Pode até parecer estranho, mas a fé cristã é racional. Apesar dos mistérios e dos milagres bíblicos que desafiam a ciência, o cristianismo pode ser explicado de maneira metódica e consciente. Isso significa que existe um equilíbrio entre o que está na Bíblia e o que nós vivemos e praticamos na atualidade. O objetivo da presente matéria é tratar do significado de princípios, tradição, costume e doutrina pela ótica bíblica e o dever cristão do avanço no conhecimento para o equilíbrio espiritual.
Estrutura lógica
Os princípios bíblicos de equilíbrio espiritual nesta matéria
dizem respeito à natureza racional da fé cristã. Isso é importante salientar porque,
nos primeiros séculos da história da igreja, os cristãos foram mal
interpretados e o cristianismo foi visto como uma mera superstição misturada
com fragmentos filosóficos. Esse pensamento era sustentado pelos formadores de opinião
da mídia da época, que convenciam a maioria da população e as autoridades
romanas dessa caricatura.
Esse estereótipo da fé cristã começou a ser desmascarado
desde muito cedo pelos intelectuais da igreja. Convém destacar apenas dois deles
por questão de espaço, Justino, o Mártir (100-165), e Agostinho de Hipona, também
conhecido como Santo Agostinho (354-430).
Segundo Justino, o Mártir, o cristianismo não ficou devendo nada
em termo de estrutura metódica. Esse apologista era filósofo mesmo antes de sua
conversão à fé cristã e viu nessa nova fé elementos constituintes das escolas filosóficas
da antiga Grécia. Justino dizia que a verdade de Cristo estava presente nas escolas
filosóficas dos antigos gregos. Ele afirmava que as sementes da sabedoria
divina foram semeadas por todo o mundo, portanto, os cristãos podiam encontrar lampejos
da verdade divina por toda parte, ou seja, na filosofia secular da Grécia. É a
doutrina do Logos Spermatikos, “palavra germinadora”, isso significa que cada ser
humano recebeu em seu intelecto um germe do Logos. Justino acreditava que “todo
o gênero humano participou” do Unigênito de Deus, e que os filósofos como Sócrates
e Heráclito “viveram conforme o Verbo (Logos, em grego)”. Justino provou para
as autoridades romanas muito cedo na história da Igreja que tanto as Escrituras
como a fé cristã podem ser explicadas de maneira consciente e metódica.
É fato que a fé cristã é racional e exige o uso da mente e do
raciocínio, como dizia Agostinho de Hipona: “creio para entender”, e isso
baseando-se na parte final de Isaías 7.9, na Septuaginta: “se não acreditas
também não entenderás” (mas, as nossas versões seguem o texto hebraico, que
afirma: “se não o crerdes, certamente, não ficareis firmes”). Esses argumentos
podem mostrar que o cristianismo é racional, que os dados da revelação podem ser
explicados de maneira sistemática, portanto, aceitável. Agostinho comparou a
questão sobre filosofia e cristianismo com a saída dos filhos de Israel do
Egito, embora deixassem para trás os ídolos, os hebreus souberam fazer uso proveitoso
dos vasos de ouro e de prata (Êxodo 3.22; 12.35,36). Assim, Agostinho defendia
o uso seletivo de elementos da cultura clássica.
É importante observar que nas palavras de Jesus sobre o
primeiro de todos os mandamentos ele cita confissão de fé dos judeus: “Ame o
Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento
e com toda a sua força” (Marcos 12.30), tirada de Deuteronômio 6.4,5). Note que
na declaração aparece a palavra “entendimento,” que não consta em Moisés. Jesus
não exortou os seus discípulos somente com o coração e a força, mas também com
a mente. E os discípulos não puderam se esquivar do uso de suas mentes, visto estarem
inseridos numa cultura de pessoas de mentes aguçadas.
Os princípios
O termo “princípio”, em linhas gerais, indica tanto o ponto
de partida como também o fundamento de um processo qualquer ou sistema, os
elementos essenciais de um sistema, das ideias ou os postulados principais.
Indica também as normas que governam a ação. Esses dois conceitos gerais
aparecem nas Escrituras. O Novo Testamento emprega dois vocábulos diferentes
para “princípios” com o sentido de fundamentos.
Quando se fala em “princípios” é necessário esclarecer o que
se quer dizer com essa palavra. O substantivo grego archē, que aparece 55
vezes, tem os seguintes significados: “começo, poder”; “princípio, a primeira causa,
governante, autoridade”; “princípio, origem”. O termo vem de αρχ (arch),
raiz de onde se origina a ideia de “líder, chefe”, como, por exemplo, “arcanjo”,
um líder dos anjos; “arcebispo”, um líder ou chefe dos bispos, de onde vem a palavra
ἄρχων (archon), “chefe,
governante”. Mas, esse termo significa “princípios elementares” como em Hebreus:
“Por isso, deixando os princípios elementares da doutrina de Cristo, avancemos
para o que é perfeito, não lançando de novo a base do arrependimento de obras
mortas e da fé em Deus” (Hebreus 6.1). Essa passagem define bem o que são princípios.
O termo central para “princípio elementar” é stoicheion,
que aparece de archē em Hebreus 5.12. O que essa palavra significa e
qual a sua etimologia? Ela só aparece sete vezes no Novo Testamento, quatro em
Paulo (Gálatas 4.3, 9; Co0ossensesl 2.8, 20), traduzida por “rudimentos”, uma
em Hebreus (Hebreus 5.12), como “princípios elementares”; duas em Pedro (2 Pedro
3.10, 12), traduzida por “elementos”. E, nenhuma vez na Septuaginta, exceto,
três vezes nos apócrifos.
Stoicheion é um termo de significado muito amplo,
derivado de stoichos, “uma fila” e significava originalmente “um de uma
fila ou série; por conseguinte, um componente ou elemento. O nome das letras do
alfabeto, como colocadas em fila”, o abecedário. Segundo os dicionários e léxicos
gregos, no plural, Vine afirma que significa “primariamente qualquer primeira coisa
da qual outras se originam em série ou num todo composto”; em outras palavras, indica
elemento; princípio constitutivo, ponto de partida, rudimentos; noções
preliminares de uma ciência, pontos principais de uma demonstração, astro,
planeta”, em filosofia é o “componente primeiro de um todo composto”.
O termo é criação de Empédocles, que desempenhou um papel
importante na cosmologia antiga, tanto em Platão como nos estoicos. Empédocles empregou
o termo para designar os quatro elementos da natureza: terra, água, ar e fogo,
nesse sentido está alinhado com os elementos que compõem a totalidade do mundo
conforme 2 Pedro: “os céus passarão com grande estrondo, e os elementos se
desfarão pelo fogo. Também a terra e as obras que nela existem desaparecerão...
os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos se derreterão pelo calor”
(2 Pedro 3.10, 12). Mas, isso não para por aí. A ideia de stoicheion como
“elementos espirituais”, um “espírito vivo”, veio de uma interpretação hilozoísta,
ou seja, doutrina segundo a qual a “matéria vive por si mesma, ou seja, possui
originariamente animação, movimento, sensibilidade ou qualquer grau de
consciência... São hilozoístas todos os físicos pré-socráticos (Tales, Anaximandro,
Anaxímenes, Parmênides, Heráclito, Empédocles), para os quais no princípio ou
nos princípios materiais que admitem há alma e sensibilidade”. Assim, os corpos
celestes, sol, lua, estrelas, planetas, seriam deuses que precisavam ser
adorados.
Os elementos, “no sincretismo helenístico, eram objeto de adoração”.
Parece que alguns gnósticos de Colossos consideram os elementos como espécie de
espíritos, que mereciam ser adorados. A noção de que as substâncias acima: terra,
água, ar e fogo seriam possuidores de vida, que se difundiam por toda a
natureza, como força vivificante, resultou na divinização dos elementos da
natureza.
Então, com um conceito tão vasto fica difícil identificar exatamente
o que Paulo queria dizer quando aplicou esse termo. Em Gálatas, se parece, às
vezes, com a ideia de ensinos elementares ou rudimentos como em “também nós, quando
éramos menores, estávamos escravizados aos rudimentos do mundo” (Gl 4.3), mas,
ao repetir o termo stoicheion logo em seguida, associou-o aos deuses (vv. 8,9).
Fica claro que ele está se referindo aos elementos judaicos ou à adoração
cósmica do sincretismo helênico. Em Colossenses, as stoicheia são uma
referência aos poderes demoníacos (Colossenses 2.8,20).
Tradição
É a transmissão de ensinos, práticas, crenças de uma cultura
de uma geração a outra para preservar a continuidade da cultura ou de uma
instituição. A palavra grega para tradição é paradosis, usada no sentido
negativo (Mateus 15.2; Gálatas 1.14) e, também, no sentido positivo (2 Tessalonicenses
2.15). Essa palavra ganhou um sentido pejorativo entre nós por causa da “tradição
dos anciãos” e, também, porque a Igreja Católica coloca a tradição acima da
Bíblia. Quando se coloca a tradição acima da Bíblia ou em pé de igualdade com
ela, assume-se uma conotação negativa. Muitas vezes, é usada simplesmente para
camuflar nossos pecados. O problema dos fariseus e da atual Igreja Católica é justamente
por receber a tradição como palavra de Deus. Disse Nikolai Berdiaev:
“Tradicionalismo é a fé morta dos que ainda vivem. Tradição é a fé viva dos que
já morreram”.
Quando afirmamos que temos as nossas tradições, não estamos
dizendo que os nossos usos e costumes tenham a mesma autoridade da Palavra de
Deus. São uma referência ao nosso passado, aos valores que recebemos de nossos
pais, da geração passada. Os bons costumes são herança que devem ser respeitados
por questão de identidade de uma instituição. As Assembleias de Deus no Brasil,
por exemplo, temos mais 100 anos, somos um povo que tem história, identidade definida,
e acima de tudo, nossos costumes são saudáveis.
Costume
A Pequena Enciclopédia Bíblica, Orlando Boyer, define
costume como “Uso, prática geralmente observada” (p. 169). As palavras gregas usadas
para “costume” são ethos (Lucas 2.42; Hebreus 10.25) e synetheia
(João 18.19; 1 Coríntios 8.7; 11.16). A primeira, de onde vem a palavra
“ética”, significa costume com sentido de “lei, uso” (Lucas 1.9). Não é biblicamente
correto usar doutrina e costume como se fossem a mesma coisa. O costume é
“prática habitual, modo de proceder. Jurisprudência baseada em uso; modo
vulgar; particularidade; moda; trajo característico, procedimento; modo de
viver”. Os costumes visto pela ótica cristã, são linhas recomendáveis de comportamento.
Estão ligados ao bom testemunho do crente perante o mundo. Estão colocados no contexto
temporal, não estão comprometidos diretamente com a salvação.
Os costumes em si são sociais, humanos, regionais e temporais,
porque ocorrem na esfera humana, sendo inúmeros deles gerados e influenciados pelas
etnias, etariedade, tradições, crendice, individualismo, humanismo, estrangeirismo
e ignorância. Podem ser modificados, ampliados, melhorados atualizados, valendo
os princípios, mas a doutrina é imutável e universal. Aparece em Apocalipse 5.9
que “toda tribo, língua, povo e nação” se apresentarão diante do trono de Deus,
isso revela as diferentes culturas e costumes.
Doutrina
A palavra “doutrina” vem do latim doctrina, que
significa “ensino” ou “instrução” e se refere às crenças de um grupo particular
de crentes ou mesmo de partidários. O Antigo Testamento usa a palavra leqach,
que vem do verbo laqach, “receber”. O sentido primário é “o recebido”.
Aparece com o sentido de “doutrina” ou “ensinamento” (Deuteronômio 32.2; Jó
11.4; Provérbios 4.2); “dom de persuadir” (Provérbios 7.21); “entendimento” (Provérbios
1.5; Isaías 29.4). Com o passar do tempo, a palavra veio significar o ensino de
Moisés que se encontra no Pentateuco.
As palavras gregas para “doutrina” no Novo Testamento são didachē
e didaskalia, que significam “ensino”. Essas palavras transmitem a ideia
tanto do ato de ensinar como a substância do ensino. A primeira aparece para indicar
os ensinos gerais de Jesus (Mateus 7.28; João 7.16, 17) e, também, para a “doutrina
dos apóstolos” (Atos 2.42). A segunda tem o mesmo sentido (Mateus 15.9; Marcos 7.7).
É nas epístolas pastorais que elas aparecem com o sentido mais rígido de crenças
ou corpo doutrinal da igreja — a teologia (Romanos 16.17; Tito 1.9).
Nos próprios dicionários seculares, encontramos esse mesmo
conceito sobre doutrina: “Conjunto dos dogmas ou princípios em que se funda uma
crença religiosa ou sistema filosófico ou político” (Caudas Aulete); “Conjunto coerente
de ideias fundamentais... conjunto das ideias básicas contidas num sistema filosófico,
político, religioso, econômico” (Houaiss); “conjunto de princípios em que se
baseia um sistema religioso, político ou filosófico” (Michaelis).
À luz da Bíblia, doutrina é o ensino bíblico normativo, terminante,
final, derivado das Sagradas Escrituras, como regra de fé e prática de vida
para a igreja e seus membros. É a expressão prática na vida do crente. Ela é
santa, divina, universal e imutável.
Princípios bíblicos não são tradição nem costume, mas podem ser
comparados à doutrina. Encontramos em Hebreus (5.11-6-3) os termos stoicheion e
archē significando linhas básicas ou princípios de doutrinas elementares. É o único
lugar no Novo Testamento em que essas palavras aparecem com esse sentido. O termo
stoicheion de Hebreus 5.12 na expressão, ta stoicheia tēs archés tōn logiōn, “os
elementos primários dos oráculos de Deus”, ou: “os rudimentos dos princípios
elementares dos oráculos de Deus” (TB); ou seja, as verdades elementares; e,
arché em Hebreus 6.1: ton tēs archés tou christou logon, “a doutrina dos
princípios elementares de Cristo” (TB/ARA/NAA); “os rudimentos da dou-trina de
Cristo” (ARC); “Ensinos elementares a respeito de Cristo” (NVI); “ensinamentos básicos
a respeito de Cristo” (NVT); ou seja: “a doutrina dos elementos primários de
Cristo”.
A crítica feita na primeira citação aos leitores originais,
ou seja, aos destinatários da carta, se baseava no tempo de fé em Jesus, eles
estavam ainda no abecedário da fé cristã. Por isso, o escritor sagrado
exorta-os ao equilíbrio espiritual logo adiante desses princípios bíblicos,
identificados pela expressão grega, ton tēs archés tou christou logon. Eles
precisavam passar dos fundamentos à maturidade bíblica, deixar os ensinos
básicos para avançarem nos ensinos mais avançados de Cristo. Em sua lista, o escritor
da carta menciona seis ensinos elementares da doutrina de Cristo: Arrependimento,
fé, imposição das mãos, batismo, ressurreição, juízo eterno (Hebreus 6.1, 2). Interessante
é que esses seis princípios eram os mesmos dos judeus, de modo que o batismo era
o cristão, mas o ritual de purificação do judaísmo.
Os princípios são necessários para dar à vida direção, sistema
e estabilidade. Uma pessoa sem princípios está sem guia moral, é uma pessoa sem
regras e sua conduta é um desastre social. Os princípios são as normas ou
regras de conduta pessoal. Princípios bíblicos são bases estabelecidas por Deus
para orientação da sociedade, eles estabelecem parâmetros, dentro dos quais o
ser humano é aceito e se relaciona com o Criador por meio de Jesus Cristo.
por Esequias Soares
Compartilhe este artigo. Obrigado.
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante