Há segurança em Cristo

Há segurança em Cristo


O plano da salvação, concretizado por Jesus na cruz, é fruto do amor de Deus pela humanidade

É possível existir diferentes pontos de vistas na teologia entre vários assuntos; no entanto, sobre a origem da salvação não resta dúvida entre teólogos ortodoxos que Deus é o autor da salvação, pois, apesar do pecado dos seres humanos, a salvação vem do céu e tem a sua origem em Deus.

Vários termos hebraicos e gregos são utilizados na Bíblia para se referir à salvação, desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento. No hebraico, a raiz mais importante para salvação é yasha, que significa “liberdade” ou “libertar daquilo que prende”. Existem vários substantivos derivados desta raiz, e todos trazem a ideia de “libertar” ou “resgatar”. “Essencialmente, a palavra quer dizer ‘tirar ou procurar tirar alguém de um fardo, opressão ou perigo’”.(1)

Salvação significa uma milagrosa transformação realizada na vida espiritual e no caráter de todo ser humano que, pela fé, recebe Jesus como seu único salvador pessoal. Não se trata unicamente de livramento da condenação ao inferno, mas de todo o processo redentor e transformador da parte de Deus para com o ser humano e toda a criação (João 1.12;3.5; 2 Coríntios 5.17; Romanos 13.11; Hebreus 7.25). Na sequência deste texto, trataremos sobre a segurança da salvação em Cristo. De forma introdutória, caminharemos por questões relacionadas aos decretos divinos, à natureza da salvação e, então, à segurança da salvação em Cristo.

Os decretos divinos

A salvação é a vontade de Deus, o qual decretou desde a eternidade que a salvação possui sua origem nEle mesmo e para aqueles que cressem: “Do Senhor vem a salvação” (Jonas 2.9). Nas palavras do apóstolo João, os salvos são “fi­lhos [...] os quais não nasceram do sangue, nem da vontade do verão, mas de Deus" (João 1.13). Entre tantos textos, podemos acrescentar as palavras do apóstolo Paulo: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem de quem corre, mas de Deus, que se compadece" (Romanos 9.16), pois “nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1.5 ARC). Ou seja, a salvação tem a sua origem em Deus, que decidiu nos salvar, pois de outra maneira ninguém poderia ser salvo.

Em relação a Deus, tal como ocorre com os seres humanos criados à Sua imagem e semelhança, a liberdade de decisão (o conhecido livre-arbítrio) é uma autodeterminação. Ou seja, a salvação está fundamentada em um ato livre autodeterminado proveniente de Deus. Tal decisão foi tomada em conformidade com a natureza boa e graciosa de Deus, mas a escolha é fruto de uma autodeterminação (Efésios 1.5; 1 Pedro 1.2). Nas palavras de Norman Geisler, “não houve nenhum tipo de compulsão externa ou interna sobre Deus. Seja no sentido de criar, seja no de salvar. Ele fez as duas coisas de maneira livre”.(2)

Ao falar sobre a salvação, Pedro se refere aos “eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pedro 1.2). Podemos fazer algumas observações: a Bíblia afirma que Deus é amor e que Deus é justo. Logo, por ser amor, Deus age de forma amorosa, mas Ele também é justo, fazendo-se necessário agir de modo justo (Gênesis 18.25; Romanos 2.11; 3.26). Deus escolheu criar seres morais, dotados de faculdades mentais, com capacidade reflexiva. Assim, é razoável pensarmos que o agir de Deus seja de forma consistente e não contraditória com a sua natureza imutável de amor e justiça, assim como de acordo com a liberdade que Ele escolheu dar aos seres humanos.

Deixando um pouco mais claro, defendemos que, diante das escolhas feitas por Deus para criar e salvar a Sua criação (criaturas morais), Ele realize tal feito de acordo com a liberdade que Ele mesmo concedeu a elas. Logo, não existe nenhuma condição para que Deus conceda a salvação, mas existe uma (e apenas ela) condição proposta para receber a graça da vida eterna, a saber: a fé (Atos 16.31; Romanos 4.5; Efésios 2.8,9). Assim, o recebimento da salvação é condicionado ao crer. Da perspectiva de quem crer, a salvação é condicional, pois é necessário o ato de crer; mas ela é incondicional do ponto de vista de Deus, que oferta a salvação por meio da Sua graça, a qual recebemos por fé. “Pela graça sois salvos, por meio da fé” (Efésios 2.8).

A graça é a natureza dessa salvação. Somente por meio da graça o dom da vida eterna com Deus chega até os seres humanos. Paulo esclarece aos Romanos que é somente pela graça (pelo favor imerecido) que obtemos a salvação: “Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira a graça já não é graça” (Romanos 11.6). Em questões especifi­camente de soteriologia, a graça e as obras são excludentes, pois “aquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas aquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça” (Romanos 4.4,5).

Portanto, a graça é um favor imerecido, é o “dom gratuito de Deus” (Romanos 6.23). A graça é dar aquilo que não se merece, é Deus nos dar a salvação sem mérito de nossa parte; ao passo que a misericórdia é não dar aquilo que se merece – no caso, a condenação. Assim, os atos da graça e da misericórdia representam claramente o amor incondicional de Deus por nós.

A natureza da salvação

Existem diversas teorias sobre a expiação. A compreensão que acompanha o pentecostalismo clássico – e esboçada na Declaração de Fé das Assembleias de Deus – é a expiação substitutiva, ou seja, a substituição penal. Entre diversos autores que poderíamos citar, uma sugestão de uma pesquisa mais ampla é o livro de David Allen sobre a expiação(3) e o capítulo oito da Teologia Sistemática de Norman Geisler,(4) que faz um resumo interessantíssimo sobre o assunto.

Na teologia moderna, a palavra expiação veio substituir a palavra satisfação, que era usada anteriormente. Quando falamos sobre expiação, referimo-nos à satisfação das exigências com relação ao pecado. Assim, expiação remete à natureza da obra de Cristo na cruz, à natureza dessa obra como oferta pelo pecado, que é propiciatória, expiatória, e a base para o perdão e para a reconciliação das pessoas diante de Deus. O tratamento da culpa pelo pecado é realizado por meio da expiação. Ela é a provisão completa e definitiva para o problema do pecado, porque, por meio da expiação, as exigências da lei divina são cumpridas. A lei exige o castigo pelo pecado e a morte de Cristo se constitui em sacrifício substitutivo em favor da humanidade pecaminosa, satisfazendo completamente as exigências da lei.(5)

 Sobre a natureza da expiação, a Declaração de Fé das Assembleias de Deus esclarece que:

“Não se trata somente da morte de um justo, mas também de um sacrifício como oblação pelos nossos pecados, que Deus propôs e recebeu como propiciação pelas nossas ofensas. [...] Morte vicária significa morte substitutiva. Todo o sistema sacrificial do Antigo Testamento fundamenta-se na ideia de substituição, e essa transferência da culpa do pecador para a vítima é simbolizada pela imposição de mãos sobre a cabeça do animal: ‘E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito por ele, para sua expiação’ (Levíticos 1.4). [...] Cremos que Deus aceitou a morte do Seu Filho Jesus Cristo como expiação pelos nossos pecados: ‘mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus’ (Hebreus 10.12); ‘levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados’ (1 Pedro 2.24). [...] Deus propôs Cristo Jesus para propiciação por meio da fé no seu sangue. Jesus é a propiciação pelos pecados do mundo inteiro. A ira divina é a reação da santidade de Deus ante a pecaminosidade humana. A expiação é o meio para aplacar essa ira. A propiciação é resultado do amor de Deus. Esse amor foi a causa do envio do Filho para propiciação: ’Nisto está o amor: não que em nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados’ (1 João 4.10)".(6)

 Pode-se fazer o resumo da natureza da expiação a partir da revelação das Escrituras, a­rmando que os pecados de todas as pessoas foram substituídos pela morte de Cristo. Cristo morreu no lugar de nós, pecadores, levando sobre si os nossos pecados. A substituição realizada por Cristo possui um caráter sacrificial, constituindo em uma satisfação para todo o pecado, de forma que o castigo exigido em decorrência da transgressão à lei de Deus foi cumprido de forma adequada no sacrifício de Cristo, produzindo uma reconciliação objetiva, na qual as barreiras entre Deus e o ser humano foram retiradas, pois o preço da redenção foi pago.

 Ao se a­rmar a substituição efetivada por Jesus Cristo, que a natureza de sua expiação possui abrangência sobre toda a criação, tal como o pecado originado da Queda afetou a todos, não está se a­rmando que todos receberam a salvação de forma objetiva, pois há a necessidade de crer nesse sacrifício, daí ser dito sobre a salvação: “...para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).

“De maneira nenhuma os lançarei fora”

Vimos, introdutoriamente, sobre a natureza da salvação. Mas, o crente pentecostal acredita que há segurança na salvação? Ou a fé é “um galho fraco” que pode quebrar e do qual podemos cair a qualquer momento? A base da doutrina sobre a segurança da salvação repousa em uma interpretação específica de textos bíblicos, tais como João 10.27-29, onde Jesus a­rma: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; e dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las das mãos de meu Pai”.

A armação de que Jesus assegura que Suas ovelhas jamais perecerão é central nesse contexto. Há aqui uma armação de que a salvação em Jesus é uma realidade segura e inabalável. No entanto, estes versículos devem ser lidos dentro do contexto imediato da pergunta dos judeus no versículo 24: “Se tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente”. Jesus, então, dá uma resposta em quatro partes: 1) Os judeus não haviam crido, mesmo que já houvesse sido dito em palavras, além das próprias obras que testificavam (v. 25); 2) os que não creram não eram ovelhas de Jesus; 3) em contraposição aos que não creram, os que creem Ele chama de "minhas ovelhas" (v.27); 4) as ovelhas – que ouvem a Sua voz, que Ele as conhece, que O seguem e que Ele lhes dá a vida eterna – “nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará das minhas mãos” (v. 28).

Alguns assumiram que isto significa que uma pessoa está eternamente segura, independente do que faz a respeito do seu relacionamento com Deus. Mas a garantia de segurança – que é uma promessa magnífica e adequada – é que nada exterior ao homem pode destruí-lo, enquanto ele estiver depositando a sua fé em Deus. Westcott diz: ‘Se o homem peca, em qualquer estágio da sua vida espiritual, não é devido à vontade da graça divina, nem ao poder opressor dos adversários, mas pela sua negligência em usar o que pode usar ou não. Não podemos ser protegidos contra nós mesmos, apesar de nós mesmos’”.(7)

O fato é que a teologia pentecostal ressalta a importância da experiência do novo nascimento como um marco crucial para a segurança da salvação. A conversão genuína, entendida como uma transformação radical do indivíduo, é vista como o ponto de partida para a vida cristã. Essa experiência, na perspectiva pentecostal, não apenas inicia a jornada da fé, mas estabelece a segurança duradoura da salvação em Jesus.

Neste caso, qual o papel do Espírito Santo nesse processo? A ação do Espírito Santo é algo preponderante na teologia pentecostal em relação à segurança da salvação. A presença contínua do Espírito na vida do crente é vista como uma garantia divina, selando a salvação e capacitando o cristão a viver de acordo com os princípios bíblicos. Os dons espirituais e o fruto do Espírito são considerados como evidências tangíveis dessa habitação contínua do Espírito.

Embora a segurança da salvação seja afirmada, a teologia pentecostal destaca a importância da santi­ficação contínua. A vida cristã é vista como um processo dinâmico de conformidade com a imagem de Cristo. A busca pela santidade não é meramente uma resposta inicial à salvação, mas um compromisso contínuo que reflete a natureza progressiva da obra redentora de Jesus, pois “somos salvos na esperança” (Romanos 8.24).

A doutrina da segurança da salvação (em nosso caso, na perspectiva pentecostal) não está isenta de desafi­os teológicos, notadamente ao abordar passagens bíblicas que sugerem a possibilidade de apostasia. O desafi­o reside na reconciliação desses textos, o que requer uma interpretação cuidadosa e uma abordagem equilibrada para preservar a integridade da doutrina. Um exemplo claro (entre tantos possíveis!) é o propósito da Epístola aos Hebreus: encorajar os cristãos a não abandonarem a fé em Cristo, mas perseverar nela. Advertências contra a apostasia permeiam a epístola (Hebreus 2.1-4, 3.7-4.13, 5.11-6.12, 10.19-39; 12.1-29).

A segurança em Cristo significa que a salvação é assegurada enquanto a pessoa permanecer em Cristo, ou seja, enquanto ela confi­ar e crer, mantendo assim uma união de fé com Cristo. A garantia da salvação deve estar enraizada em Cristo, em Suas promessas, conforme nos é ensinado na Sua Palavra, e na nossa relação de fé com Ele.

Acreditamos que estamos salvos? Sim! Acreditamos que seremos salvos? Sim! Agora, somos (estamos e seremos) salvos se permanecermos em Cristo! “Ser fi­el até a morte” é uma condicional (Apocalipse 2.10). É, inclusive, condição para ter a petição respondida: “Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (João 15.7).

Assim, a abordagem pentecostal clássica à segurança da salvação é ancorada em uma interpretação das Escrituras que reconhece a possibilidade da apostasia. Textos como Hebreus 6.4-6 e 2 Pedro 2.20-22 são considerados elementos importantes para uma compreensão equilibrada da salvação. O reconhecimento dessas passagens desafi­a a interpretação simplista, forçando uma análise cuidadosa da relação entre a salvação e a possibilidade de desvio da fé. A­nal de contas, a apostasia no texto bíblico não é uma hipótese, mas uma realidade. Dentro desta perspectiva, o Espírito Santo é compreendido como agente essencial para a segurança da salvação, mas a possibilidade de rejeição deliberada é reconhecida. Assim, o Espírito Santo não força a permanência, mas capacita o crente a escolher permanecer ­el. A resistência consciente à obra do Espírito é vista como um perigo real que deve ser enfrentado com temor e tremor.8

Conclusão

A condição da salvação vinculada à fé e sua dependência parcial à incredulidade (João 3.16,17,18,36) sugerem que a persistência na fé é indispensável para a concretização definitiva da salvação. Em termos simples, os crentes serão salvos, enquanto os incrédulos perecerão. Se alguém transita do estado de incredulidade para a fé em Cristo, então será salvo; no entanto, se alguém passar da fé em Cristo para a incredulidade, estará fadado à perdição.

Em conclusão, a teologia pentecostal oferece uma perspectiva rica e robusta sobre a segurança da salvação em Jesus. Fundamentada em interpretações específicas das Escrituras, na experiência do novo nascimento, na obra contínua do Espírito Santo e na busca pela santifi­cação, essa abordagem busca equilibrar a graça divina e a responsabilidade humana. A busca contínua pela conformidade com a imagem de Cristo é vista como uma resposta apropriada à salvação recebida pela fé no sacrifício de Cristo na Cruz.

Referências

(1) VINE, W.E.; UNGER, Merril F.; WHITE Jr., William. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p. 275.

(2) GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 158.

(3) ALLEN, David. A expiação: um estudo bíblico-teológico e histórico da cruz de Cristo. Natal: Editora Carisma, 2020.

(4) GEISLER, 2010, pp. 178-193 | 5 ALLEN, 2020, p. 232.

(6) DECLARAÇÃO DE FÉ, CPAD, 2017, pp. 61 e 62.

(7) EARLE, Ralph & MAYFIELD, Joseph H. Comentário Bíblico Beacon, Vol. 7. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 100.

(8) LEANDRO, Eduardo. Introdução à Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2023. Na parte 2, nas páginas 137-141, é abordado sobre a questão da apostasia.

Referências bibliográficas

ALLEN, David. A expiação: um estudo bíblico-teológico e histórico da cruz de Cristo. Natal: Editora Carisma, 2020.

EARLE, Ralph & MAYFIELD, Joseph H. Comentário Bíblico Beacon, Vol. 7. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

GEISLER, Norman. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

LEANDRO, Eduardo. Introdução à Teologia Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.

SILVA, Esequias Soares. Declaração de Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

VINE, W.E.; UNGER, Merril F.; WHITE Jr., William. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

por Eduardo Leandro Alves

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