Cristãos sob risco de vida no Afeganistão após tomada do país pelo Talibã

Cristãos sob risco de vida no Afeganistão após tomada do país pelo Talibã

“Sabemos quem vocês são e estamos indo atrás de vocês” diz Talibã as comunidades cristãs no país, que viveram crescimento nos últimos 20 anos

Após 20 anos, o Afeganistão está agora novamente nas mãos dos soldados do Talibã. Pouco mais de um mês depois de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, dizer em coletiva, com toda segurança do mundo, que não havia risco de isso acontecer, que estava tudo seguro, a capital Cabul foi tomada. O presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu do país. O palácio presidencial foi rapidamente ocupado pelo Talibã, que retornou mais forte do que nunca. Até o fechamento desta edição, o governo de Biden ainda estava tentando retirar do país cidadãos norte-americanos e tradutores afegãos que haviam ficado pelo caminho e estavam desesperados para deixar o país. A embaixada dos EUA em Cabul ainda estava sendo evacuada. Cerca de 5 mil soldados norte-americanos foram redistribuídos de última hora para tentar garantir uma evacuação segura dos norte-americanos que ainda precisam sair do país. Imagens que circularam pelo mundo via internet mostravam o aeroporto de Cabul tomado por milhares de pessoas tentando fugir do país. Havia até pessoas desesperadas se agarrando nos aviões, com algumas caindo em pleno voo.

De acordo com levantamento feito pela Trafalgar Group, 70% dos norte-americanos desaprovaram a decisão do governo Biden, dentre eles 50% dos democratas (seguidores do seu partido), 90% dos republicanos e 75% dos independentes.

Segundo divulgado amplamente, o Partido Comunista Chinês ofereceu ajuda aos talibãs no Afeganistão. Em 28 de julho, 18 dias antes da tomada do país, líderes do Talibã se reuniram na China, na cidade de Tianji, com Wang Yi, o ministro das Relações Exteriores chinês. Logo que o Talibã tomou o poder, a China declarou apoio total ao novo regime. Nenhuma novidade: o Partido Comunista Chinês já apoia Cuba, Venezuela, Coreia do Norte etc. Ele é hoje o principal apoiador de ditaduras no mundo, além de submeter os chineses a uma ditadura que já dura mais de sete décadas, tendo ceifado, nesse período, a vida de dezenas de milhões de chineses.

Afeganistão já é segundo país mais perigoso para cristãos

Enquanto estávamos fechando esta edição, já havia notícias de gente sendo estuprada e decapitada nas ruas do Afeganistão pelo Talibã. Mas, não só isso: a segurança dos cristãos estava sob grande risco. De acordo com os relatos das agências missionárias e organizações de direitos humanos, não há mais presença pública de cristãos no Afeganistão. O país já ocupa o segundo lugar na Lista Mundial da Perseguição 2021, publicada anualmente pela Portas Abertas, ficando atrás apenas da Coreia do Norte.

Segundo o relatório, “É impossível viver abertamente como cristão no Afeganistão. Deixar o Islã é considerado vergonhoso, e os convertidos cristãos enfrentam terríveis consequências se sua nova fé for descoberta. Ou eles têm que fugir do país ou serão mortos”. O diretor de campo da Missão Portas Abertas para a Ásia destacou que estão monitorando a situação, mas que é hora de pedir a Deus por misericórdia não só do Seu povo, mas do país como um todo. “Agora que o Talibã está no poder, a vulnerabilidade dos crentes secretos aumenta dez vezes. Ore pelo pequeno grupo de crentes no país, os deslocados, as mulheres e os enfermos, e também para que o país não seja um refúgio para extremistas”, conclamou. Segundo o jornal Christian Today (não confundir com o tradicional Christianity Today), o líder de uma igreja em Cabul disse logo após a tomada da cidade pelos radicais: “O Talibã está enviando cartas às igrejas dizendo: ‘Nós sabemos quem vocês são e estamos vindo atrás de vocês’”.

Outro alerta também foi feito pelo produtor do ministério parceiro da TV SAT-7, Media Mission the Messengers, que afirma ser “uma situação muito terrível”. “Nossos amigos, nossos irmãos e irmãs em Cristo, estão nos dizendo o quanto eles têm medo de que suas vidas sejam destruídas”, conta. “Estamos vendo as mesmas coisas de antes nas áreas que o Talibã agora controla. As meninas não podem ir à escola e as mulheres não podem sair de casa sem um companheiro”, acrescentou ele, que viveu no Afeganistão.

Igreja afegã cresceu muito nos últimos 20 anos

Alguns cristãos que trabalharam para o governo já relatam estar sofrendo com represálias. Assim como a Missão Portas Abertas, a TV SAT-7 lançou uma campanha de oração pela situação no país, enfatizando: “Muitos vieram a Cristo de todas as etnias em todo o Afeganistão. Por favor, ore nas próximas semanas para que Jesus, o Príncipe da Paz, reine em muitos corações”.

O chefe de Relações e Mídia da organização cristã “The Voice of the Martyrs” (“A Voz dos Mártires”), Todd Nettleton, acredita que o Talibã estava esperando todo esse tempo e ressalta que “não precisamos nos perguntar o que eles vão fazer, porque nós já vimos antes. Sabemos sobre a opressão sobre as meninas. Eles forneceram um refúgio para Osama bin Laden e os cristãos foram perseguidos pelo Talibã”.

Para Nettleton, dessa vez, o número de cristãos afetados será maior. “A perseguição aos cristãos não será pior em nível, mas será pior em termos de números, porque há mais cristãos no Afeganistão hoje do que havia 20 anos atrás”, destaca. Segundo uma estimativa de 2009 do Departamento de Estado nos EUA, havia naquela época cerca de 8 mil cristãos naquele país, e as informações é de que esse número tinha aumentado nos últimos anos.

A dificuldade de saber exatamente quantos cristãos há no Afeganistão se deve justamente ao fato de que muitos deles se reuniam em igrejas secretas devido à hostilidade de grande parte da maioria muçulmana no país. A Constituição afegã que prevalecia até a tomada do Talibã permitia a existência de outras religiões além do Islamismo, contanto que elas não “ameaçassem” o Islã. De forma geral, há no país muçulmanos intolerantes e muçulmanos mais tolerantes, com a tolerância sendo maior nas grandes cidades onde havia a presença dos soldados dos EUA. Agora, com o controle delas pelo Talibã, o radicalismo passa a ser a regra.

Um pastor nos Estados Unidos postou a seguinte nota no Facebook sobre os filhos de missionários cristãos que moram em Cabul: “Apenas FaceTimed com eles! Eles estão se escondendo, cercados por tiros e bombas. Todos estão se escondendo em suas casas. O Talibã está capturando mulheres e massacrando qualquer um que resista a eles. Eles vão matar todos os estrangeiros e qualquer pessoa que tenha trabalhado com estrangeiros nos últimos 20 anos”.

Divulgado amplamente em redes sociais, o pedido urgente de oração feito por um casal de dentistas missionários, identificados aqui como Marresh e Sharridna por questão de segurança, que atualmente servem ao Senhor na Albânia e Bósnia, conta um pouco do desespero de uma missionária enfermeira no Afeganistão e a preocupação com os crentes que lá ficaram. “Queridos irmãos da nossa igreja, hoje fui ao aeroporto de Tirana buscar nossa missionária, a enfermeira Radinah [nome mudado por questão de segurança], que mora há seis anos no Afeganistão. Hoje a cidade onde trabalhamos juntos, Mazar-e-Sharif, foi invadida pelo Talibã, que marchou vitorioso pelas avenidas da cidade. Ela chegou em casa somente com a roupa do corpo. As malas ficaram em Cabul. Ela está no celular direto falando com os irmãos e irmãs de lá. O Talibã já ordenou que todas as meninas que já têm 15 anos e ainda não se casaram serão distribuídas entre seus soldados para engravidar dos novos soldados do islã. Ela está exausta, mas não descansa. Também estou muito triste com as notícias dos amigos. Vai haver um banho de sangue, a partir de hoje, de nossos irmãos na fé. Cabul está cercada e não vai resistir por mais uma semana. O governo da China está apoiando abertamente o Talibã. Todos os estrangeiros que puderam sair já se foram, mas as famílias pobres estão esperando a catástrofe. Vamos orar e jejuar, pois nossos irmãos vão sofrer horrores”, diz o pedido.

Diante desta trágica situação, como não poderia ser diferente, todas as agências missionárias do mundo lançaram campanhas mundiais de oração pelo Afeganistão. Oremos pelo povo afegão.

Depoimento de missionária brasileira em Cabul

A equipe de Jornalismo da CPAD conseguiu entrar em contato com uma missionária brasileira que estava em Cabul e conseguiu fugir do país logo após a invasão do Talibã. A missionária, cuja identidade não pode ser revelada por questões de segurança, conta sobre o período em que esteve lá e a situação do país durante a sua partida. “Vivemos em Kabul por 3 anos e meio. Trabalhávamos na área de educação. Junto com outros brasileiros missionários, montamos um pré-escolar e tínhamos aulas de artes e inglês para adolescentes. Isso funcionou por 3 anos, mas quando o Talibã estava fazendo ataques a Cabul, em um deles, a nossa organização foi atacada. O líder da organização, seus filhos e muitos cristãos que estavam ali reunidos naquele dia morreram. Agora, a escola não mais existe, mas muitos foram treinados lá e tínhamos afegãos convertidos junto conosco”, relata a missionária brasileira.

“O receio que os cristãos no Afeganistão têm hoje é de perder a total liberdade que eles puderam ter desde quando os americanos chegaram lá. Antes de os americanos chegar, a igreja sempre se reunia de portas fechadas, sempre com dificuldade de compartilhar com os afegãos sobre o Senhor. O medo era grande. E a gente viu, durante todo esse período em que os americanos estiveram lá, a igreja crescer. Pessoas se converteram, cresceram na fé, se desenvolveram em conhecimento, em profissão, puderam estudar - especialmente as mulheres. Com o Talibã, isso é roubado”, relata a missionária.

Quem são os talibãs?

A palavra “talibã” vem do pashto, significando “estudantes”. De acordo com a explicação mais comum, quando duas adolescentes foram sequestradas e estupradas em 1994 por seguidores de um “senhor da guerra” no Afeganistão, um grupo de 30 estudantes se juntou ao clérigo da aldeia, Mullah Muhammad Omar, para resgatar as meninas e enforcar o comandante do grupo em um barril. Seu grupo cresceu em força e popularidade, eventualmente ganhando o apoio de partidos religiosos dentro do vizinho Paquistão. No caos do Afeganistão pós-soviético, a aplicação da ordem e da lei foi um alívio bem-vindo para a população. Eles conquistaram Kandahar, a segunda maior cidade do Afeganistão, no final de 1994 e, dois anos depois, tomaram a capital Cabul. Em 1998, eles já ocupavam cerca de 90% do território do país.

Em pouco tempo, ficou claro que o Talibã imporia uma versão radical do Islã semelhante ao wahabismo na Arábia Saudita. Eles forneceram refúgio ao terrorista Osama bin Laden e formaram uma base importantíssima para a ascensão da Al-Qaeda. Logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, eles se recusaram a expulsar Bin Laden e encerrar seu apoio ao terrorismo. Em resposta, uma coalizão liderada pelos EUA invadiu o Afeganistão para removê-los do poder. Uma nova constituição foi adotada em janeiro de 2004, criando uma democracia parlamentar.

As forças dos EUA permaneceram no país durante 20 anos enquanto o governo afegão desenvolvia uma força militar com o objetivo de impedir o retorno da Al-Qaeda e de outras organizações terroristas. Ao longo dessas duas décadas, mais de 2.300 militares dos Estados Unidos foram mortos no Afeganistão, com mais de 20.000 feridos.

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