O choro da noite e a alegria do amanhecer

O choro da noite e a alegria do amanhecer


O livro dos Salmos constitui-se uma riqueza litúrgica para os adoradores de Deus em todas as épocas. O termo técnico para salmos é saltério. Sua função principal é ser o hinário do povo de Deus em seu culto coletivo. Ele está incluído nas Escrituras canônicas, portanto é parte da Palavra inspirada de Deus. É uma antologia de poemas individuais que vem sendo usada comunitariamente pelo povo de Deus ao longo dos milênios. De acordo com a Bíblia de Estudo Pentecostal (2010, pp. 813-815)(1), “originalmente, os Salmos trazem o título hebraico Tehillim, que significa louvores. A coleção, portanto, é composta de hinos de louvor ao Deus de Israel (8, 21, 33, 34), mas também contém um grande número de orações (3-6, 34, 54), lamentos (12, 13), hinos de ação de graças (18, 30, 34), salmos de sabedoria (1, 37, 119), salmos régios (2, 8), salmos históricos (78, 137), dentre outros”.

O Salmo 30, cujo autor é identificado como sendo Davi, ilustra a maneira de orar em agradecimento a Deus por ser gracioso em responder às nossas orações. A composição é claramente identificada como um louvor pela cura divina. Ela conta a experiência de alguém que acabou de escapar da morte, tendo sido libertado de uma séria enfermidade. Seu notável restabelecimento produz ação de graças cheia de alegria e leva-o a refletir sobre as lições que aproveitou do seu sofrimento.

Nos três primeiros versículos, o compositor declara o tema geral do seu hino, que é ação de graças pelo repetido cuidado do Eterno e o livramento ao longo do curso de sua vida. A frase de abertura: “Eu te exaltarei” é seguida por três experiências que levam o cantor a exaltar a Deus: o livramento dos ataques dos inimigos, a oração respondida e o resgate da morte iminente. No versículo 4, o autor faz uma convocação para recordar: “Salmodiai [...] e dai graças...” (ARA). Por causa de sua experiência pessoal com Deus, o salmista convoca os santos para que se juntem a ele no louvor. Os convocados são aqueles que têm a mesma fé e a mesma mente, e que estão ligados ao mesmo Senhor pela aliança. Insiste-se com eles a louvar a Deus com salmos que rendam graças ao Seu santo nome. No verso 5, a frase “em seu favor há vida” também pode ser traduzida por “o seu favor dura a vida inteira”. Esta afirmação contrasta com o momento da ira divina e uma vida inteira repleta dos Seus favores. Por isso, então, é que ele afirma: “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pelo amanhecer”. O salmista reconhece que o favor de Deus é que dá segurança. Ele não atribuiu à sorte, à medicina (embora seja útil) ou à causalidade. Ele, de fato, atribui tal favor ao Todo-Poderoso.

No restante do salmo, o autor dessa poesia extraordinária, se volta para seus companheiros de adoração e os convoca para que se unam a ele em cântico de ação de graças, porque, embora realmente exista o choro na vida do fiel, podemos ter certeza de que ele chegará ao fim. Uma das razões por que o sofrimento – isto é, o choro – pode vir é o fato de vivermos em um mundo caído. Pode-se afirmar ainda que a dor e a aflição podem vir com o propósito divino de chamar a nossa atenção para algo que precisamos corrigir em nossa vida, pois a Bíblia afirma que Deus disciplina a todo aquele que Ele ama (Hebreus 12.6). Podemos resumir o versículo 5 do Salmo 30 com algumas aplicações práticas.

A primeira é que nunca devemos deixar de louvar a Deus por Sua bondade, porque Ele sempre livra e sempre sara. Assim como Deus livrou e exaltou a Davi e o encheu de bênçãos, tornando-o estável, assim também Paulo declara em Efésios que Cristo nos exaltou juntamente com Ele, nos colocando nas regiões celestiais e nos enchendo de toda sorte de bênçãos espirituais (Efésios 1.3). É claro que isso deve ser motivo de louvores e ações de graças.

A segunda aplicação é que Deus concedeu a Davi a vida física e a vida espiritual, levando-o a convocar os fiéis a tomar parte na sua gratidão. Isso nos leva a refletir que uma experiência pessoal, como a de Davi, pode se tornar motivo para que uma congregação inteira seja convocada para exaltar a Deus. Um salmo que teria sido concebido como testemunho particular tornou-se um meio de transmitir o testemunho de uma congregação inteira.

A terceira aplicação é que “as noites não são eternas. Até no inverno sombrio, a estrela d’alva brilha [...] Quando a noite acaba, a escuridão desaparece. Isso é aduzido como razão para o cântico sagrado, e é uma forte razão. Noites curtas e dias alegres pedem o saltério e a harpa” (SPURGEON, 2020, p. 615).(2)

A quarta lição é que devemos rogar a Deus durante todo tempo que Ele nos permite nessa terra. Nossa vida deve ser de constante louvor a Deus com os demais fiéis que O amam e O adoram. Aprendemos com Davi a louvar e agradecer a Deus o tempo todo. Precisamos permanecer louvando e adorando a Deus, o que inclui oração e testemunho (Colossenses 3.16).

A quinta aplicação é que esse fenômeno experienciado pelo salmista não é único na história do povo de Deus. O patriarca Abraão a experimentou em sua vida, mas o forte ecoar da voz de Deus no Moriá trouxe de volta a alegria. O patriarca Jó experimentou, talvez, a mais longa de todas as noites de lágrimas e sofrimento, mas a voz de Deus ecoou do meio de um redemoinho (Jó 38.1) e, assim, a alegria voltou à sua vida (Jó 42.1-17). Na vida de Daniel, a noite de lágrimas também veio com a ameaça de ser estraçalhado por leões famintos, mas o Eterno enviou Seu anjo e deu livramento ao profeta e, literalmente, ao amanhecer, a alegria voltou na vida de Daniel e na corte do rei Dario. Os discípulos de Jesus também conviveram com o medo e a angústia de um naufrágio iminente no mar da Galileia, mas na 4ª vigília da noite (3h às 6h), Jesus apareceu sobre as águas, lhes trazendo livramento, paz e tranquilidade.

Por último, a declaração do salmista revela a convicção interior na existência de um Deus que é soberano e todo-poderoso, intervém na história, abençoa, guia, sara, restaura e se faz presente nas circunstâncias que passarmos. “Não te deixarei, não te desampararei” (Hebreus 13.5).

Notas

(1) Stamps, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2010, 2030 p.

(2) Spurgeon, Charles. Tesouros de Davi. Vol. 1. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2020, 1162 p.

por Rayfran Batista da Silva

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