Onde está aquele povo barulhento?

Onde está aquele povo barulhento?

Na década de 70, a cantora e compositora Cecília de Souza escreveu um hino chamado: “Desapareceu um povo”. A grande maioria dos pentecostais brasileiros cantou e ainda canta aquele hino, cujo refrão tinha algumas perguntas, a saber: “Onde está aquele povo barulhento? Onde está que não se vê nenhum irmão?” (1) 

Sabe-se pelo contexto da música que a cantora se referia ao sumiço do povo barulhento por ocasião do Arrebatamento da Igreja. A pergunta: “Onde está aquele povo barulhento?”, faz referência ao questionamento daqueles que não foram arrebatados e que perguntarão sobre o desaparecimento do povo de Deus. Entretanto, apesar desse contexto escatológico da música, o presente artigo tem o objetivo de pensar nesse povo barulhento no contexto atual, estritamente o povo pertencente às igrejas do Movimento Pentecostal brasileiro, levantando uma reflexão sobre o barulho como marca do Movimento Pentecostal brasileiro. Em outras palavras: Onde está aquele povo barulhento que não faz mais o mesmo barulho? O que aconteceu com membros de algumas igrejas pentecostais que diminuíram o barulho pentecostal? Porque a forma de adoração diminuiu o seu volume? Quais as mudanças litúrgicas dentro das igrejas pentecostais se comparadas àquelas da década de 70, com as atuais igrejas do movimento carismático?

Pensemos introdutoriamente em um estádio de futebol. Em jogos de grandes times, é possível ouvir um barulho ensurdecedor de ambas as torcidas. São torcedores em pé, com mãos levantadas, gritando a todo momento da partida. Quando seu time faz um gol, o torcedor aumenta ainda mais o volume da voz. São milhares de pessoas gritando. O grito da torcida é o motor que leva o time a buscar a vitória. Ainda é possível pensar em uma danceteria, onde a música em alto volume é o ponto central do encontro entre os jovens. E o que falar do barulho em ambientes de trabalho, em indústrias, rodeios, e até dentro das casas?

O que causa estranheza é que é permitido gritar no estádio, gritar no rodeio, nas danceterias, mas levantar a voz na igreja para glorificar a Deus é para muitos uma ignorância, falta de inteligência e falta de sabedoria. Porque a sociedade dá legitimidade aos torcedores, aos frequentadores de bares noturnos entre outros, para que façam barulho, sem que isso incorra em um problema ético socialmente, e a igreja pentecostal é tão atacada nesse ponto? As igrejas pentecostais, dentre elas as Assembleias de Deus, sempre foram marcadas pelo barulho como forma de expressão de adoração. Desde que as Assembleias de Deus chegaram no Brasil, a igreja foi marcada pelo barulho, conhecida pelo barulho e é necessário manter essa marca que é essencial para a identidade assembleiana e para a identidade do Movimento Pentecostal brasileiro.

Mas a questão do barulho não pode ser apenas analisada do ponto de vista da marca do pentecostalismo. Se faz necessário observar o que as Escrituras Sagradas discorrem sobre o tema. Em outras palavras, o que a Bíblia fala sobre o barulho? 

Quando Josué foi conquistar Jericó, Deus disse: “Faça barulho”

É possível imaginar que Deus, em Sua onipotência, poderia apenas olhar para as muralhas de Jericó e elas viriam ao chão. Ou então pronunciar uma simples afirmação. Mas não foi isso o que aconteceu. Deus pediu que o povo de Israel gritasse, para então derrubar as muralhas. O próprio Deus deu as orientações para Josué: os homens de guerra de Israel deveriam rodear a cidade de Jericó durante seis dias, sendo uma volta por dia. No sétimo dia, sete sacerdotes deveriam levar buzinas nas mãos e rodear sete vezes. Após a última volta, os sacerdotes deveriam tocar as buzinas e o povo deveria gritar com grande grita, então o muro cairia (Josué 6.1-19). O texto é claro em afirmar que “gritou, pois, o povo...” (Josué 6.20). Em outras palavras, quando Deus deu a cidade de Jericó nas mãos do Seu povo, ele disse: “Façam barulho!”.

Na batalha contra os midianitas, Deus disse: “Faça barulho”

A época do jovem Gideão era um dos piores momentos da nação de Israel. Havia sete anos que os midianitas roubavam tudo o que Israel produzia, a ponto do povo de Deus empobrecer-se muito. Um anjo de Deus vem e encontra um jovem estrategista que, ao invés de malhar trigo na eira, está malhando trigo no local de pisar uvas, no lagar. Gideão recebe uma chamada específica e é escolhido por Deus para livrar o povo de Deus dos midianitas.

Qual foi a estratégia que Deus deu a Gideão para vencer os midianitas? Gideão deveria ir com os trezentos que ficaram, dividi-los em três grupos com buzinas nas mãos, cântaros vazios e tochas acesas. Mas não parou por aí. Gideão orientou os três grupos de cem homens para que, perto da meia noite, o primeiro grupo tocasse as buzinas e em seguida os outros dois grupos deveriam tocar também e todos deveriam gritar: “Espada do Senhor e de Gideão” (Juízes 7.16-23). Quando os inimigos ouviram o som das buzinas e o barulho do povo, começaram a lutar um contra o outro e fugiram sem direção.

Quando o Espírito Santo desceu, ouve muito barulho

“De repente veio do céu um som” (Atos 2.2). A descida do Espírito Santo no Dia de Pentecostes tem no barulho sua marca. Ouviu-se um som do céu, um barulho do céu. O som inicial não veio do povo de Deus, veio do Deus do povo. O som do povo era um reflexo do som do Deus do povo. Era quase 9h da manhã. A cidade ficou alarmada por um povo barulhento que clamava, gritava, chorava e falava em outras línguas dentro de um pequeno cenáculo. O verso 6 diz: “E, correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão” (Atos 2.6).

A análise desses textos bíblicos nos dá uma clara compreensão de que Deus não apenas permite o barulho, mas o legitima em diversas ocasiões, especificamente na descida do Espírito Santo, evento este que é histórico-redentor para nós, pentecostais. O barulho dos pentecostais não escandaliza, mas atrai multidões para os pés de Jesus Cristo.

Até mesmo o próprio Deus que incentiva o barulho é um Deus que também produz barulho: “Deus subiu com júbilo, o Senhor subiu ao som de trombeta” (Salmos 47.5). Outros deuses não fazem barulho, porque não há som em suas bocas (Salmos 115.7), mas nosso Deus é Deus de som, de ruído, de barulho. Isto posto, é preciso pensar em algumas verdades sobre o barulho como marca do povo de Deus. Não é barulho só por barulho.

Quando Deus envia um grande avivamento, esse avivamento produz muito barulho

“Então, profetizei como se me deu ordem; e houve um ruído, enquanto eu profetizava; e eis que se fez um reboliço, e os ossos se juntaram, cada osso ao seu osso” (Ezequiel 37.7). Ezequiel está no meio de um vale de ossos secos. Deus manda-o profetizar. Após obedecer a Deus, ouve um ruído muito forte, um barulho, transformando um vale de ossos secos em um grande exército. Nesse sentido o barulho pode não produzir avivamento, mas o verdadeiro avivamento produz barulho.

Isso pode ser exemplificado no Avivamento da Rua Azusa, em Los Angeles, em 1906, reconhecido como o início do Movimento Pentecostal contemporâneo. Os cultos naquele local foram marcados por gritos, clamores e choro em voz alta. O caso tornou-se manchete no jornal Los Angeles Times, quando editores afirmaram em tom de sarcasmo que o local se tornou uma “esquisita babel de línguas” e uma “nova seita de fanáticos à toa”. Um típico culto realizado no galpão da Azusa, 312, em Los Angeles, é descrito assim por Stanley Horton: “Pessoas de todas as classes, de todas as etnias, ricos e pobres, educados ou não, continuaram a participar dos cultos, todos humildemente buscando o Senhor. Três vezes por dia. O fervor continuou ao longo de três anos. A cada novo dia um total de cerca de 1,3 mil pessoas participavam dos cultos. Muitos ficavam do lado de fora do galpão em pé, olhando pela janela, famintos por Deus. No amanhecer do dia seguinte, frequentemente encontrava-se uma multidão ainda nas dependências da missão, orando por aqueles que ainda não haviam recebido o batismo no Espírito Santo [...] Irmão Seymour vinha e ficava de joelhos sobre duas caixas de madeira usadas como púlpito. Assim que ele orava, a glória caía”. (3)

Se cremos que Deus deseja enviar um poderoso avivamento nos dias de hoje, precisamos nos preparar para o barulho que será produzido.

Quando Deus nos convida à adoração, sempre há barulho

“Assim subindo, levavam Davi e todo Israel a arca do Senhor, com júbilo e ao som das trombetas” (2 Samuel 6.15). Quando Davi traz a arca para Jerusalém, há barulho, há louvor, há adoração, há som de trombetas. Nem todo barulho é realmente adoração, mas a verdadeira adoração pode produzir barulho. 

Nesse ponto do texto, possa ser que alguém esteja se perguntando se não se está levando em consideração questões ligadas a leis federais na questão do limite do ruído permitido por lei. E a resposta é: sim. Todo pastor e igreja precisa, sim, estar atentos quanto a isso: fazer barulho como marca do pentecostalismo não significa incomodar vizinhos, aumentar o som de modo estridente e trazer prejuízos para a sociedade de modo geral. Para se evitar esses problemas, que as igrejas comecem a pensar sobre essa questão ainda durante a construção do templo; que se adequem com a sonorização, que se tenha uma acústica adequada para que o som não saia de dentro do templo. Mas que o barulho permaneça. Não aquele barulho sem sabedoria (por exemplo, dar glórias a Deus na hora errada, sem uma razão naquele momento do culto para isso); e também não um barulho que destoa da vida lá fora (ou seja, que o barulho do testemunho e do caráter também seja tão alto quanto o barulho de adoração no culto a Deus). Deve ser um barulho de adoração, de homens e mulheres que desejam adorar em espírito e em verdade. “Ó, vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do Senhor que nos criou” (Sl 95.6). “Feliz é o povo que conhece o som festivo” (Salmos 89.15).

Onde está o povo barulhento? O povo barulhento ainda está fazendo barulho de adoração, de louvor e exaltação Àquele que é digno de toda honra e toda glória: nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!

Notas

(1) http://wwwpanoramacristao.blogspot.com.br/2011/11/as-cantoras-pentecostais-que-marcaram-o.html?m=1. Acesso em 02.04.2019.

(2) https://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A1dio_C%C3%ADcero_Pompeu_de_Toledo. Acesso em 02.04.2019.

(3) HORTON, Stanley M. Um dia em Azusa. Revista Manual do Obreiro, ano 28, nº 34, 2º trimestre de 2006. Rio de Janeiro: CPAD. Págs. 31, 32

Por Jonas José de Oliveira Maria.

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