Fé diante de um mundo sem confiança

Fé diante de um mundo sem confiança

Em grande medida, nossas vidas são desenhadas nos estreitos limites daquilo que legitimamente esperamos que aconteça. Embora todos tenhamos alguns sonhos distantes, o planejamento sério de nosso futuro (curto, médio ou longo prazo) é traçado com base em previsões sensatas acerca do que vislumbramos para o amanhã. Tais previsões levam em consideração características, preferências, oportunidades, crenças e tantos outros fatores que, internos ou externos, nos permitem certa segurança na definição da história de vida que escrevemos. Tudo isso diz respeito ao princípio da confiança, pelo qual legítimas expectativas retiram o temor da incerteza e permitem ações assertivas na busca pela felicidade individual.

De modo geral, a confiança está embasada em dois fatores que influenciam diretamente nas circunstâncias do “aqui e agora”. O primeiro deles, de matriz no passado, diz respeito às nossas experiências pretéritas confirmatórias. São justamente aquelas situações que já vivenciamos anteriormente e, por isso, levam-nos a um raciocínio analógico de que outras situações semelhantes apresentarão iguais soluções. O segundo fator possui matriz no futuro, a partir de uma análise das consequências que normalmente acontecem. Nesse sentido, em uma prospecção, avaliamos quais são os prováveis desfechos de nossas escolhas para saber se vale a pena seguir com elas. Assim se edifica um juízo de previsibilidade que nos confere um nível satisfatório de segurança acerca da vida tal como vivemos.

A consequência disso é uma sensação confortável de controle sobre os principais aspectos da existência. Avaliar coisas que já aconteceram no passado e projetar o que provavelmente acontecerá nos ajuda a antecipar os efeitos das decisões que edificam nossa história. E, naquilo que não possuímos esta sensação de controle, podemos tomar cautelas necessárias para nos aproximarmos de pessoas que completarão nossa confiança, como médicos, advogados, políticos, encanadores, terapeutas e tantos outros a quem confiamos o que foge ao nosso controle.

O fato é que viver sob as garantias do princípio da confiança proporciona segurança suficiente para que possamos nos sentar ante o pôr do sol e, tranquilos, mentalizar os próximos dias, meses e anos com bom nível de otimismo. Quando estamos neste cenário, paz, esperança e plenitude nos acompanham. A vida está em nossas mãos e nela podemos vislumbrar todos os nossos projetos.

No entanto, algumas circunstâncias abalam o princípio da confiança. Podem ser externas ao nosso controle ou até mesmo decorrer de uma falha individual de cálculo. O fato é que haverá momentos em que as experiências pretéritas não serão suficientes para confirmar o que provavelmente acontecerá, nem seremos capazes de prever as consequências normais do que está a se desenrolar.

Um evento como a pandemia é desses rompimentos de confiança. Ineditismo, descontrole e ubiquidade são características do tempo pandêmico que reduziram os níveis de segurança e controle que possuíamos sobre nossas vidas. Basta verificar a insuficiência de medidas possíveis para conter o espraiamento do vírus e o medo real de contaminação que aflige a maior parte da população. Sem contar as repercussões econômicas, políticas e sociais deste conturbado período. O fato é que estamos passando por grande abalo em relação ao que legitimamente podemos esperar do futuro.

Neste cenário de desconfiança, a vida parece escorrer de nossas mãos, derretida pela sensação de descontrole decorrente da proximidade com o imprevisível. É um tempo convidativo ao medo, à superestimação do risco, ao pessimismo, à ansiedade, às doenças psicossomáticas; enfim, ao desespero em suas mais variadas formas.

Diante de tudo isso, o princípio da confiança parece não ser mais suficiente para garantir nossa existência, muito menos para que esta existência seja atrelada a valores como segurança, paz ou controle. Mesmo assim, acordamos pela manhã com as mesmas expectativas de outrora em termos de construção de uma vida digna e feliz.

Quando a própria vida não nos fia um futuro tal como esperado, surgem dúvidas e crises interiores que não devem ser desprezadas, sob pena de sucumbirmos ao cinismo. Lutamos contra pensamentos, questionamos os próprios planos, procuramos quem verdadeiramente somos. Crises de confiança fazem desmoronar as estruturas nas quais, até então, estávamos apoiados. Mas, é aí que surge a grande oportunidade de descobrir a verdadeira vida.

Muitos acham que confiança e fé são expressões sinônimas. Ledo engano. Como já exposto, a confiança trabalha com expectativas prováveis; já a fé atua em face da improbabilidade. É assim que a Bíblia Sagrada a define, em Hebreus 11.1: “Firme fundamento das coisas que se esperam” e “Prova das coisas que se não veem”. Logo somos lembrados acerca de Abraão, o “Pai da Fé”, que “em esperança, creu contra a esperança” (Romanos 4.18), dada a improbabilidade de, já sendo um velho centenário, gerar um filho de forma natural. A Bíblia está repleta de cenários de desconfiança, em que legítimas expectativas frustradas foram reposicionadas perante uma atitude de fé e pessoas descobriram seus reais propósitos.

É assim que as dificuldades do tempo presente acabam por nos apontar para a única alternativa possível, que se personifica em Jesus Cristo. Ele declarou ser o “caminho, a verdade e a vida” (João 14.6) e quem o reconhece jamais ficará desamparado. Ele salva e guia, pois há momentos em que é preciso perder a própria vida para, finalmente, encontrá-la. 

Por Leonardo Dantas Costa.

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