Andar no Espírito: o fruto do Espírito

Andar no Espírito: o fruto do Espírito


A materialização do fruto do Espírito na vida cristã não deve se restringir ao espaço comunitário da fé, muito menos ficar reduzido a um discurso, ideia ou teoria

Na epístola canônica escrita às igrejas da Galácia, Paulo, no capítulo 5, de forma dialética, apresenta o conflito e, porque não dizer, a guerra travada entre a velha natureza pecaminosa humana e a nova vida espiritual em Cristo (v. 17). Ele faz menção daquela quando trata das obras da carne (vv. 19-21); por sua vez, faz menção desta quando apresenta o fruto do Espírito (v. 22). Esse confronto fica muito claro quando atentamos para a perícope estabelecida nos vv. 16-26, com o reforço do termo adversativo “mas” no v. 22. O fruto do Espírito pode ser definido como o caráter de Cristo produzido no crente pela instrumentalidade do Espírito, para que o seu viver manifeste o Reino de Deus neste mundo. Em outros termos, é a existência no crente de um caráter semelhante ao de Cristo, produzido pelo Espírito e testemunhado no seu viver cotidiano (1 João 2.6).

Devemos primar pela sobriedade e vigilância (1 Pedro 5.8), haja vista que somente quando nos rendemos sem reservas ao Espírito conseguimos, mediante o Seu poder, produzir o Seu fruto, resistindo e neutralizando os desejos, a cobiça e as inclinações da natureza pecaminosa (Romanos 8.13). Quando Paulo afirma que “a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis”, está se referindo a uma guerra constante, cotidiana, rotineira. Isso nos leva a entender que, embora não haja a extinção da “carne” na vida do crente, ela pode ser mortificada, tornando-a inoperante, inativa, sem ação, sem capacidade de agir, crucificada juntamente com as suas paixões, desde que o crente se submeta em tudo ao controle do Espírito (Romanos 8.6-10).  

O termo fruto no singular indica a unidade e a harmonia do caráter de Cristo, refletidas no caráter do crente mediante os nove aspectos do fruto do Espírito, descrito em Gálatas 5.22. Sendo assim, a despeito da singularidade de cada um, todos são necessários para a sua completude, sob pena de uma manifestação anômala e desequilibrada do caráter cristão, comprometendo o seu propósito. Nesse sentido, é oportuno sinalizar que a materialização do fruto do Espírito na vida cristã não deve se restringir ao espaço comunitário da fé, muito menos ficar reduzido a um discurso, ideia ou teoria (Tiago 1.22). Talvez a única Bíblia que muitas pessoas terão a oportunidade de “ler” seja a nossa vida, isto é, o nosso caráter transformado, nas atitudes, conduta e comportamento, revelando Cristo a este mundo perdido e pecador.

Quando nós vivenciamos o evangelho pelo fruto do Espírito, as pessoas podem perceber o amor que Jesus tem por elas, e como Ele deseja amá-las, ou seja, não permanecendo na condição em que se encontram afastadas de Deus pelos seus pecados, mas, sim, resgatadas e redimidas pelo Seu amor (Mateus 20.28). Para tanto, assim como Cristo, nossos ouvidos ouvem seus clamores, nossos olhos veem suas necessidades, nossos pés nos levam a ajudá-las e nossas mãos se estendem para cuidar delas. Dessa forma, Cristo poderá alcançá-las – muito além das nossas ações pautadas pela alteridade –, oferecendo o que somente Ele pode oferecer para a verdadeira felicidade humana, que é o perdão e a remissão de pecados, assegurando a inclusão de todos os remidos na família de Deus nos céus e na terra (Efésios 3.14-19). Em suma, fomos chamados para servir a Deus, mas também ao próximo.

Os princípios bíblicos da frutificação espiritual estão baseados nas leis agrárias estabelecidas por Deus, das quais podemos extrair valiosas lições espirituais. Uma delas determina que cada planta e árvore produz frutos segundo a sua espécie (Lucas 6.44). Outra aponta para o processo que demanda tempo e cuidado até a frutificação (Lucas 13.6-9). Outra ainda destaca a importância da poda como recurso para o fortalecimento e o incremento da frutificação (João 15.2). Também é de grande relevância observar que não basta a semente ser boa, é preciso também que a terra seja boa para uma grande colheita (Mateus 13.3-8).

Continuemos, então, refletindo, ainda que de modo sucinto, sobre alguns pontos doutrinários e devocionais acerca da temática do fruto do Espírito, mas agora objetivamente a partir dos seus nove aspectos ou dimensões, conforme descrito em Gálatas 5.22 (ARA): “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”.

Amor

Somente aprendemos a amar como Cristo amou à medida que o Espírito desenvolve a semelhança de Cristo em nós (João 15.12). Mas, para isso, precisamos primeiro amar a Deus sobre todas as coisas, pois, somente depois disso, estaremos aptos a amar o próximo como a nós mesmos (Mateus 22.37-39). Mas o crente não deve prescindir de amar a si mesmo e, para tanto, é preciso crer que os pecados e erros do passado já foram lançados no mar do esquecimento (Malaquias 7.19), perdoados pela obra expiatória de Cristo na cruz do Calvário (Colossenses 2.13-15); como também nunca esquecer que temos um advogado no céu (1 João 2.1), bem como um sumo sacerdote, que se compadece de nossas fraquezas (Hebreus 2.18; 4.15; 7.25).

O amor, como fruto do Espírito, é descrito de forma sublime em 1 Coríntios 13.4-7: “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

Alegria

O termo original traduzido como “alegria” ou “gozo” reporta a uma alegria baseada em uma relação com Deus, e não nas coisas terrenas. Ela é o resultado da nossa fé em Deus (Romanos 15.13), sendo alimentada pela certeza de salvação (Salmos 13.5). A presença do Senhor traz alegria (Salmos 16.11), que deve ser renovada pela leitura, meditação e, principalmente, pela obediência à Palavra de Deus (Jeremias 16.16). Como fruto do Espírito, não é pautada pelas circunstâncias, mas, sim, por um estado de satisfação e grande contentamento, como característica da natureza cristã.

Nesse aspecto, ninguém melhor do que Paulo como exemplo em sua primeira prisão em Roma por aproximadamente dois anos, quando escreveu as chamadas epístolas prisionais. Em uma delas, aos Filipenses, em um pequeno volume de texto, o apóstolo por diversas vezes faz menção da alegria que reinava no seu coração (Fiplipenses1.4,18; 2.2,17). E mais do que isso, consolava e estimulava os destinatários (Filipenses 2.18; 3.1; 4.4) a sentirem a mesma alegria! Essa postura de Paulo demonstra que a sua alegria não estava relacionada às suas circunstâncias ou ao bem-estar físico. Na verdade, a alegria do apóstolo estava na sua posição em Cristo. Ele reiteradamente enfatiza que sua alegria estava “no Senhor”.

Paz

A paz, como fruto do Espírito, assim como a alegria, não é algo circunstancial, como também não é sinônimo de ausência de conflito ou perturbação. Posto que se desenvolve em nosso interior, quando temos o Espírito Santo habitando em nós. Portanto, não depende do que esteja ocorrendo à nossa volta. Ela tem o Espírito como fonte inesgotável - reafirmamos, porém, que é assim desde que entreguemos plenamente todo o nosso ser ao Seu controle. Este senso de bem-estar decorre da consciência de que temos uma relação correta com Deus. Sendo esta relação firmada nos princípios bíblicos de unidade e harmonia, é maravilhoso e reconfortante usufruir desta paz, enquanto fruto do Espírito, pela convicção de que o Reino de Deus está dentro de nós (Romanos 14.17). Deus, sendo o autor da paz, somente Nele podemos encontrá-la (2 Coríntios 13.11; Colosseses 3.15). A sua base está na justificação posicional em Cristo (Romanos 5.1), que nos reconcilia com Deus, como também nos torna pacificadores, com o ministério da reconciliação (2 Coríntios 5.18-20). Esta é a paz interior que nos é dada por Jesus pelo Espírito Santo (João 14.26,27; Filipenses 4.7). Ela nos dá direção e rumo, dando-nos a certeza de que estamos tomando as decisões certas. O seu alcance e a sua eficácia atingem não somente o nosso interior, mas também o exterior, o nosso semelhante (Romanos 12.18; 1Pe 3.11).

Longanimidade

Diferente dos três primeiros aspectos do fruto do Espírito, voltados primariamente para a nossa comunhão com Deus, a longanimidade é a primeira de um bloco de três qualidades do fruto como manifestações exteriores do amor, da alegria e da paz em nossas relações com as pessoas à nossa volta. O termo no original combina as ideias de longanimidade, submissão, tenacidade, constância de ânimo e equilíbrio emocional, nas dimensões divinas. Assim dizendo, é o mesmo que ensinar ao portador a esperar no Senhor, sem perder a esperança, sem ser dominado pela raiva diante da prova (2 Pedro 1.5-8). Nessa escola, o sofrimento é uma disciplina indispensável na grade curricular (Hebreus 12.7-11; Salmos 119.71).

Uma das advertências mais graves que Jesus fez no seu ministério terreno envolve as consequências da falta de longanimidade (Mateus 18-21-35). A paciência como fruto do Espírito é a base do perdão (Êxodo 34.6,7; 1Pe 3.20). Portanto, é essencial nos mais variados papéis sociais que exercemos "para com todos" (1 Tessalonicenses 5.14).

Benignidade

A benignidade, assim como a bondade, são duas características do fruto que se originam do amor. O termo original significa disposição afável em termos de caráter e atitudes, abrangendo ternura, compaixão e brandura. Quando não temos o Espírito de Cristo em nosso interior, a inclinação da nossa carne é para o que é mau e ruim. Mas, conforme já visto, o Espírito produz em nós a benignidade, ajudando-nos a ministrar ao mundo com o amor de Jesus (Efésios 4.31,32). Quando este fruto espiritual é desenvolvido em nós, passamos a ver as pessoas como Deus as vê, e as alcançamos com o amor de Deus manifestado em nós, para que a transformação da sua natureza e caráter aconteça, mediante a obra da cruz. A benignidade nos faz voltar ao lugar onde fomos humilhados e desprezados, para levarmos as boas novas da salvação, como fez a mulher samaritana (João 4.28,29).  

Bondade

De certa maneira, a bondade, como fruto do Espírito, é a prática ou a expressão da benignidade, mostrando o quanto essas duas qualidades estão relacionadas, a ponto de ser difícil distingui-las. Literalmente, na língua original, o termo significa fazer aquilo que é bom. Podemos com isso afirmar que assim como a benignidade é amor compassivo (misericordioso), a bondade é amor ministrante (Romanos 15.14; 2 Tessalonicenses 1.11). Por conseguinte, bondade fala de serviço ou ministério uns aos outros, um espírito de generosidade posto em ação, sintetizado na palavra "amor". Um dos traços mais emblemáticos da bondade é a generosidade, isto é, liberalidade (2 Coríntios 8.2,3). É o melhor antídoto para um coração avarento e mesquinho (Mateus 6.19-21).

Fidelidade

No terceiro e último bloco de aspectos do fruto do Espírito, o alvo primário não é mais a direção vertical (da nossa comunhão com Deus), nem a direção horizontal (do nosso relacionamento com o próximo). O objeto primário agora é a nossa vida cristã interna, ou seja, o crente consigo mesmo, o fruto do Espírito em relação ao seu portador. A fidelidade é o primeiro deles. Dentre diferentes aspectos de fé, um deles é a fidelidade como fruto do Espírito. Embora algumas versões traduzam fé como fruto do Espírito, fidelidade é a tradução mais precisa. Para ser mais claro, fidelidade é o atributo de quem tem fé. Diferente do dom da fé (1Co 12.9), que é concedido pelo Espírito, a fé como fruto cresce dentro de nós, não vem pronta e acabada, ou melhor, precisa ser cultivada (2 Coríntios 10.15; 2 Tessalonicenses 1.3). A nova vida em Cristo deve ser de fidelidade e sinceridade, baseada em amor (Gálatas 5.6), na direção oposta da velha natureza desobediente, decaída pelo pecado. A fidelidade como fruto é aquilo que nós somos quando ninguém está nos vendo, ou seja, o crente sendo leal, quer esteja sendo observado, quer não (Salmos 15.4). É um atributo indispensável no exercício da mordomia cristã (1Coríntios 4.2). O cristão fiel honra a sua palavra, é resiliente na sua conduta e desenvolve hábitos que agradam a Deus.

Mansidão

O crente controlado pelo Espírito caminha dia a dia na direção da mansidão como fruto, pela submissão que tem pelo seu Senhor, protótipo perfeito deste atributo (Mateus 11.29). Uma característica distintiva da mansidão é o crente ser suscetível à aprendizagem, não se deixando levar pelo orgulho e altivez (Tiago 1.21), como se não tivesse mais coisa alguma para aprender. Mansidão está ao alcance somente de um coração humilde (Efésios 4.2), habitado, controlado e dirigido pelo Espírito Santo, e não pelo espírito humano. A segurança para uma jornada abençoada diante de Deus e dos homens depende da postura de um coração manso (Salmos 25.9). Cabe ressaltar, todavia, não obstante a mansidão ser o oposto de rispidez, que isso não implica a ideia de fraqueza ou inferioridade. Não há ideia de covardia na mansidão, mas de coragem, fortaleza e resolução (2 Timóteo 1.7). Em outras palavras, mansidão e firmeza caminham de mãos dadas. Duas das maiores promessas da Bíblia estão diretamente vinculadas aos mansos de coração (Salmos 37.11; Mateus 5.5).

Domínio próprio

Também traduzido como temperança, domínio próprio é sinônimo de autodisciplina e autocontrole, não controle exatamente do crente, mas da operação do Espírito na sua vida; e como já mencionado para outros aspectos do fruto do Espírito, depende de uma completa rendição à orientação do Espírito em tudo que pensamos, queremos e fazemos. Na forma verbal, o termo original é utilizado por Paulo em outra epístola para descrever o treinamento sob rígida disciplina de atletas de sua época em prol de conquistar o prêmio almejado (1 Coríntios 9.25-27). Paulo está aludindo a manter o corpo em sujeição, controlando os desejos, tendências, impulsos, hábitos, práticas e costumes que não agradam a Deus. Mas também não quer dizer que o controle demasiado e repressivo, a partir de um ascetismo religioso-filosófico (1 Timóteo 4.3,4), seja o mesmo que o padrão de temperança exposto no Novo Testamento. Com isso, queremos afirmar que o domínio próprio como fruto do Espírito, implica em equilíbrio espiritual, físico, mental e emocional. Em outras palavras, uma vida equilibrada, de compostura, comedimento e moderação. Outra sinalização importantíssima que a Bíblia faz é que a temperança começa com a língua (Tiago 3.2). Por conseguinte, se o Espírito não governar a nossa língua, envolvendo a mente, o pensamento e o sentimento, o esforço será em vão.

Por fim, se o plano de Deus fosse somente nos salvar, o esperado seria irmos para a glória como ato contínuo à nossa conversão. Mas, como regra geral, não é isso o que acontece. Aos salvos em Cristo Jesus, recai uma grande missão e privilégio: sermos luz do mundo e sal da terra (Mateus 5.13-16). E como acender a candeia para que as nossas boas obras possam resplandecer diante dos homens para a glória de Deus? A resposta está no fruto do Espírito, como expressão da nossa comunhão com Deus, no nosso relacionamento com o próximo e na nossa vida cristã interna.

por Gil Monteiro

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