Roupas repartidas e sorteadas

Roupas repartidas e sorteadas

“Os soldados, pois, quando crucificaram Jesus, tomaram-lhe as vestes e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e pegaram também a túnica. A túnica, porém, era sem costura, toda tecida de alto a baixo. Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela para ver a quem caberá — para se cumprir a Escritura: Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes” (João 19.23, 24 – ARA).

As roupas de um homem dizem muito a respeito daquilo que ele é, identificando, inclusive, sua situação econômica, social. Jesus usava, com certeza, as vestes (gr. himation) de um judeu: o sudário sobre a cabeça, as sandálias, o cinto e uma capa quadrada usada externamente, chamada tallith; também havia a roupa interna, denominada de túnica (gr. chiton), usada sobre a pele, que lhe encobria o corpo até as mãos e os pés. Era uma espécie de camisa ou camisola, item do vestuário masculino tão usual que deixar de vesti-la equivalia a estar despido (João 21.7). O Senhor Jesus, assim, chegou ao Calvário com as vestes usuais de um judeu e uma túnica que, diferentemente das túnicas “normais” (que eram feitas com duas peças de tecido, costuradas uma à outra) “era sem costura, toda tecida de alto a baixo” (João 19.13; Mateus 27.32).

As vestes e a túnica de Jesus, certamente ensanguentadas, eram, talvez, os únicos itens pelos quais poderíamos identificar o Redentor, o qual estava com o Seu rosto completamente desfigurado (Isaías 53.3). Ao chegar ao Calvário, quatro soldados — o quaternion — crucificaram o Senhor, liderados por um centurião. É possível, mas não se sabe ao certo, se o centurião era um dos quatro soldados. A única certeza que se tem é que foram eles quem concluíram as atrocidades contra o Messias, despindo-O e crucificando-O. Ali, ao pé da cruz, enquanto eles esperavam o ato final daquela tarde, os soldados, indiferentes ao sofrimento do Salvador, após repartirem Suas vestes (sudário, cinto, sandálias e o tallith), sortearam Sua túnica, que era inconsútil (sem costura), uma peça cara, típico traje usado pelo sumo sacerdote. Os soldados, ao observarem essa peça de roupa com alto grau de sofisticação, se interessaram em tê-la para si. O sorteio foi o método mais democrático que eles encontraram para resolver interesses conflitantes. Naquele lugar, com cheiro de morte, foram possivelmente lançados, sobre a túnica de Cristo, dados romanos, os quais decidiram o destino da túnica do Filho de Deus. Uma profecia milenar descrevia essa cena em particular: “Todos os meus ossos podem ser contados. Os meus inimigos me olham e gostam do que veem. Eles repartem entre si as minhas roupas e fazem sorteio da minha túnica” (Salmo 22.17, 18 – NTLH).

Por que a Bíblia fez questão de narrar esse momento de ignomínia do Salvador? Esses itens da indumentária de Cristo poderiam produzir algum milagre? Não. A túnica, o sudário, as sandálias, o cinto e a capa não eram sagrados, nem faziam milagre. Certamente Deus, pelas Escrituras, estava mostrando o Seu grau de despojamento. Ali, a Fonte de todo o poder cedia, naquele momento, calado, como um cordeiro, sua lã perante seus tosquiadores. Nenhum murmúrio!

Importante realçar, entretanto, que as roupas de um condenado serviam de “salário complementar” aos carrascos. Era, para eles, justo. Portanto, tratava-se de um direito fornecido por Roma, o qual fazia parte do processo de tortura, como um dos elementos de humilhação. O malfeitor, assim, era despido de suas vestes, as quais não poderiam ser resgatadas pelos familiares, como lembrança do ente que estava partindo. Os condenados que estavam no corredor da morte não tinham motivos para serem tratados com nenhuma dignidade, muito menos se vestirem nobremente. Os executores entendiam que eles mereciam enfrentar esse espetáculo cruel de dor e indignidade.

Jesus usava uma túnica valiosa porque quando foi preso tinha saído de uma grande festa, a Páscoa. Por esta razão, Ele chegou vestido nobremente ao Calvário, digno, como o filho de um rei. O Pai queria sacrificar o Filho apresentando-lhe como um cordeiro sem defeito, cuja vestimenta identificava-se com a beleza da pura lã de um cordeiro pascoal!

Os homens olhavam para Jesus com prazer. Hostes de demônios e homens cruéis se deliciavam com o vexame do Filho de Deus. Quem poderia prever tal cenário, com tantos detalhes, muitos séculos antes? O Pai, que viu Seu Filho sendo despido de Suas nobres roupas, símbolo do Seu sacerdócio eterno (Hebreus 7.17). No alto da Cruz, entre a Terra e o Céu, Jesus estava se entregando a Deus para que recebêssemos o perdão dos pecados. Ali, nossas culpas estavam sendo castigadas justamente. O preço estava sendo pago por um inocente. O próprio Deus se despira para poder nos vestir com vestes de Justiça.

Ele foi despido para poder nos vestir nobremente na presença de Deus, da mesma forma como aconteceu com o filho pródigo quando retornou à casa paterna, quando foi vestido com a melhor roupa de seu pai. Adão e Eva, por seu turno, quando estavam em comunhão com Deus, não usavam roupas, mas estavam vestidos. Entretanto, quando pecaram, fizeram roupas para si, mas diante de Deus estavam despidos.

Assim, sendo Jesus inocente e puro, embora estivesse despido por causa das nossas transgressões, permanecia plenamente vestido diante de Deus. Dessa forma, quando as mãos dos soldados romanos desnudaram o Mestre, representavam o ápice da glória da justiça de Deus, em face de o Filho assumir o pecado da humanidade. Jesus tinha sido entregue como um cordeiro para o sacrifício, mas aquela vergonha não seria para sempre. Logo após Ele seria vestido de glória e majestade eternas, conforme aconteceu no episódio da transfiguração, para ser Senhor sobre todos, como sempre foi.

Não importa nosso grau de espiritualidade ou intelectualidade, jamais compreenderemos a medida do amor de Deus por nós. Devemos, assim, como forma de gratidão pelo que Ele fez por nós, entregarmo-nos sem reservas a Ele.

por Reynaldo Odilo Martins Soares

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