A universalidade do Evangelho

A universalidade do Evangelho

Vivemos em uma época em que a vaidade e o senso de singularidade são alimentados por muita gente todos os dias, especialmente nas redes sociais. A questão da imagem, da popularidade, do senso de aceitação, é o que mantém milhares de pessoas conectadas às redes sociais todos os dias, por longas horas.

Homens e mulheres de todas as idades são seduzidos (e/ou iludidos) todos os dias com uma (frágil) sensação de singularidade e aprovação pública que os likes e aplausos das suas fotos e postagens geram. Cabe aqui uma reflexão: tais sentimentos e o tempo gasto nas redes sociais podem influenciar de forma negativa a espiritualidade do cristão? Infelizmente, isso pode ocorrer! Uma postura de superioridade, gerada a partir de um senso de exclusivismo, pode comprometer, e muito, a espiritualidade de uma pessoa (ou de um povo). Vejamos um caso bíblico: o povo de Israel.

O livro de Gênesis destaca a origem do povo de Israel na aliança firmada entre Deus e Abraão. As promessas feitas ao patriarca transcendiam a sua existência (Gênesis 12.1-3). Deus o chamava para formar um povo escolhido, separado. Assim, os descendentes masculinos de Abraão deveriam levar em seu corpo a marca dessa aliança: a circuncisão. O tempo passou e a descendência eleita tornou-se numerosa. Ao sair do Egito, sob a liderança de Moisés, houve uma renovação dessa aliança no Monte Sinai (Êxodo 19.5, 6). Também foi nesse momento histórico que o povo de Israel se transformou em uma nação, pois foi no deserto que foram instituídos calendário, legislação civil, criminal e de propriedade, normas de trabalho, de economia, cerimônias religiosas etc.

Deus, de fato, elegeu a Israel para ser Seu povo, como podemos ler em Deuteronômio 10.14,15: “Eis que os céus e os céus dos céus são do SENHOR, teu Deus, a terra e tudo o que nela há. Tão-somente o SENHOR se afeiçoou a teus pais para os amar; a vós outros, descendentes deles, escolheu de todos os povos, como hoje se vê”.

Essa escolha, porém, não revela um favoritismo de Deus. Ela também não se deu por mérito do povo. Deus fez, sim, um pacto com o povo de Israel, e essa aliança tinha (e em um sentido escatológico ainda tem) seu propósito. Abraão foi chamado para que, através de sua descendência, todas as famílias da terra fossem abençoadas (Cf Gênesis 12.3; 18.18; 22.18; 26.4; 28.14). O que se concretizou em Jesus (Mateus 1.1). Israel foi escolhido para ser um canal abençoador – foi através dele que Deus enviou o Messias e executou Seu plano de redenção da humanidade.

Deus escolheu um povo para alcançar toda a humanidade. O plano de Deus era incluir “todos os povos da terra” no pacto de amor, salvação e obediência estabelecido primeiramente com Israel. Essa universalidade do plano de Deus foi expressa com perfeição na vida de Jesus. Logo em Seu nascimento, os anjos que visitaram os pastores, anunciando a chegada do prometido, cantaram: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lucas 2.14). Já antecipando que o bem de Deus se destinava a toda humanidade.

Tal senso de inclusão está bem presente nos relatos do Antigo Testamento. Podemos vê-lo na admissão dos novos membros ao povo hebreu no deserto; no acolhimento de Raabe e Rute ao povo; na justiça divina dispensada sobre Davi por causa de sua iniquidade contra Urias, o heteu; na cura liberada sobre Naamã, um capitão sírio etc.

Mas o sentimento do exclusivismo hebreu diante de Deus comprometeu a compreensão do caráter inclusivista da aliança. Daí a dificuldade de alguns grupos em reconhecer em Jesus o Messias, pois Ele “comia e bebia com pecadores e publicanos” (Marcos 12.16). Em Seu ministério, Jesus servia aos excluídos da pirâmide social. Ele dava atenção aos pobres, leprosos, doentes e samaritanos. Jesus pregava o amor de Deus a todos e enviou Seus discípulos a todas as nações. Ele demonstrou que o Reino de Deus é acessível a todo aquele que crê e não apenas a uma geração ou a uma parcela de pessoas escolhidas.

Hoje, milênios depois de Cristo, mesmo com toda a popularização do cristianismo, compreender, aceitar e viver a universalidade do Evangelho ainda é um desafio para muitos.

Há correntes e grupos cristãos que se consideram mais “especiais” (No dialeto evangélico, se autodenominam “chamados e ungidos”). E se apresentam publicamente como posseiros da mensagem de Deus e da ação do Espírito Santo. Alguns cristãos acreditam enganosamente serem únicos e prediletos ante Deus.

Entretanto, na jornada cristã, todo o senso de superioridade (em especial, aquele travestido de religiosidade) é enganoso. Pois Deus não faz acepção de pessoas (Atos 10.34, 35; Romanos 2.11). Como está escrito: “Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam” (Romanos 10.12).

Em Seu ministério, Jesus precisou tocar nesse assunto diante de um pedido inusitado de dois dos Seus discípulos. Tiago e João desejaram um lugar de destaque, de exaltação junto ao Senhor. Ao saber de tal solicitação, os demais companheiros “se indignaram” (talvez porque também ansiassem a mesma coisa). Foi quando Jesus ensinou um princípio do Seu Reino: “Mas Jesus, chamando-os a si, disse-lhes: Sabeis que os que julgam ser príncipes dos gentios, deles se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre eles; mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal” (Marcos 10.42,43).

Jesus estava apresentando um estilo de vida que Seus seguidores necessitariam seguir: em vez de ambicionar posições, lugar de glória e reconhecimentos, deveriam olhar para o próximo e servi-lo a fim de suprir sua necessidade. A Eclésia que Cristo chama de Sua não é um grupo de pessoas distintas e superiores, mas, sim, uma comunidade de irmãos onde prevalecem a solidariedade, o amor e o serviço. Este é o perfil de discípulos, de líderes e de povo que Deus pode chamar de Seu.

Nós não somos “especiais” no sentido de “superiores”. Nós somos humanos. E ainda assim, Deus já nos deu seu único Filho. Ele derramou do Seu amor e da Sua graça sobre nós. E isso é mais do que qualquer ser humano pode vir a merecer. Em Cristo, ganhamos o direito de nos tornarmos filhos de Deus. NEle, fomos escolhidos para ser discípulos. Diante da cruz, somos desafiados a amar ao próximo, a servir e a ser o menor entre os irmãos. Em Jesus, somos nomeados embaixadores de Deus, pregando a mensagem de reconciliação. Por causa dEle, passamos a compor o Corpo onde Ele é a cabeça. Em Cristo, somos chamados a nos tornarmos um. E haveria algo mais especial que isso?

Referências

BAXTER, J. Sidlow. Examinai as escrituras: período interbíblico e os evangelhos. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1988. 

Curso Teologia Bíblica do Antigo Testamento – Educação Teológica à Distância – Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA) – 2011. 

por Flavianne Vaz

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