Feminino e feminismo à luz da Bíblia

Feminino e feminismo à luz da Bíblia

A criação de homem e mulher revela a sua igualdade fundamental ante Deus: criados à Sua imagem e à Sua semelhança. Depois da entrada do pecado no mundo, homem e mulher têm suas posições alteradas em função desta nova realidade, afetada pela queda. O primeiro casal, ao receber a condenação pelo seu pecado, ouviu do Senhor também uma promessa quando Ele sentenciou a serpente: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3.15).

Toda a esperança da humanidade passa então a repousar no ventre de uma mulher, quando ela conceber de Deus o Salvador. Até esse momento, a maternidade era o atributo através do qual a humanidade se desenvolveria e tomaria conta do planeta. “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” (Gênesis 1.27,28). Mas, a partir desse dia, a maternidade se tornou a grande esperança da humanidade.

A verdadeira atenção à mulher não começa com o movimento feminista, mas com o protoevangelho. Em Cristo, as mulheres são dotadas de dignidade. Exemplos não faltam: a mulher samaritana foi a primeira a ouvir a declaração messiânica (João 4.26) e se tornou missionária (João 4.39); as mulheres foram as primeiras testemunhas da ressurreição e responsáveis pelo seu anúncio. O Evangelho se torna um “assunto de mulheres”: “E, voltando do sepulcro, anunciaram todas essas coisas aos onze e a todos os demais. E eram Maria Madalena, e Joana, e Maria, mãe de Tiago, e as outras que com elas estavam as que diziam estas coisas aos apóstolos. E as suas palavras lhes pareciam como desvario, e não as creram” (Lucas 24.9-11). A verdadeira valorização da mulher resulta no anúncio do Evangelho.

No Pentecostes, línguas de fogo distribuídas sobre homens e mulheres cumprem a profecia de Joel de que o Espírito seria derramado sobre servos e servas. O verdadeiro empoderamento é obra da expansão do Evangelho. As culturas da Antiguidade retratavam a mulher pelas suas características reprodutivas (seios, ventre, quadris), dado o culto à fertilidade, tão comum, com uso de sacerdotisas e prostitutas cultuais. A mulher era reduzida ao corpo. No Cristianismo, a mulher é espírito, alma e corpo; e sua interioridade, mais relevante. Ao reverso do mundo, o Cristianismo rejeita a erotização da mulher, se opõe à indústria cultural que exalta as aparências e insiste que a espiritualidade é o maior valor feminino: “Que a beleza não seja exterior [...] mas que ela esteja no ser interior, uma beleza permanente de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus. [...] Maridos, dando honra à esposa, por ser a parte mais frágil e por ser coerdeira da mesma graça da vida.” (1 Pedro 3.3-7 – NAA).

A parte mais frágil tem relevo de honra. Não é ideia de fraqueza, mas de sensibilidade. Um cristal é mais frágil que vidro (nem por isso menos precioso) e assim demanda maior cuidado. O verdadeiro combate à violência doméstica é fruto da obediência ao Evangelho. Temos vivido tempos difíceis, em que a negação do padrão bíblico tem solapado estruturas civilizacionais e produzido uma sociedade doente e destrutiva. Urge lembrar que é no Ocidente que as ditas lutas femininas têm espaço, sobre um solo judaico-cristão onde igualdade e liberdade floresceram.

O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas atesta: “Para a autocompreensão da modernidade, o cristianismo tem funcionado como mais do que apenas um precursor ou catalisador. A igualdade universalista, da qual surgiram os ideais de liberdade e vida coletiva em solidariedade, a conduta autônoma da vida e da emancipação, a moralidade individual da consciência, os direitos humanos e a democracia, são o legado direto da ética judaica de justiça e da ética cristã do amor. Esse legado, substancialmente não modificado, tem sido objeto de uma contínua reapropriação e reinterpretação críticas. Até hoje não há alternativa para ele. [...] Devemos tirar sustento agora, como no passado, dessa substância. Tudo o mais é conversa pós-moderna inútil”.

Não precisamos ir longe para perceber que onde o Cristianismo não floresceu a liberdade e a igualdade assumiram significados diferentes. Em certo sentido, o movimento feminista de primeira geração é consequência do desenvolvimento desses ideais na História. O problema hoje são camadas acrescidas pelas ondas subsequentes, que trouxeram militância performática (uso de atrocidades só pelo seu “valor de choque”), abolição dos “tabus morais”, promoção do aborto, políticas de identidade, ideologia de gênero etc.

A radicalização trouxe pautas nada cristãs. Fosse possível definir o feminismo, seria um tipo de totalitarismo, ao afirmar “Toda mulher não-feminista é traidora”; “Todo homem é opressor”; “A família tradicional deve ser erradicada”. A inserção feminina na vida político-intelectual, no mercado de trabalho e na arena pública são clamores legítimos. Ilegítimo é o espírito insurgente que ignora que homens e mulheres precisam uns dos outros. Há papéis distintos, responsabilidades próprias e privilégios correspondentes. Como qualquer luta movida por ira e ressentimento, a tendência do feminismo é inverter os papéis em vez de equilibrá-los: a mulher quer ser o opressor do seu opressor.

Nossa natureza caída, nossos interesses prejudicados e enviesados pelo pecado, não são confiáveis. Carecemos da orientação da Escritura. Emancipados da paternidade divina, sofremos perda de identidade e conflitos de toda ordem. O preconceito contra a mulher é vil. Deus vê o misógino como violador do pacto que Ele fez no Éden. Devemos olhá-lo com misericórdia e saber que o Senhor, Justo Juiz, dará a cada um conforme suas obras. A justiça humana é falha. Todos nós devemos nos humilhar sob a potente mão de Deus; Ele, ao Seu tempo, nos exaltará.

Ainda há uma incompreensão sobre o valor do feminino. O feminismo é de muitas maneiras fruto dessa incompreensão. Apenas voltando à Palavra de Deus podemos alcançar os propósitos divinos para homens e mulheres: que mantenham comunhão com Ele e vivam as Suas promessas. O verdadeiro resgate da mulher é operado pelo Evangelho. Em Cristo são reconciliados judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher. “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3.26-28). NEle somos um!

Bibliografia

HABERMAS, Jürgen, Religion and Rationality: Essays on Reason, God and Modernity, MIT Press, 2002, p. 149.

Por Glória Cruz.

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