Desmascaramento da MetaIsrael

Desmascaramento da MetaIsrael

Ao intitular seu clássico livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis convidou seus leitores a um mergulho no universo ficcional, sinalizado prontamente com a expressão “memórias póstumas”. Uma vez que mortos não escrevem livros, somente adentram a experiência literária aqueles que se dispõem a viver aquilo que a Teoria da Literatura chama de “pacto ficcional”. Tendo obtido destaque ao revelar a hipocrisia da sociedade de seu tempo, Machado preferiu alertar aqueles que percorressem as páginas de seu romance declarando, de pronto, não bastasse a identidade da obra, que o interior estava preenchido com uma narrativa do que poderia ser, e não do que é. O leitor não está desarmado – sabe que não está em contato com o real, mas com uma semelhança. Da mesma forma, quando alguém dedica algum tempo para assistir um filme, novela, teatro, prepara-se para viver algo que tangencia a realidade e não que é a realidade em si. Mesmo em se tratando de produções com temáticas bíblicas, é necessário saber que o que está representado não é a exata expressão do texto. A Palavra de Deus inspirada é, por outro lado, o registro da revelação conforme a vontade do Senhor, guardada com zelo poderoso pelo próprio Autor.

Se a ficção não é hipocrisia e, por vezes, transforma-se em ferramenta para denunciá-la, uma vez que revela sua própria máscara, nossa atenção precisa estar nos lugares onde o mascaramento está oculto, dissimulado, pretendendo ser a verdade que nega e com a qual deseja contender. Nossos recentes estudos na Escola Dominical sobre o Sermão do Monte trouxeram o tema, claramente explanado para nosso auxílio nesses dias de intrincadas formas de manifestação da mentira. Isso mesmo, Satanás utiliza-se, hoje, de novas e mais eficazes maneiras de confrontar a Palavra de Deus, procurando enganar o homem e conduzi-lo à morte.

Para o Novo Dicionário da Bíblia (Vida Nova, 2006), hipócrita é o indivíduo que deliberadamente e por hábito professa ser bom, quando está consciente de que não é. É a transliteração do vocábulo grego hypokrites, que significa primariamente “ator” – aquele que replica, pessoa que se oculta sob a máscara. No grego eclesiástico, assumiu o termo que lhe damos modernamente. Na Septuaginta, é por duas vezes empregado para traduzir hanef, “ímpio”. Em estudo para a revista Obreiro (CPAD, edição de 2007), pastor Wagner Gaby resumiu: “Hipocrisia é fingir ser aquilo que não é. O hipócrita é um enganador; hipocrisia envolve a mentira, e isso faz do hipócrita um cooperador de Satanás, o pai da mentira (João 8.44); toda a hipocrisia será descoberta (Romanos 2.16, Apocalipse 20.12) e a hipocrisia revela falta de temor a Deus”.

Quando as máscaras não querem ser aquilo que são, pretendem ser lidas como faces reais, para que tudo seja possível aos seus possuidores, que, ao assumirem para si novas identidades, passam a viver novas vidas, com novas faces ou “skins”. Sim, estamos tratando do fenômeno de alta tecnologia chamado “metaverso”, cujo conceito principal é o de ser “um espaço coletivo e virtual constituído pela soma de ‘realidade virtual’, ‘realidade aumentada’ e internet”, e onde, segundo analistas, “podemos identificar uma nova realidade que poderá auxiliar ainda mais o relacionamento comercial entre nações”; e ainda “o metaverso pode se tornar uma das maneiras mais efetivas de conhecer e testar produtos no meio virtual e realizar as negociações e o processamento das transações de forma automática em redes seguras. Isto é, ambientes virtuais dinâmicos podem quebrar diversas barreiras como distância, idioma, cultura etc., e integrar locais digitais com linhas de produção físicas, por exemplo. Imagine a realização de uma feira de negócios onde brasileiros falam português, árabes falam árabe e o próprio ambiente dinamiza a conversa fazendo com que todos se entendam de uma forma simples e sem barreiras?”.

Adolescentes pedem dinheiro aos pais para comprar uma “skin”, uma face, uma identidade que permita a ele uma boa posição no mundo virtual com o qual está conectado. Lá, pode apresentar-se como escolher, assumir o nome, a forma e a idade que escolher. Um aficionado pode comprar ingresso para assistir uma apresentação do seu cantor preferido e aproveitar o investimento em sua casa. Um investidor compra terras, enquanto outro vende, movimentando um já dinâmico mercado onde transitam bens e recursos que somente existem virtualmente. Sugere-se haver uma vida em paralelo, sugere-se haver uma possibilidade outra, um outro universo, um metaverso.

Percebemo-nos diante de mais um desafio a ser enfrentado pela Igreja: um universo construído com fina elaboração tecnológica, aparência de realidade, um sem número de facilidades e possibilidades financeiras – existindo na forma virtual. Assim, um pastor pode aparecer virtualmente, numa reunião virtual, pregando o Evangelho a uma assembleia de “avatares” manipulados por pessoas que permanecem à distância. Talvez alguns “avatares”, tocados pela pregação, manifestem-se como tendo recebido a Palavra e, quem sabe, expressem sua vontade de seguir a verdade pregada. De que maneira isso afetará a comunidade dos salvos?

Sem desprezar o grande potencial do metaverso como ferramenta para aproximar pessoas e possibilitar negócios, a tecnologia agora disponibilizada precisa ser analisada com cautela para que o seu uso seja benéfico e não prejudicial. Anteriormente, os líderes cristãos tiveram de tomar decisões a respeito do uso da internet, divulgação ou não de sermões nas plataformas disponíveis, uso de recursos para o estabelecimento de contato com seus membros, especialmente nos tempos de reclusão social. São sérias as palavras de Cameron Crowley, da Missão Econômica de Israel em Londres, Reino Unido: “Desde a criação do Google até o domínio do Facebook, o espaço online encontrou novas maneiras de crescer e ter um impacto eterno na maneira como vivemos nossas vidas. Na época, não percebemos o impacto deles, mas será o mesmo com o Metaverso e, em caso afirmativo, até que ponto isso afetará nossas vidas?”. Crowley não é pessimista quanto às novas tecnologias, inclusive destaca importantes aspectos para o cenário israelense em cinco áreas principais: (1) a descentralização da internet e o uso do ZenGo, uma carteira de moeda digital sem custódia, com um forte foco na segurança; (2) a oportunidade oferecida às pessoas de não precisar sair de casa e experimentar situações da vida real no conforto de seu próprio ambiente, além de ter atendimento médico e outros serviços sem se deslocar; (3) permitir o acesso a mercados de maneira mais segura; (4) dar espaço às empresas para alcançar mais clientes e ter uma melhor exibição de seus produtos sem a barreira do idioma e sem lacunas culturais; (5) amplo acesso a jogos, compras e e-sports.

Israel já é citado como possível expoente nessa tecnologia, destacando-se através de empresas que estarão na vanguarda das inovações, até pelo suporte que já possuem num mundo computadorizado. Eventualmente, quando foi anunciada a mudança do nome do Facebook para Meta, ocorreu uma enxurrada de piadas, que perdurarão por um bom tempo, uma vez que o termo meta, em hebraico, significa “morta”. Como o símbolo que antecede a marca é o símbolo do infinito, isso traduz-se, para a cultura israelense, como “morte infinita”, “morte eterna” ou, como explicou uma usuária da rival Twitter, “conhecendo a eternidade da vida após a morte”. As piadas envolvendo o nome em Israel ganharam as redes sociais. A principal associação israelense dedicada a reunir os restos mortais de judeus, prestando assistência às famílias nos dias dolorosos, e cujo lema é “não se preocupe, nós cuidamos de seu morto”, dedicou a mesma mensagem a Mark Zuckerberg, criador da Meta.

Enquanto Israel oscila entre o riso e as ambições comerciais, a Igreja de Cristo já se vê precisando compreender se a decisão para a salvação via representação simbólica é válida; se é lícito ao cristão investir seus recursos em dinheiro e tempo num universo incriado, numa semelhança que pode chegar a ser idolátrica; se uma reunião de avatares pode substituir a comunhão dos crentes e se pode dar lugar às manifestações do Espírito Santo e se a promessa do Senhor de estar presente quando dois ou três dos seus fiéis estiverem reunidos também se verifica para um encontro virtual entre os correspondentes “skins”.

O convite não se resume apenas a mergulhar na “realidade virtual”. As semelhanças querem fazer parte de nossas vidas. Uma semelhança de pastor, em expressão holográfica, pode parecer algo até válido devido à necessidade de obreiros para a pregação do Evangelho. Além disso, evita-se o trânsito e o investimento em trânsito do pregador. Mas, nisso se resumirá o “ide” para as próximas gerações? Essa imagem, que pode ser vista sem que a pessoa de fato esteja não parece prenunciar e preparar a audiência para a adoração de uma imagem outra, a respeito da qual fala a Palavra de Deus?

A Igreja que venceu outras explosões tecnológicas e soube fazer uso delas de forma a não manchar suas vestes saberá lidar com os desafios presentes e futuros debaixo da mesma Graça, almejando a porção dos santos na glória de Deus. Não temamos as máscaras que se identificam como tais – sem medo de Machado de Assis –, mas tenhamos cautela diante daquilo que parece ser para não incorrermos no delírio de nos tornarmos uma igreja com aparência de que vive, mas que morta está.

Por, Sara Alice Cavalcanti.

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