será o “testemunho”.(6)
O texto supracitado reafirma
a verdade de que somente sob o domínio e a ação do Espírito santo é que a igreja
terá as condições necessárias para cumprir com fidelidade e êxito a tarefa da
evangelização. Mas, afinal de contas, por que a presença e o trabalhar do Espírito
Santo são indispensáveis nesse sentido? Note que, além de outras muitas e
importantes lições que este texto bíblico tem a ensinar, ele aponta a verdade de
que é o Espírito Santo quem impulsiona a igreja a não ficar confinada apenas em
sua própria realidade, mas, ao invés disso, leva-a em direção ao mundo, com a finalidade
de compartilhar o evangelho e promover a transformação que só essa mensagem é capaz
de operar. Portanto, o fluxo do Espírito é imprescindível na vida da igreja no sentido
de conscientizá-la e movê-la na direção que o Senhor Jesus determinou para ela,
isto é, a ir em busca dos perdidos com a mensagem de Deus.
Além disso, de acordo com a Bíblia, em certa medida, a
salvação do perdido está intimamente ligada à pregação do evangelho, pois, nas palavras
de Paulo, “aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Coríntios
1.21), e a evangelização é um dos meios pelos quais o evangelho é compartilhado.
Além disso, o Espírito Santo é quem convence “o mundo do pecado, e da justiça e
do juízo” (João 16.8), o que implica dizer que, embora a igreja seja chamada a pregar
o evangelho, todavia, a salvação como resultado disso é obra exclusiva do Espírito
Santo. Aliás, Paulo afirmou que ele atuou como aquele que plantou, Apolo como o
que regou, “mas Deus deu o crescimento” (1 Coríntios 3.6).
Diante disso, fica claro que a igreja não cumprirá a sua
responsabilidade de evangelizar adequadamente a não ser que o Espírito Santo
flua e aja nesse sentido. A dependência que a igreja tem da ação do Espírito Santo
para a evangelização pode ser resumida em três pontos fundamentais, sendo eles:
1) é o Espírito Santo quem mobiliza e impulsiona a igreja a pregar o evangelho;
2) é o Espírito quem capacita a igreja a evangelizar com fidelidade e relevância;
3) somente o Espírito pode produzir os verdadeiros resultados da evangelização,
no processo de iluminar a mente entenebrecida do pecador, com vistas a leva-lo
à confissão de Jesus como Senhor e Salvador de sua vida.
Mantendo o fluir do Espírito Santo na igreja e em nós
A esta altura, já deve estar claro o quanto a igreja depende
do Espírito Santo para ser o que é chamada a ser (povo separado de Deus) e a
fazer o que deve fazer (cumprir a sua missão). Mas, afinal de contas, há alguma
coisa a ser feita pela manutenção do fluxo do Espírito Santo na vida da igreja,
coletivamente, ou ainda, do crente, individualmente? Se há o que fazer, quais
seriam as práticas legítimas por meio das quais o fluir do Espírito possa ser
cultivado em favor da vida cristã?
Na oração que ensinou aos Seus discípulos, Jesus pediu ao Pai:
“Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu” (Mateus
6.10). Observe que o Mestre revela que o Seu desejo é que, da mesma forma que a
vontade do Pai é feita no céu, que ela seja feita também na terra.
A forma com que a vontade divina é feita no céu é tomada como
modelo a ser seguido na terra. Mas, afinal, como é feita a vontade de Deus no
céu?
Partindo do princípio de que tanto a vontade como os propósitos
de Deus não podem ser impedidos (Jó 42.2; Isaías 43.13) e partindo de Sua
soberania (1Tm 6.15,16), pode-se afirmar que não há obstáculos e nem
resistência à Sua vontade no céu, isto é, ela é realizada livre e
prazerosamente pelos Seus anjos (Salmos 103.20,21). Portanto, o desejo de Deus é
que, à semelhança do céu, a Sua vontade seja feita livremente na terra por meio
de Sua igreja, mesmo porque, nas palavras de Paulo, isso só será possível por
intermédio de uma mente transformada, como fruto da obra do Espírito de Deus (Romanos
12.2).
A vontade de Deus é soberana e o crente só pode aceitá-la e
vivê-la como fruto da obra do Espírito Santo; por outro lado, isso só será
possível à medida que o crente desenvolver práticas espirituais que lhes dê as
devidas condições de se posicionar de tal forma que o Espírito de Deus flua em
sua vida, cumprindo assim a Sua obra. Paulo orientou a Timóteo a exercitar-se
na piedade (1 Timóteo 4.7), e isso implica em algumas verdades importantes,
tais como: 1) a expressão “piedade” traz a conotação de práticas espirituais
que contribuem com uma vida entregue inteiramente a Deus; 2) o termo
“exercita-te” deve ser entendido como se lê, ou seja, essas práticas
espirituais devem funcionar como um exercício contínuo e habitual, pois somente
assim é que os bons e duradouros resultados aparecerão efetivamente; 3) embora
a vida espiritual resulte da ação divina, todavia existe aquilo que compete ao
homem fazer, e aqui seriam práticas piedosas que contribuem com uma vida
espiritual madura, saudável e eficaz.
As Disciplinas Espirituais são meios pelos quais o crente
tem de participar e cooperar com a obra exclusiva de Deus em transformar a sua
vida. Quais seriam as principais práticas espirituais que contribuem
diretamente com a manutenção do fluir do Espírito Santo na vida do crente?
Começa pela oração. De forma bem objetiva e direta,
considere a razão pela qual um crente deve orar: consiste no fato de que “Jesus
valorizou a oração o suficiente para passar muitas horas nessa atividade. Se eu
tivesse de responder numa frase à pergunta ‘Por que orar?’, diria: ‘Porque
Jesus providenciou a oração’”.(7) A oração é uma expectativa do próprio Senhor
Jesus em relação aos Seus discípulos (Mateus 6.5-7,9; Lucas 11.9; 18.1) e uma
exigência bíblica aos crentes em geral (Colossenses 4.2; 1 Tessalonicenses
5.17). Como se vê, o crente é chamado a orar em todo o tempo, e isso demonstra
total dependência de Deus, conforme as palavras de Tiago: “Elias era homem
sujeito às mesmas paixões que nós e, orando, pediu que não chovesse [...]” (Tiago
5.17). Note que a humanidade do profeta exigiu dele – e ele atendeu a isso –
uma vida de oração. Quer dizer, orar é demonstrar dependência de Deus.
Além da oração, a leitura bíblica é também uma prática
fundamental pela qual o crente pode manter o fluxo do Espírito Santo em sua
vida, pois, conforme escreveu Whitney, “a absorção bíblica é a disciplina
espiritual mais importante, como também a mais ampla”, e ele segue explicando
que “ela consiste em várias subdisciplinas”.(8) Lembre-se aqui das palavras de
Paulo a Timóteo para que ele se exercitasse na piedade, que é o mesmo que criar
uma disciplina em torno de práticas espirituais, e isso em relação à Palavra de
Deus pode ser feito assim:1i) ouvindo-a (Lucas 11.28; 1 Timóteo 4.13); 2)
lendo-a (Salmos 1.2; Mateus 4.4; 1 Timóteo 4.7; 2 Timóteo 3.16; Apocalipse
1.3); 3) estudando-a (Esdras 7.10; Atos 17.11; 2 Timóteo 4.13).
Como bem se sabe, pela oração o crente se aproxima de Deus
por meio da oportunidade de falar-lhe e de desenvolver uma relação cada vez
mais íntima com o Senhor. Já pela prática da leitura bíblica, Deus se aproxima
do crente, ensinando-lhe a verdade de Sua Palavra e permitindo que o crente se
aproxime do conhecimento de Sua vontade.
Finalmente, à semelhança de Jesus, que durante o seu
ministério terreno viveu uma vida de oração e de contato com a Palavra de Deus,
mas também de consagração e de jejum (Lucas 4.1,2), o crente deve manter essas
práticas espirituais fim de que o Espírito Santo flua nele e através dele,
cumprindo-se então o que foi dito por Jesus: “Quem crê em mim, como diz a
Escritura, rios de água viva correrão de seu ventre” (João 7.38).
Notas
(1) Por Teologia Sistemática se entende aquela parte da
teologia que se ocupa em discorrer ordenada, racional e coerentemente sobre os
fundamentos da fé cristã, sempre em concordância com as Escrituras.
(2) HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma
perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2019, p. 389.
(3) RICHARDS, Lawrence. Comentário Bíblico do Professor.
São Paulo: Vida, 2004, p. 917.
(4) CABRAL, Elienai. Comentário Bíblico Efésios. Rio
de Janeiro: CPAD, 1999, p. 7.
(5) PETERS, George W. Teologia Bíblica de Missões.
Rio de Janeiro: CPAD, 2000, p. 16.
(6) OSBORNE, Grant R. Comentário Expositivo Novo
Testamento: Atos dos Apóstolos. São Paulo: Carisma, 2022, p. 51.
(7) YANCEY, Philip. Oração: Ela faz alguma diferença?,
São Paulo: Editora Vida, 2007.
(8) WHITNEY, Donald S. Disciplinas Espirituais. São
Paulo: Editora Batista Regular, 2021, p. 35.
Bibliografia
HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva
pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.
RICHARDS, Lawrence. Comentário Bíblico do Professor.
São Paulo: Editora Vida, 2004.
CABRAL, Elienai. Comentário Bíblico Efésios. Rio de
Janeiro: CPAD, 1999.
PETERS, George W. Teologia Bíblica de Missões. Rio de
Janeiro: CPAD, 2000.
OSBORNE, Grant R. Comentário Expositivo Novo Testamento:
Atos dos Apóstolos. São Paulo: Editora Carisma, 2022.
YANCEY, Philip. Oração: Ela faz alguma diferença?,
São Paulo: Editora Vida, 2007.
WHITNEY, Donald S. Disciplinas Espirituais. São
Paulo: Editora Batista Regular, 2021.
por Elias Rangel Torralbo
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