Se há uma passagem bíblica que me deixa perplexo, é 1 Reis 13.1-32. Ela me impressiona pela sua dramaticidade. O texto fala de um homem de Deus e um profeta velho. Quando lemos esse texto, de imediato a nossa atenção se firma no homem de Deus, para quem o sobrenatural parecia algo extremamente natural. Ele simplesmente falava e as coisas aconteciam: o altar vai rachar e o altar de fato se fende; Deus vai levantar um rei que queimará os ossos dos sacerdotes sobre esse altar e não temos dúvida de que isso acontecerá. De fato, cerca de 200 anos depois, a profecia se cumpriria! Impressionante! O profeta anônimo que veio de Judá realmente é uma figura que inspira. Mas estou convencido que podemos aprender muito mais fazendo um contraste entre o homem de Deus e o profeta velho.
Para mim, esse profeta velho serve de metáfora para muitas
coisas, principalmente para nós pastores e ministros da Palavra. A principal
lição é que o ministério pode perder o seu encanto. Podemos ter tido um começo
extraordinário, mas terminar encostados. Não tenho dúvida alguma que muitos
companheiros da causa do Mestre continuam no ministério simplesmente porque não
têm mais aonde ir. Já passou o tempo de estudar, ingressar numa carreira
pública ou exercer alguma profissão. Muitos se tornaram prisioneiros do
ministério. Não estou me referindo às pressões do ministério que testam nossas
vocações e nos fazem muitas vezes pensar em parar. Não, não é isso. Assim como os
profetas bíblicos, acredito que todo pastor vocacionado já teve sua vocação
testada e, em muitos casos, a vontade de parar ou fazer outra coisa passou pela
mente.
Essa história vai muito além disso. Ela revela que podemos
estar no ministério simplesmente por mera conveniência. Quando isso acontece,
as consequências são extremamente danosas – a igreja passa a ser vista apenas
como fonte de renda. Passa a ser uma ovelha que serve só para nos fornecer o
leite, a lã e a carne. Essa, sem dúvida, é uma clara prova que o valente está em
rota de queda. Seu ministério está em declínio e sua vocação, em queda livre.
Essa é a lição que o profeta velho nos ensina. Deus trouxe o homem de Deus, que
morava em Judá, situado no Reino do Sul, para profetizar em Betel, localizado
no Reino do Norte. Por quê? Porque o profeta velho que ali residia não servia
mais como vaso profético!
O “cansaço” ministerial pode ser percebido em números. Veja
o que detectou um instituto de pesquisa após entrevistar dezenas de pastores:
80% creem que o exercício do ministério tem empobrecido sua vida familiar; 33%
creem que a igreja é responsável pelos desastres familiares em suas famílias; 50%
sentem-se incapazes para o exercício ministerial; 70% têm uma autoestima mais
baixa hoje do que quando começaram o ministério; 37% estiveram ou estão envolvidos
em uma aventura sexual ilícita com membros de sua igreja; 70% disseram que não
têm um só amigo; e 40% pensam seriamente em desistir do ministério. Isso é extremamente
grave! Longe de ser algo a ser aspirado (1Tm 3.1), o ministério pastoral passou
a se tornar um fardo. Na história do profeta velho, há algumas lições que nos ajudam
a entender esse fenômeno.
Em primeiro lugar, vemos que o homem de Deus entrou em
Betel, mas Betel havia entrado no profeta velho – “Eis que um homem de Deus
veio de Judá com a palavra do Senhor a Betel (...) E morava em Betel um profeta
velho” (vv. 1, 11). O rei Jeroboão havia construído dois altares no Reino do Norte,
um em Dã e outro em Betel. A razão era impedir os nortistas de irem a
Jerusalém, no Reino do Sul, para fazer seus sacrifícios no Templo de Salomão.
Foi quando ele oferecia sacrifícios nesse altar de Betel que foi confrontado
pelo homem de Deus. Nessa ocasião, Betel havia se tornado um local de adoração
idólatra e cultura pagã. Era ali onde morava o profeta velho. Sem dúvida, esse
profeta velho já havia visto o rei Jeroboão fazer sacrifícios outras vezes
nesse altar, mas não fizera nada. Por que não? A resposta é que Betel, um
centro de cultura pagã do Reino do Norte, já havia penetrado com força em suas
convicções. Ele convivia pacificamente com a idolatria institucionalizada sem
levantar sua voz contra ela.
Se não tomar os devidos cuidados, é muito fácil o obreiro se
amoldar à cultura à sua volta. O meio pode exercer um poder tremendo sobre o
pastor de tal forma que ele passa a se conformar com ele. O apóstolo Pedro
admoestou os crentes: “Como filhos da obediência, não vos conformando com as
concupiscências que antes havia na vossa ignorância” (1 Pedro 1.14). A palavra
grega syschematizo, traduzida como conformando, pode ser traduzida como amoldar
(ARA). Tem, portanto, o sentido de conformar-se com o estilo ou aparência
externos, acomodando-se a um modelo ou padrão, descrevendo dessa forma aqueles
que se conformam com os desejos mundanos. O conformismo, mesmo
quando superficial ou aparente,
pode se tornar fatal ao cristão. Vemos isso acontecer, por exemplo, quando pastores
deixam suas igrejas ou ministérios para militar na política partidária ou
assumir algum cargo público comissionado. Alguns até mesmo se tornam fundadores
de partidos políticos. Há alguma coisa errada em ser político? Não vejo nada de
errado com o exercício da vida pública, mas quando é exercida por pessoas que
possuem aptidão e vocação para isso.
Em segundo lugar, o homem de Deus possuía a unção, mas o
profeta velho apenas titulação – “Também sou profeta como tu” (v.18). Era uma meia verdade. Ele era profeta, mas não
como o homem de Deus de Judá. Ele possuía apenas o título de profeta, nada
mais. Somente titulação não era suficiente para confrontar um rei pagão como
Jeroboão. Era preciso unção e o profeta velho não a possuía mais. Às vezes,
olho ao meu redor e vejo muitos crentes apenas com titulação. Possuem títulos e
mais títulos, mas não possuem a unção que respalda a função que exercem. Já
disse em outro texto que não é o ofício que determina a unção, mas a unção que
determina o ofício. O que adianta possuir o título de apóstolo se as qualidades
requeridas de um apóstolo não estão presentes? O que adianta possuir o nome de
“pastor”, se as habilidades pastorais há muito deixaram de existir?
Em terceiro lugar, o homem de Deus era um homem de
confronto, mas o profeta velho era apenas de conforto! – “E clamou contra o
altar com a palavra do Senhor... E o rei disse ao homem de Deus: vem comigo à
casa, e conforta-te; e dar-te-ei um presente... Então lhe disse (profeta
velho): vem comigo à casa e come pão” (vv.2, 7 e 15). Quando o rei Jeroboão viu
o homem de Deus clamando contra o altar idólatra de Betel, procurou calar a voz
do homem de Deus oferecendo-lhe vantagens. Ele tentou ofertar-lhe um presente.
Como profeta de Deus, o profeta anônimo rejeitou a proposta (v.8). Imagino que
o profeta velho noutro tempo recebeu ofertas parecidas de Jeroboão e, diferentemente
do homem de Deus, aceitou as ofertas. Agora queria agir de forma semelhante com
o homem de Deus, oferecendo-lhe um banquete (v.15). O profeta velho havia se
acomodado em Betel e a vinda do homem de Deus parece ter provocado um grande
desconforto. O crente perde sua voz profética quando procura se ajustar àquilo
que é confortável em vez de buscar a vontade de Deus. A melhor situação é a que
nos põe no centro da vontade de Deus.
Em quarto lugar, o homem de Deus falava em nome do
Senhor, mas o profeta velho, em seu próprio nome – “Este é o sinal de que o
Senhor falou: Eis que o altar se fenderá, a cinza, que nele está, se derramará”
(v.23) ...“Um anjo me falou pela palavra do Senhor” (v.18). O homem de Deus se valia
da autoridade espiritual que o Senhor lhe conferia para persuadir os betelenses.
Não vemos isso no profeta velho. Ao contrário do homem de Deus, ele se vale da
mentira e para induzir ao erro o homem de Deus. Ele disse que um anjo lhe
falara, mas o cronista bíblico observa que isso não era verdade. É possível que ele, em passado distante,
tivesse, de fato, visto um anjo, mas agora isso não estava mais acontecendo.
Ele dependia de suas próprias habilidades para persuadir. Estamos falando em
nome de quem? Do Senhor ou do nosso próprio?
Em quinto lugar, o homem de Deus via Deus fazer, mas o
profeta velho viu apenas o que Deus fizera – “O altar se fendeu, e a cinza
se derramou do altar; segundo o sinal que o homem de Deus apontara pela palavra
do Senhor” (v. 5). “E contou-lhe tudo o que o homem de Deus fizera aquele dia
em Betel, as palavras que dissera ao rei; e as contaram ao seu pai” (v. 11). O
profeta velho vivia do passado. Não possuía nenhuma experiência nova, só
recordações de um passado distante. Enquanto o homem de Deus vivia em função da
revelação divina, o profeta velho vivia apenas da informação. O que sabia era
aquilo que seus filhos viram acontecer e que posteriormente lhe contaram. O
homem de Deus via Deus fazer enquanto o profeta velho sabia por boca dos outros
o que Deus fizera. Imagino seu saudosismo da seguinte forma: “Também já
profetizei; orei por enfermos e foram curados; falei em línguas desconhecidas
quando fui batizado no Espírito Santo e possuía íntima comunhão com o Senhor”.
Tudo em um tempo passado! D.L. Moody disse: “Viver de experiências passadas é
viver do maná envelhecido”.
Em sexto lugar, o homem de Deus possuía caráter, mas o
profeta velho, apenas o carisma! – “E clamou ao homem de Deus, que viera de
Judá, dizendo: Assim diz o Senhor: Porquanto foste rebelde à boca do Senhor, e
não guardaste o mandamento que o Senhor teu Deus te mandara; antes voltaste, e
comeste pão e bebeste água no lugar de que te dissera: Não comerás pão nem beberás
água; o teu cadáver não entrará no sepulcro de teus pais” (vv.21,22). O profeta
velho profetizou!
E mais: o que disse aconteceu (v. 24). Como pode alguém que
mentiu minutos antes profetizar e aquilo que profetizou acontecer? Há muitas conjecturas
teológicas sobre esse incidente, mas fato é que o profeta velho possuía
carisma, embora não tivesse caráter. Para ser homem de Deus, é necessário
possuir carisma e caráter. Conheço homens e mulheres que possuem muita “unção”,
mas pouco ou nenhum caráter. Casam e se divorciam como quem troca de roupa e
ainda assim cantam e pregam com “unção”.
Após escrever Por que Caem os Valentes? (CPAD), vi
que o ministério perdeu o encanto para muitos. Estas são algumas causas do
desencanto.
por José Gonçalves
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