A parte que cabe a Deus no processo de paz

A parte que cabe a Deus no processo de paz


Um lavrador israelense, antes de iniciar sua tarefa diária, erguia aos céus as seguintes palavras: “Senhor, a minha parte é vermelha, a tua é verde; nós aramos, mas és Tu que dás a colheita”. “Vermelha, pois a boa terra cultivável”, segundo nos ensina Henri Daniel-Rops (“A vida diária nos tempos de Jesus”) “é de um vermelho quente e profundo sob o céu brilhante”. Talvez as modernas técnicas agrícolas tenham afastado o homem do campo dessa antiga confissão de sua inteira dependência a Deus, mas ela continua, uma vez que o máximo de esforços humanos não se traduz, necessariamente, na resposta da terra. Deus dá a vida, promove o crescimento e faz frutificar. Existe, portanto, uma parte que independe do labor humano, e a consciência disso deve manter os que se dedicam à lavoura em total humildade diante do Criador, não fosse a palavra humilde, ela mesma uma lembrança de que todos nós fomos feitos da mesma ‘humus’ - terra.

A mudança do território egípcio para a terra de Canaã selou, no passado, essa relação de dependência. Diz Deuteronômio 11.10: “Com efeito, a terra em que vais entrar para possuir não é como o Egito de onde saíste, onde, depois de lançada a semente, devias regar a terra com a força de teus pés, como se rega uma horta”. A nova terra, montanhosa, sem as enchentes que produzem a fartura dos campos às margens do Nilo, era terra dependente das chuvas e, consequentemente, de Deus. Assim, o povo é instado a viver em fidelidade, de tal maneira que fosse alvo da provisão do Senhor. O alerta contrasta o fruto do trabalho humano com o dom gratuito de Deus; regar a terra com os pés ou beber a água dos céus.

A prática de regar com os pés, ainda em uso em algumas regiões da China e em povos de agricultura tradicional, era o recurso de que dispunham os habitantes de Mizraim para melhor aproveitar as águas do rio Nilo, transbordantes por cerca de 100 dias, mas que precisavam ser disponibilizadas para o restante do ano. Para isso, usavam um sistema de canais, desde os mais simples, verdadeiras canaletas escavadas no solo com um instrumento anterior à nossa picareta, num desenho que lembra um tabuleiro de xadrez, até os grandes canais, feitos de tijolos e argamassa, cuja construção certamente exigiu muito trabalho escravo, e deve ter ficado gravada na mente dos hebreus. O sistema permitia que as águas abundantes ficassem represadas até que o solo, umedecido pelas enchentes do rio, voltasse a secar, quando, então, abriam-se as comportas (por vezes meros pedaços de couro curtido) dos canais maiores para fazer correr o líquido até a rede dos pequenos canais. 

A distribuição dependia de engenhosas máquinas, espécie de rodas de água movidas a pés. Segundo Meyer: “No Egito a irrigação da terra era laboriosamente executada por meio de rodas movidas a pedal, com as quais eles puxavam a água do Nilo, lá embaixo, para as terras mais altas”. Além disso, o lavrador precisava estar sempre pronto, vigiando a rede de canaletas para evitar que uma área ficasse enxarcada, enquanto a outra carecesse de irrigação. Conforme a ocasião exigisse, o homem, com o pé, desviava a corrente, empurrando torrões de terra, ou impedindo a água de correr num determinado sentido, dirigindo-a para outra canaleta. O esforço que o ‘bombeamento’ ou o bloqueio e liberação de águas exigia do trabalhador fez soar o texto de Deuteronômio 11.10 como uma grande bênção para os filhos de Abraão pois, ainda segundo Meyer: “... em Canaã, havia duas estações chuvosas anuais – a primeira, em setembro e outubro; a segunda, em março  e  abril.  A  regularidade  dessas estações dependeria da leal obediência de Israel a Deus” (Comentário Bíblico Devocional do Velho Testamento).

De um lado, os canais artificiais, ligados a reservatórios, abertos, virados e fechados com os pés, e de outro lado a provisão benfazeja, farta, dada a seu tempo, que não livra o homem de seu labor sobre a terra, mas que se derrama como bênção do Senhor, reafirmando Sua provisão e cuidado, tornando mais claro o entendimento de que o trabalho do homem sobre a terra é uma tarefa conjunta (nunca deixou de sê-lo, mesmo quando requer o engenho humano), o que, em Israel, traduz-se numa lembrança contínua.

O que é válido para a terra vermelha também é perceptível nos campos políticos, onde a rubra ira dispõe-se mais facilmente aos caminhos da contenda que da paz. Criar caminhos que saciem os povos em suas expectativas é tarefa especialmente árdua, especialmente quando tais expectativas são divergentes, mesmo opostas. 

A crescente ameaça iraniana tem deixado toda a estrutura de defesa antimísseis de Israel – o Domo de Ferro, o ‘David’s Sling’ e os sistemas de seta – em constante alerta. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, o Irã enriqueceu urânio a uma pureza de 84%, sendo que 90% é a pureza necessária para o desenvolvimento de armas nucleares. Tais níveis de pureza excedem, em muito, o requerido para o uso da energia nuclear par fins pacíficos. As tensões entre os países aumentaram com a introdução, no Irã, do novo míssil “Fateh”, com um poder de alcance de 1400 km, sendo, portanto, capaz de atingir Israel. Segundo Amir Ali Hajizadeh, comandante da Força Aeroespacial do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, o armamento supersônico não pode ser identificado ou interceptado por nenhum sistema antimísseis existente.

Como resultado das ameaças, diminuíram as tensões políticas internas no Knesset. Mesmo a oposição já se pronunciou através de Benny Gantz, presidente do Partido da Unidade Nacional. Ele afirmou, durante a Conferência Anual do Posto de Jerusalém em Nova York que, se necessário for uma resposta ao Irã, toda a nação de Israel se uniria em apoio ao governo. “Não podemos permitir que o Irã obtenha armas nucleares”.  Afirmou  também  que fará “o que for preciso para evitar uma ameaça existencial ao Estado de Israel”. Segundo informou Israel Hayom ao WorldIsraelNews.com, o gabinete de segurança de Israel aprovaria um ataque contra o Irã, caso seja necessário. Netannyahu contaria, dessa forma, com todo o apoio de seu governo na eventualidade de uma resposta ao avanço nuclear. Incerta, por outro lado, seria a ajuda norte-americana, uma vez que o governo Biden continua escudando (e, segundo denúncias, financiando) ações de desinvestimento a Israel. 

Mas áridos são os solos da geopolítica que as vastidões secas do Egito ou o solo vermelho por onde caminharam os cananeus. Esforços humanos, por mais bem intencionados que sejam, e por mais frequentes que se realizem, esbarram no ódio contra Israel e contra os judeus como munição  decisiva  para  armar  líderes de nações – exatamente, seu principal armamento é a força do ódio, não os mísseis. Os caminhos para a solução do atual impasse não são fáceis: até que ponto se pode intervir nas decisões de uma nação soberana quanto à sua ‘defesa interna’, muito embora saibamos de suas sempre manifestas intenções de ódio a outra nação? Tratados de paz não têm força para conter o ódio reprimido, que corre, multiplica-se e encontra adeptos em outras nações. Já a paz é trabalho árduo, contínuo, que exige atenção e cuidados constantes – um pouco aqui, uma palavra ali, uma outra ação, um conselho, uma conquista, um coração.

Humildemente, reconheçamos nossa necessidade de resposta superior. As fontes dos céus precisam ser abertas, para que uma real solução aconteça. A paz no Oriente Médio é obra de Deus, diante de quem corações rendidos, humilhados e reconhecendo sua impotência farão mais do que as cimeiras humanas. Respeitados os esforços, a obra é superior às forças dos pacifistas, pois envolve poder divino e ações no interior do coração endurecido do homem – terra de difícil aragem, onde apenas as poderosas mãos do Altíssimo penetram, dissolvem os torrões, retiram as raízes do ódio ancestral e transformam em solo produtivo, apto a receber a Santa semente.

Vem, Senhor, regar a terra de que falaste: “terra de montes e de vales; da chuva dos céus beberá as águas; terra de que o Senhor, teu Deus, tem cuidado; os olhos do Senhor, teu Deus, estão sobre ela continuamente, desde o princípio até ao fim do ano”. Seja assim, Senhor, seja assim.

por Sara Alice Cavalcanti

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