O cristianismo criou a notação musical

O cristianismo criou a notação musical

Tanto a notação musical primitiva, no século 9; com a moderna, no séc. 11

No primeiro milênio do Cristianismo, não temos informações diretas sobre a melodia dos hinos, porque nessa época ainda não existiam os manuscritos musicais, posto que não existia a notação musical e nem havia necessidade, pois as melodias eram propriedade de todos os crentes e eram bem conhecidas. Porém, uma vez que foi criado o canto gregoriano e a divisão de vozes, foi necessária a criação da notação musical para que a forma de cantar os hinos em várias vozes não fosse esquecida.

Foram os monges cristãos medievais que produziram os primeiros e melhores hinógrafos e músicas, tais como Romano, o Melodista; João Damasceno, André de Creta e Teodoro, o Estudita. Os monges produziram uma notação musical sofisticada que permitiu aos escribas preservar, em códices escritos à mão, as elegantes práticas musicais do Oriente medieval. Os monges eram contrários apenas à música mundana, ao exibicionismo musical e ao canto de refrãos não-escriturísticos. 

A tradição cristã primitiva era de uma música puramente cantada ou vocal, sem instrumentos e tendo um estilo que consistia apenas na melodia, sem acompanhamento. Essa música monofônica é frequentemente chamada de “cantochão” e não tem ritmo fixo. Não havia notas para registrá-lo até depois do século 9. Isidoro de Sevilha, no sétimo século, lamentou o fato de que as melodias de muitas músicas eram esquecidas com o tempo, porque não havia como escrevê-las. Somente no final do primeiro milênio foi que se reconheceu que as memórias frágeis dos cantores não estavam conservando adequadamente as melodias sagradas e então algo foi feito para corrigir isso. Uma notação elementar foi concebida, usando pequenos traços, curvas e pontos para produzir um gráfico aproximado dos altos e baixos da melodia. Os primeiros “neumas”, como eram chamados, não apresentavam notas específicas, portanto não podiam ensinar uma melodia desconhecida a um cantor que nunca a tinha ouvido antes; mas eles podiam lembrar a um cantor que já conhecia uma melodia como ela era. No século 12, os neumas evoluíram a ponto de representar notas específicas e até direcionar a maneira de cantar.

A introdução da notação neuma no século 9 teve efeitos positivos e negativos para o cantor. Do lado positivo, isso significava que uma versão oficial de uma melodia de canto poderia ser transmitida, sem alteração ou deterioração, a outros cantores em lugares distantes que não estavam familiarizados com a tradição. Do lado negativo, isso significava que as melodias de canto tinham de fato se tornado fixas de uma vez por todas. É que durante os primeiros nove séculos do Cristianismo, a tradição musical bizantina do canto conseguiu manter vivo um certo fervor improvisado que também se manifestou na espontaneidade de orações e rituais na liturgia cristã primitiva. Agora, com a criação da notação no século 9, as melodias de cantochão foram capturadas em uma estilização rígida. Elas ficaram como que embalsamadas e seus perfis estilísticos se conformaram com os gostos do século 9. Os antigos cantos que se originaram como “orações cantadas” foram doravante “objetos de arte” cristalizados. No entanto, uma vez que a notação neuma estava disponível para os músicos da Igreja Bizantina, era impossível ignorar suas capacidades. E logo a notação se tornou uma força para a experimentação artística, uma vez que deu aos compositores uma maneira de experimentar novas ideias musicais.

A maioria dos primeiros compositores bizantinos contentava-se em praticar seu ofício anonimamente a serviço da Igreja. Seus nomes são desconhecidos e em suas técnicas musicais prevalece uma impessoalidade semelhante. Os primeiros cantos tendem a ser construídos a partir de pequenas reviravoltas da melodia que todos ouviram e usaram por gerações. A palavra “compondo”, na verdade, significa “colocar as coisas juntas”, e isso foi essencialmente o que os compositores bizantinos fizeram. Eles organizaram, ajustaram e estilizaram a partir de um fundo de fragmentos e frases melódicas antigas que estavam ativas na memória comunal. Portanto, quando uma “nova” melodia era criada, muitas vezes não era totalmente nova e original. Mais frequentemente, era um refinamento de algumas cepas existentes. É por essa razão que anteriormente a impessoalidade prevalecia não apenas no anonimato, mas também nas técnicas musicais.

No século 11, o monge italiano Guido d’Arezzo (992-1050) criou a notação musical moderna, com a criação do tetragrama, encerrando com o uso de neumas, e batizou as notas musicais com os nomes que conhecemos hoje: dó, ré, mi, fá, sol, lá e si, que inicialmente ele chamava de ut, re, mi, fa, sol, la e san, baseando-se nas iniciais de um hino em latim sobre João Batista: “Ut queant laxis / Resonare fibris / Mira gestorum / Famuli tuorum / Solve polluti / Labii reatum / Sancte Ioannes”. Depois, a nota “ut” passou a ser chamada de “dó” para facilitar o canto com a terminação da sílaba em vogal.

(Informações extraídas do artigo Early Christian and Byzantine Music: History and Performance, do Dr. Dimitri Conomos, do site da Escola Arquidiocesana de Música Bizantina – Asbm.goarch.org)

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