Reflexões para a igreja na pandemia

Reflexões para a igreja na pandemia

A pandemia e os protocolos da saúde nos levaram a inaugurar a virtualização do sagrado. Eles provocaram polêmicas que foram disseminadas nas redes sociais a respeito da importância do templo, que costumeiramente chamamos de igreja. Um grupo, decepcionado com os governantes por fecharem os templos, os rotularam de fascistas, comunistas e outros “istas”; outro grupo, defendendo que não precisamos de templo para adorar a Deus, ficou na expectação.

O primeiro grupo, certamente, não entendeu bem o posicionamento dos protocolos de saúde e afloraram um tipo de fissuração pelo templo; e o outro grupo, entendendo os protocolos, se baseou em passagens bíblicas onde o próprio Jesus, numa dessas passagens, libera o espaço físico ao conversar com a mulher samaritana e fortalece o ensino de que devemos adorar em espírito e em verdade, em qualquer lugar. Jesus não descartou os templos, não aboliu a bênção da congregação, não acabou com o culto coletivo onde as ações do Espírito Santo, distribuindo os dons, deveriam continuar. Jesus quis desapegar o conceito de que só no templo seria possível adorar.

Envolvi-me em uma pesquisa com 3 mil pessoas de várias denominações sobre as igrejas na pandemia e percebi pelas pesquisas que muitos tinham o púlpito e o templo como lugares sagrados e intocáveis, sendo que Atos 17.24 afirma que Deus não habita em templos feito por mãos de homens. Deus habita em templos feito pelas mãos dEle: eu e você! Somos templos do Espírito Santo!

No segundo grupo, alguns se sentiram “empoderados”, ou seja, com os templos fechados, se sentiram tendo domínio sobre suas próprias ações, com os púlpitos físicos sendo agora virtuais e improvisados. Devido à distância ocular/presencial do pastor, começaram a buscar outros “ares”. Iniciaram uma busca movidos pela curiosidade, participando de outras igrejas virtuais, de maneira fácil, gratuita, à distância de alguns dedos, onde para muitos ocorreu um encantamento com o novo, com o inédito. Daí em diante, foi muito fácil tecer comparações, fazer críticas à sua própria igreja e divulgar às pessoas próximas suas “grandes descobertas”.

Alguns resultados dessa abrangente pesquisa, idealizada pelo pastor Lourenço Stelio Rega, são: 82% dos entrevistados receberam links extras (de outras igrejas/pregadores) durante pandemia; 25% desses entrevistados entenderam que o que viram/ouviram era melhor do que suas igrejas/pastores; e 62% acharam muito iguais, portanto, denotaram certa decepção e desânimo. Se isso ocorreu, podemos deduzir que há certa insatisfação com o que estavam recebendo atualmente ou até antes da pandemia de sua própria igreja/pastor. Isso é um sinal de alerta.

Uma outra pesquisa, realizada pelo pastor Ariel da Silveira, exclusivamente dentro da Assembleia de Deus em Curitiba, junto a várias faixas etárias, trouxe uma visão importantíssima de como essa geração culturalmente se apresenta e como ela espera que seus líderes estejam. Foram pesquisados grupos de 3 mil, 4 mil e 2,5 mil em pelo menos três eventos para jovens, em datas diferentes, onde os resultados (valores arredondados) foram: 10% tinham até o ensino fundamental; 35% tinham até o ensino médio; 55% tinham ou estavam cursando o ensino superior, inclusive alguns pós-graduados, com mestrado e doutorado. Um outro resultado obtido entre algo em torno de 500 participantes de nível mentorial trouxe um dado importante: o desejo de 80% dos pesquisados de que seus líderes fossem mais estudados/preparados.

Uma pesquisa bem ampla durante a pandemia nos EUA promovida pelo respeitado instituto cristão norte-americano Barna Group apresentou o seguinte resultado: 1/3 dos membros da igreja estão seguindo os cultos on-line de sua igreja; 1/3 não seguem nada (Desigrejados?); e 1/3 estão de forma itinerante (Buscas variadas).

Essas pessoas que agora se dizem liberadas para seguirem a vida cristã virtualmente, da maneira que lhes convém, devem se lembrar que o congraçamento não deve acabar. Essa comunhão presencial nunca foi quebrada pela Bíblia; ao contrário, há inúmeros estímulos para crescermos juntos, como corpo de Cristo, bem ajustados uns aos outros, o que só é possível se nossas interações vão além do mundo virtual.

Uma pergunta que deve estar bem aclarada no coração dessas pessoas é: No caso de uma necessidade pessoal, familiar, seja ela qual for, qual pastor virtual ou igreja virtual irá lhes acolher? Como desenvolverão seus dons na frente de uma tela? Que tipo de alimento espiritual está sendo “ingerido”? Terão debilidade?

Por outro lado, as igrejas devem ter em seus cultos sempre uma boa Palavra, uma doutrina bíblica apurada. Devemos nos preocupar em alimentar bem espiritualmente o nosso povo, os nossos jovens, os nossos filhos.

Qual a nossa visão do propósito de Deus nisso tudo? Transição? Nova reforma? Novo senso de adoração? Será que Deus estaria nos propondo reflexões profundas a respeito de que Ele não se restringe só ao espaço, templo, púlpito, estrutura atual, com nosso talvez excesso de programas ou eventos, e teríamos que repensar um novo modo de evangelização, de missões, de cuidados profundos das almas existentes e das que virão e que para tanto devemos empreender estupendos esforços na ajuda da descoberta dos dons, especialmente os de serviços, e também estabelecer treinamentos para haver fluência em seu plano de fazer o evangelho chegar a todos os povos?

Não estaria Deus querendo harmonizar tradição com inovação, estimular a aproximação de pastores com jovens, para que através das mídias inovadoras o evangelho dissemine de maneira relâmpago, de maneira abrangente, atingindo todo o mundo, se apropriando de tecnologias digitais? Não estaria Deus nos propondo um ensaio nessa modalidade de comunicação, nesse período de confinamento, já que muitos pastores, de maneira ainda que discreta e incipiente, já deram início à utilização de plataformas de rede?

A evangelização deve se restringir só ao púlpito? Só aos domingos, nos chamados cultos públicos de evangelização? Só vale o domingo? Todos têm o hábito de levar visitantes em nossos cultos? Deus não estaria nos chacoalhando através dessa pandemia? Nossos templos têm servido sempre para contagiar? Nossas ovelhas estão contagiando?

Podemos nos lembrar da perseguição que o Senhor permitiu em Jerusalém (Atos 8.1-4) quando a igreja passou a ter estupendo crescimento. O povo saiu das 4 paredes e passou a pregar! Deus não estaria nos provocando para sermos cada um como um “vírus” que contagiará a outros a conhecerem a Jesus? Se continuarmos como estávamos/estamos, seremos contagiantes? Que modelo de pregação estaremos expondo daqui pra frente? Já pesquisamos junto aos nossos membros se na segunda-feira eles se lembram do que foi pregado no domingo?

Estamos preparados para amparar pessoas que perderam seus parentes nessa pandemia e não puderam dignamente sepultar seus mortos e – em alguns casos – nem um oficial de sua igreja estava presente? Esses lutos estão até hoje interrompidos e precisam ser elaborados na alma das viúvas, dos viúvos, dos filhos e dos pais que se separaram num cemitério, quando tiveram autorização ou não pra ir. Para isso se faz necessário um trabalho psicoteológico bem aplicado, para ter eficácia na alma e no espírito dessas pessoas enfermas.

Mais do que nunca, precisamos de homens e mulheres que exerçam o ministério do aconselhamento, para amparar, acolher, dar esperança a essas pessoas tão feridas em seus íntimos. “Desperte o dom que há em ti” (2 Timóteo 1.6).

Por Nílton Didini Coelho (julho/2021).

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