O princípio da lealdade

O princípio da lealdade


Curiosamente, a palavra “lealdade”, traduzida do grego pistis, é citada apenas uma vez no Novo Testamento, precisamente na epístola de Paulo a Tito: “Não defraudando, antes mostrando toda a boa lealdade, para que em tudo sejam ornamento da doutrina de Deus, nosso Salvador” (Tito 2.10). O termo está inserido no texto onde o apóstolo exorta sobre a ética comportamental do crente, propondo situações distintas, porém conjuntamente correspondidas com atitudes coerentes com “a sã doutrina”, que deve ser vivenciada com dignidade e lealdade por cada crente, somando fatores que contribuem para repercutir o bom testemunho pessoal que enobrece e bem repercute o cristão, tido como alguém fiel a Deus, cujo procedimento é figurado no texto como “ornamento da doutrina”.

O Dicionário Bíblico Wycliffe (CPAD, pg. 795) cita que a palavra pistis também é traduzida como “fidelidade”. Na definição do Dicionário de Língua Portuguesa Michaelis, a lealdade é assemelhada à fidelidade, cujo derivado “fidedigno” significa “digno de fé; de confiança; que merece crédito”. Na literatura portuguesa, ambos os termos têm origem no latim fidelis, significando atitude de quem é fiel nos compromissos assumidos com pessoas ou instituições. A lealdade é uma característica pessoal de quem é fiel, figura de alguém confiável. Deduz-se, portanto, que lealdade e fidelidade se conjugam na consciência do indivíduo, de forma abstrata, convergindo para um mesmo sentido: a lealdade norteia o juízo pessoal na realização de um propósito, e fidelidade é a ética que estabelece o propósito da ação. Esse binômio deve estar implícito nos interesses e procedimentos de um cristão, cujos atos praticados o diferenciam como “uma nova criatura”, nos seus relacionamentos e interesses, visto que nele é construído um novo caráter, na conformidade da Palavra de Deus (2 Coríntios 5.17).

Importante observar que no texto bíblico acima transcrito da Epístola a Tito, está posto o adjetivo “boa”, antecedendo a palavra “lealdade”, o que nos faz entender a qualidade benévola do caráter de um cristão, identificada com o fruto do Espírito composto de nove virtudes, das quais a “fé”, citada em algumas traduções da Bíblia, corresponde com o sentido da palavra extraída do original que melhor se define como fidelidade ou lealdade (Gálatas 5.22), virtudes ausentes no perfil dos ímpios, portadores da qualidade maléfica de uma geração perversa, aprisionada pela natureza carnal desprovida da “lealdade”, dos quais Deus esconde o rosto (Deuteronômio 32.20).

A lealdade, como um bom e nobre valor do caráter cristão, é essencial nas relações pessoais do crente com Deus, com a família, os superiores hierárquicos, os subordinados, na convivência social, no ambiente profissional e, de modo especial, com a igreja na qual congrega, e nela esteja envolvido em alguma atividade, servindo ao Senhor como voluntário ou exercendo um ministério. Ou seja, em todas as esferas do relacionamento humano, a lealdade, como virtude emanada do caráter cristão, proporciona relevante testemunho, repercutindo confiança, respeito e honra, especialmente quando se trata de alguém envolvido no serviço do Senhor.

A Bíblia Sagrada cita alguns personagens considerados como servos leais a seus superiores, que se portaram fiéis e dignamente nas suas respectivas épocas e eventos, alguns dos quais foram consultados, ouvidos e respeitados nas suas posições e definições, e, como prova da lealdade deles, mercê de Deus, foram promovidos a posições relevantes, sendo bem-sucedidos nas condições vivenciadas por cada um. Como exemplos, José, filho de Jacó, que, vendido pelos seus irmãos, viveu no degredo, longe da pátria e da família, sofrendo, como vítima inocente, uma dolorosa e injusta prisão, mas devido à sua postura de um crente fiel e temente a Deus, foi promovido ao relevante cargo de governador do Egito (Gênesis 41.38-44); Josué, filho de Num, um jovem leal e obediente a Moisés durante os quarenta anos do êxodo, que não se contaminou com os insurretos no deserto, sendo escolhido por Deus para suceder o líder que tirou o povo do Egito (Josué 1.1,2); Rute, nora de Noemi, ficou tão apegada à sogra a ponto de renunciar a sua parentela, assumindo uma postura testificada na declaração: “Não me instes para que te deixe e me afaste de ti; porque aonde quer que tu fores, irei eu e, onde quer que pousares à noite, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus”; e o epílogo dessa história reconhecida pela lealdade da moabita foi o casamento com Boaz, resultando na descendência messiânica (Rute 1.16; 4.13-22).

Se tratando de lealdade, poderíamos citar diversos outros personagens bíblicos, como Samuel, Elizeu, Joabe, Daniel, João, o apóstolo, e outros, porém, mais importante, quanto exemplar, é nos referirmos ao Senhor Jesus Cristo e Seu desprendimento para fazer a obra que foi delineada pelo Pai, a ser executada por Ele aqui na Terra, cuja árdua tarefa desempenhou com lealdade nos dias do Seu ministério, conforme declarou: “Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (João 9.4). Quanta beleza e quanto altruísmo nessa declaração, na qual o Senhor Jesus atesta que tinha plena convicção do que motivou Sua encarnação (João 1.14), e mesmo “sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses 2.6-8), testificando que estava determinado a cumprir a missão prescrita na eternidade (Apocalipse 13.8) e que somente Ele poderia cumpri-la, conforme declarou: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (João 6.38). Tão fiel quanto obediente foi o Senhor Jesus, que mesmo no instante crucial que antecedeu o Calvário, assim se expressou em oração: “Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22.42), e pela lealdade e obediência, após a ressurreição foi exaltado soberanamente por Deus, de quem recebeu todo o poder no céu e na terra, e um nome, que é sobre todo nome (Mateus 28.18; Filipenses 2.9). Não há dúvidas que Jesus é o exemplo máximo de lealdade para os quantos queiram fazer a obra de Deus, na dimensão própria do seu voluntariado ou submetido a uma chamada para o ministério, servindo ao Senhor com alegria (Salmos 100.2).

Tanto a fidelidade quanto a lealdade estão inseridas nos atributos morais e comunicáveis de Deus, conforme se lê: “Pois a palavra do Senhor é verdadeira; ele é fiel (leal) em tudo o que faz” (Salmos 33.4). Sabemos que Ele é infalível, em detrimento da falibilidade humana, no entanto, em razão da graça, observa a maneira dos que fidelizam, na prática, suas atitudes, especialmente os que se envolvem no serviço em Sua obra, na qual imprescindivelmente devem atuar corrente com o binômio fidelidade e lealdade, correspondentes com o caráter divino, observando a advertência mencionada em 2 Timóteo 2.11-13. Portanto, vale a pena atuar com lealdade no serviço do Senhor, crendo nas palavras do Fiel e Verdadeiro: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2:10b). A Deus toda glória!

por Kemuel Sotero Pinheiro

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