É verdade que a Epístola de Judas faz menção ao livro apócrifo de Enoque?

É verdade que a Epístola de Judas faz menção ao livro apócrifo de Enoque?

Lemos em Judas 1.14,15, sobre uma profecia de Enoque. A questão é: a referida citação na Bíblia foi extraída de uma escritura apócrifa? Como explicar a sua aceitação e inserção no Cânon bíblico?

A intertextualidade, sendo entendida como um diálogo entre textos, quer de forma explícita ou implícita, foi um recurso literário amplamente utilizado pelos escritores bíblicos, e sempre sob a condução e direção sobrenatural do Espírito Santo (2 Pedro 1.21), em prol da produção das Sagradas Escrituras como a revelação de Deus na forma escrita, de forma inerrante e infalível.

Muitas vezes, o diálogo com o texto-fonte se dava de Escritura para Escritura, sendo geralmente por citação direta (Mateus 4.14-16 cf. Isaías 9.1,2), ou por alusão (1 Coríntios 10.6 cf. Números 11.4). Mas a pergunta do leitor, de grande pertinência e propriedade, remete à possibilidade de uma profecia de Enoque no tocante à vinda de Jesus com milhares de Seus santos citada em Judas, versículos 14 e 15, ter sido extraída de um livro apócrifo (sem reconhecimento canônico como escritura inspirada) intitulado I Enoque. O entendimento majoritário entre os estudiosos tende a aceitar a referência apócrifa no texto canônico de Judas, embora uma parcela menor de eruditos discorde desse posicionamento.

Há registros históricos de três livros de grande popularidade e circulação nas comunidades judaica e cristã nos dias da Igreja Primitiva que também receberam o nome do profeta bíblico, não obstante o mesmo não ter sido o autor de nenhum deles. Respectivamente I Enoque (etíope), II Enoque (eslavo) e III Enoque (hebreu) - o primeiro com datação de 110 a.C. e os dois últimos já na Era Cristã, sendo os três de caráter apocalíptico. Ampliando a questão levantada pelo leitor, nessa mesma Epístola de Judas, no versículo 9, o escritor cita outro livro pseudoepígrafo chamado Assunção de Moisés. O objetivo era relatar a disputa do arcanjo Miguel com o Diabo discutindo sobre o corpo de Moisés, acontecimento contemplado com o silêncio canônico do Antigo Testamento. 

Em outras passagens do Novo Testamento, outros escritores, como Paulo, também fazem alusão a fontes extrabíblicas (Atos 17.28; 1 Coríntios 15.33; Tito 1.12,13). Nessa última passagem, o apóstolo dos gentios chega a afirmar que o testemunho de Parmênides, filósofo grego, era verdadeiro! 

Não é diferente no Antigo Testamento, quando expressivas parcelas de texto narrando diferentes períodos da história de Israel são extraídas de fontes extrabíblicas Números 21.14; Josué 10.13; 2 Samuel 1.18; 1 Reis 11.41; 1 Crônicas 27.24), tornando essas passagens canônicas. Nesse sentido, o leitor pergunta: “Como explicar a sua aceitação e inserção no Cânon bíblico?”

 O fato de um escritor bíblico citar ou extrair algo verdadeiro de uma fonte extrabíblica não corrobora a canonicidade da totalidade da fonte, mas apenas do que foi citado ou extraído, visto que toda verdade procede de Deus, a despeito da sua fonte, nisto incluindo as esferas religiosa, filosófica, científica etc. Quanto à canonicidade ou não da Epístola de Judas, assim como dos demais livros da Bíblia, é importante saber distinguir entre a determinação e a descoberta da canonicidade. Deus é o único responsável por determinar; o povo de Deus é responsável por descobrir. 

O fato de um livro ser canônico é devido à sua origem divina, ainda que em linguagem humana, de acordo com as peculiaridades da personalidade de cada escritor. A Bíblia é auto-pistos, “auto autenticadora”, que irradia de si mesma sua divina autoridade.

por Gil Monteiro

Compartilhe este artigo. Obrigado.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem