A família e o trato com a viuvez

A família e o trato com a viuvez


Refletir sobre a morte nos faz enxergar a ideia da finitude humana, nos levando a encarar a nossa própria finitude, a certeza de que um dia a vida chegará ao fim (Salmos 103.15, 16). A morte é uma realidade inevitável, vista por alguns como um mistério incompreensível e por outros como algo inaceitável. Todavia, para o cristão, a morte é a passagem ou a transposição de existência humana, temporal e efêmera, para uma vida espiritual eterna com Cristo. Para quem não se preparou, ela se mostra pavorosa e amedrontadora. A Bíblia nos mostra que felizes são os que morrem servindo o Senhor (Apocalipse 14.13). Por mais que tenhamos consciência disso, a morte de um ente querido, mesmo que seja cristão, nos causa muita dor e sofrimento.

A perda do cônjuge

Perder um ente querido é uma experiência dolorosa e devastadora. A notícia é sempre recebida com tristeza e desespero, seguida de medo em relação ao futuro sem a presença da pessoa amada. A situação se torna mais complexa quando se trata da perda do cônjuge, principalmente quando ocorre na velhice. Conviver com a ausência da pessoa escolhida para passar o resto da vida não é algo tão fácil. A solidão advinda com a separação torna-se algo assustador: a pessoa amada com quem se viveu ao lado anos da vida, dividindo experiências, emoções, não está mais ao lado.

Pesquisas apontam que um dos medos que mais atormenta a maioria das pessoas é o medo de “ficar sozinho”. O ser humano não foi feito para viver só. Deus falou: “Não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2.18). Logo, perder o cônjuge faz a pessoa experimentar radicalmente as dimensões psicológicas da dor, fragilidade, sofrimento e perda.

A viuvez

A viuvez é um processo que, apesar de natural e esperado, é algo devastador. Seus efeitos variam de pessoa a pessoa. Após a perda do cônjuge, a pessoa entra na fase do luto. A pessoa enlutada vive um estado de recolhimento, seguida muitas vezes de uma depressão profunda. Geralmente, nessa fase, a pessoa permanece constantemente triste, tem crises de choro, se recusa a sair de casa e perde o interesse por atividades que antes amava.

A viuvez pode acontecer precocemente e tardiamente. Quando esta acontece precocemente, a pessoa terá de conviver não só com a sua dor, mas terá que se preocupar com situações como a criação dos filhos, o sustento, a organização da vida e assim sucessivamente. Estar nesta circunstância ainda na juventude ou idade adulta leva muitas vezes a pessoa a contrair novo matrimônio, que acarreta muitas vezes em sérios problemas de relacionamento entre filhos e padrasto ou madrasta, gerando desgastes na nova relação.

Quando a viuvez é tardia, a situação pode ser mais dolorosa. Enquanto na viuvez precoce a pessoa se vê buscando soluções de como criar sozinha os filhos ou se autossustentar, na velhice os filhos já foram criados e agora já têm suas próprias famílias, por isso o idoso sofre a dor da solidão com mais intensidade. A família tem papel fundamental nesse processo. Ela pode ser o ponto de apoio que o viúvo(a) precisa para se erguer. O enlutado precisa se sentir amado. Mesmo distantes, os filhos podem se fazer presentes, ligando com frequência e ajudando em questões diversas.

Ressignificando a vida

Superar a dor e o sofrimento da perda do cônjuge não é tarefa fácil, mas é possível. Para isso, se faz necessário alcançar quatro estágios: Estágio da Consciência, Estágio da Elaboração, Estágio da Ressignificação e o Estágio da Mudança.

Estágio da Consciência – É a fase em que a pessoa abre os olhos do interior e enxerga a realidade. Ela cai em si e percebe que terá que a partir de agora conviver com essa situação. Quando tomamos consciência do que fazemos e da forma que pensamos e sentimos, podemos perceber o que não está bem e mudarmos, implementando novos comportamentos. Tomando consciência da experiência interna, conseguimos construir respostas e cursos de ações que nos levarão a assumir o controle total da nossa vida.

Estágio da Elaboração – É a fase na qual organizamos na nossa mente os fatos como eles são. É um trabalho intelectual e emocional que nos leva a entender os significados mais profundos dos problemas que enfrentamos e a maneira como nos comportamos. A elaboração nos leva à aceitação da realidade. Para alcançarmos esse estágio, se faz necessário nos tornarmos resilientes. A resiliência é a capacidade que adquirimos de lidar com problemas, adaptando-nos às mudanças. Pessoas resilientes respondem às frustrações e estresses com serenidade, superação e recuperação emocional.

Estado da Ressignificação – É a fase em que a pessoa consegue encontrar um novo sentido para a sua vida. Após tomar consciência e elaborar os fatos, ela descobre novos elementos que darão sentido à sua vida e se permite viver o novo.

Cássia (nome fictício) perdeu o marido e durante oito anos manteve o apartamento arrumado da mesma forma como ele havia deixado. Havia um totem fotográfico dele de tamanho real na sala. Sua escrivaninha, seu guarda-roupa e suas gavetas estavam intactas. Durante esses anos, ela se manteve como se ainda estivesse casada com ele. Ela tinha 43 anos, de boa aparência, se vestia bem e tinha um bom emprego em uma repartição pública federal, porém sentia-se infeliz e não aceitava o fato de ele ter morrido e a deixado sozinha. Se por acaso alguém olhasse para ela ou demonstrasse interesse, imediatamente ela o rejeitava. Ao me procurar, mostrei-lhe a necessidade de ela ressignificar a sua vida buscando um novo sentido para si. Apesar da perda que tivera, ela precisava seguir em frente. Sempre há um sentido a descobrir e em função do qual viver. Enfatizei que a ressignificação ocorre quando encontramos algo maior para nos apoiar. Os obstáculos, as perdas, são experiências negativas inevitáveis na vida, que são superados quando encontramos novos significados. Depois de alguns meses de terapia, Cassia conheceu uma pessoa e passou a conversar com ela. Apesar de se permitir, ela ainda se martirizava, sentindo-se culpada, achando que estava traindo o marido falecido. Trabalhamos essa dificuldade. Mostrei-lhe que ela precisava elevar-se acima de sua própria tragédia para redimi-la com triunfo. Chegou o momento em que ela tomou consciência de que precisava sair daquele impasse e conseguiu elaborar a situação aceitando a realidade de que o marido havia morrido e não voltaria mais. Chegando em casa, tirou o totem fotográfico do marido da sala, doou suas roupas, vendeu sua bicicleta, limpou as gavetas, reformou o apartamento do seu jeito e assumiu o novo relacionamento.

Quando ressignificamos as nossas vidas, nos libertamos das coisas passadas e nos apegamos às novas.

Estágio da Mudança – É a fase em que a pessoa decide mudar suas atitudes e estar pronto para encarar a nova realidade. Mudar não é fácil, é desafiador, principalmente porque nos tira da zona de conforto. Quando passamos pelos outros estágios, nos tornamos aptos à mudança, aprendemos, crescemos e descobrimos que somos capazes de muito mais.

Só a mudança fará com que a pessoa continue caminhando. Temos medo de encará-la, porém quando alcançamos os outros estágios, nos adaptamos ao novo. O maior obstáculo à mudança está dentro de nós mesmos. Nada melhorará até que aceitemos a mudança.

por Jamiel Lopes

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