A doutrina da justificação pela fé ensina que o pecador é justificado (absolvido da condenação do pecado) unicamente pela fé na graça divina; que a salvação é dom gratuito e imerecido de Deus aos pecadores e que só pode ser recebida por meio da fé (Efésios 2.8,9). As obras humanas não podem salvar, mas apenas a fé em Cristo por meio da recepção da graça de Deus. Ao descrever a ação divina para nos justificar, os termos usados na Bíblia apontam para o contexto judicial e forense: Deus torna livres os pecadores condenados e os declara plenamente justos e isentos de toda culpa mediante a fé na obra de Cristo na cruz. Quanto a esta verdade, o Novo Testamento jamais afirma que a justificação é dia pistin (em troca da fé), mas sempre dia pisteos (mediante a fé). A fé não é meritória, mas só o meio de se receber a justificação. Deste modo, a justificação pela fé está atrelada à graça divina: “A Bíblia deixa duas coisas bem claras. Em primeiro lugar, não é por causa de nenhuma boa obra de nossa parte. Realmente, 'Cristo morreu debalde' se a justiça provém da obediência à Lei (Gálatas 2.21) [...] Em segundo lugar, no próprio âmago do Evangelho encontra-se a verdade de que a justificação tem sua origem na graça de Deus (Romanos 3.24) e sua provisão no sangue que Cristo derramou na cruz (Romanos 5.19), e nós a recebemos mediante a fé (Efésios 2.8)”.(3)
Lutero, ao receber a paz pela fé, escreveu: “Finalmente compreendi que a justiça de que fala o evangelho é aquela pela qual Deus, em Sua graça, nos justifica. Imediatamente senti que renascia para uma nova vida”.(4) Por ser fundamentada nas Escrituras, a justificação pela fé inevitavelmente conduziu a Reforma ao princípio de sola scriptura e seus desdobramentos: sola gratia (somente a graça), sola fides (somente a fé) e sola Christus (somente Cristo). Todos esses princípios estão presentes na doutrina da justificação pela fé. Logo, Lutero afirmava que “a doutrina da justificação não é só mais uma doutrina; é o artigo fundamental da fé, pelo qual a igreja se firmará ou cairá e do qual depende toda a doutrina”.(5)
Porém, o desenvolvimento dessa doutrina culminou em divergências quanto à “mecânica da salvação”. Este termo, cunhado por Silas Daniel, indica que os reformadores eram concordes quanto à mensagem e ao método da salvação, mas discordavam de temas doutrinários acerca da eleição, predestinação, livre-arbítrio, presciência e soberania de Deus. Ao dirimir tais diferenças, a posição pentecostal quanto à justificação pela fé e a mecânica da salvação pode ser observada nos artigos de fé 5, 6 e 7 do Cremos (credo menor) das Assembleias de Deus, que confessa crer: “Na pecaminosidade do homem, que o destituiu da glória de Deus e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo podem restaurá-lo a Deus (Romanos 3.23; Atos 3.19). Na necessidade absoluta do novo nascimento pela graça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus para tornar o homem aceito no Reino dos Céus (João 3.3-8, Efésios 2.8,9). No perdão dos pecados, na salvação plena e na justificação pela fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (Atos 10.43; Romanos 10.13; 3.24-26; Hebreus 7.25; 5.9)”.(6)
Estas verdades centrais presentes no Cremos são pormenorizadas na Declaração de fé (credo maior) da seguinte forma: “A salvação está disponível a todos os que creem. [...] A predestinação genuinamente bíblica diz respeito apenas à salvação, sendo condicionada à fé em Cristo Jesus, estando relacionada à presciência de Deus. [...] A graça de Deus é manifestada salvadoramente maravilhosa, perfeita; entretanto, não é irresistível. [...] A fé antecede a regeneração. [...] Foi Deus quem tomou a iniciativa na salvação. [...] É por meio da graça que Deus capacita o ser humano para que ele responda com fé ao chamado do evangelho. [...] Os seres humanos, influenciados pela graça que habilita a livre escolha, são livres para escolher. [...] Deus proveu a salvação para todas as pessoas, mas essa salvação aplica-se somente àquelas que creem. [...] Nesse sentido, não há conflito entre a soberania de Deus e a liberdade humana”.(7)
A soteriologia das Assembleias de Deus é concorde com a doutrina da “justificação pela fé” e com a “mecânica da salvação” arminiana. O ensino arminiano pode ser resumido assim: “Aquele que é salvo em Cristo não fez nada para ser salvo, pois sua salvação foi totalmente propiciada por Deus; ele apenas recebeu, passivamente, confiantemente e de mãos vazias, aquilo que de graça foi feito por Deus em seu favor, algo que ele não podia fazer por si mesmo. E ele só pode receber a salvação porque Deus, pela Sua graça, ativou seu livre-arbítrio para as coisas espirituais, sua capacidade de responder positivamente ao chamado divino para ser salvo, a qual havia sido comprometida após a Queda. Tudo vem de Deus”.(8)
Notas
(1) SAUSSURE, A. de. Lutero: o grande reformador. São Paulo: Vida, 2003.p.22.
(2) DANIEL, Silas. Arminianismo. A mecânica da Salvação. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.p.146.
(3) HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.p.373.
(4) SAUSSURE, A. de. Lutero: o grande reformador. São Paulo: Vida, 2003.p.25.
(5) OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001.p.399.
(6) CGADB. Declaração de Fé das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, p. 13.
(7) CGADB. Declaração de Fé. Capítulo X. Sobre a Salvação. Rio de Janeiro: CPAD, p. 63-64.
(8) DANIEL, Silas. Arminianismo. A mecânica da Salvação. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.p.18.
Por Douglas Baptista.
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