Vivemos em uma sociedade que, não faz muito tempo, assumiu uma ruptura definitiva com Deus. Em meados do século XIX, foi declarada a morte do “velho Deus” do Cristianismo, nas palavras do filósofo Nietzsche, em seu livro Assim Falou Zaratrusta, lançado em 1883, na Alemanha. A crença em um Deus cristão se tornou indigna de qualquer credibilidade entre alguns ocidentais. O desejo de construir uma história sem a intervenção de um Deus transcendente revela o anseio do homem pela busca incessante de uma identidade, autoafirmação e liberdade absoluta.
A presença de um Deus cristão moralista frustraria o homem
moderno cheio de si, orgulhoso, prepotente e que pensa ser senhor de seu destino.
Este homem, embevecido com o veneno do ego absoluto, elege a ciência como a
divindade suprema para resolução de todos os seus problemas, e Deus, neste contexto,
passa a ser apenas uma ideia da projeção humana (ilusão). A opinião filosófica
sobre o conhecimento científico e o saber da realidade da existência humana não
tem mais como ponto de partida Deus; pelo contrário, agora é o próprio homem
que se descobre divino, majestoso, milagroso e com capacidades inimagináveis de
construir a própria história, sem mais a interferência desse Deus.
Mesmo assim, com toda essa tirania e investida filosófica da
inexistência de Deus, o homem, por mais que tente, não consegue negá-lO e nem O
tirar de sua consciência. Então, a solução foi a proposta nietzscheana de “matar
Deus”, mesmo que seja uma morte meramente conceitual; ou seja, a morte do
conceito de um Deus poderoso e absoluto, e não necessariamente a morte ontológica
de Deus ou a morte de Deus em si mesmo.
E qual foi o resultado inevitável desse pensamento social
que abandonou Deus para seguir o seu próprio caminho? Foi uma sociedade secularista,
onde a vida se limita apenas a este mundo. O conceito de secularismo adquire e
traz o significado de “mundo”, “a vida do mundo” e “o espírito do mundo”. Estamos
falando deste significado de mundo temporal, onde reside uma fortíssima
separação, divisão, entre a fé e a vida. O secularismo tem a força de
neutralizar a fé do homem em Deus e colocá-la numa dimensão privada, individual
e interior, isolando-o de qualquer ligação com o sagrado. Temos aqui uma clara
hostilidade quando a Bíblia e a mensagem do Evangelho se propõem como verdades
absolutas, propondo a fé à vida pública.
O homem do nosso tempo está fragmentado, perdido e sem
razão, pois não encontra o sentido de viver e consome seus desejos hedonistas na
tentativa de dar uma resposta ao dilema de sua existência. O filósofo de linha
existencialista Arthur Schopenhauer era um pessimista da vida e acreditava que nada
poderia alterar o resultado final de sua própria fatalidade. Ele afirmava que
“para a maioria dos homens, a vida não é outra coisa senão um combate perpétuo
pela própria existência, na qual ao final sairemos derrotados”. Este homem, no
pensamento filosófico de Schopenhauer, está fragmentado e é possuidor do seu eu
irracional. Este homem não consegue transcender e vislumbrar o sagrado, o divino
que não está distante, mas dentro dele. Lembro-me das palavras do teólogo
Agostinho: “Ó Deus, tu estavas dentro de mim e eu fora”. Essa é a condição do
homem, fora e vazio de Deus. A ausência de sua fé e confiança em Deus é sentida
a cada decisão que ele toma, buscando no mundo secular o que a alma dele deseja,
mas não se farta, porque ela sempre estará inconformada e infeliz e isso
resulta numa razão última de sua vida.
A sintomatologia de todas essas crises existenciais na
sociedade secularista tem causado lesões profundas no homem, em sua dimensão
psicossomática, sua alma e corpo, juntamente com o seu espírito. Ele perdeu a
sensibilidade com a transcendência, recorre a tantos meios físicos que a sua
dependência materialista o cegou, não enxergando mais os meios metafísicos
(espirituais) que possibilitam a intervenção divina em sua vida. Segundo
levantamentos realizados pelos meios responsáveis da área de saúde, há dados
alarmantes sobre a condição do ser humano face aos distúrbios mentais e doenças
psicológicas, tais como transtorno de ansiedade, depressão, demência, transtorno
bipolar, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, esquizofrenia,
transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, estresse pós-traumático, transtornos
alimentares, somatização, comportamento suicida e tantos outros distúrbios,
transtornos, síndromes e doenças psicológicas. Se nós estamos fragmentados, vulneráveis
e sujeitos a todas essas doenças que atormentam a humanidade, o que fazer? É
preciso reconhecer que não existe mensagem mais poderosa para a transformação
do homem, em todas as suas dimensões, do que as Sagradas Escrituras, e nela, somente
nela, nós encontramos o consolo para todos os dilemas da existência humana.
“Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o
meu Deus” (Salmos 42.11).
É preciso reconhecer que a ausência do transcendente na vida
de milhares de pessoas não significa que não há um Deus que é real, nos assiste
em nossas dores e aflições e jamais nos abandona, ainda que possa parecer estar
distante de nós, “ainda que não está longe de cada um de nós; porque nele
vivemos, e nos movemos, e existimos...” (Atos 17.27,28).
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o
Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; Que nos consola em toda a
nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma
tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é
abundante a nossa consolação por meio de Cristo” (2 Co 1.3-5).
por Esdras Cabral de Melo
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