As almas que se encontram no inferno sentem sede?

As almas que se encontram no inferno sentem sede?

Em sua narrativa na Parábola do Rico e Lázaro, Jesus fala das almas no inferno que sentem sede (Lucas 16.19-31). Que tipo de sede é essa? Almas podem sentir sede?

A história do rico e Lázaro discorrida por Jesus exemplifica a situação social de Israel no primeiro século. Enquanto alguns desfrutavam de todo conforto, outros sofriam terríveis privações. O rico desfrutava dos benefícios proporcionados pelo dinheiro; por sua vez, o mendigo Lázaro sofria com as chagas e privações básicas. De acordo com a mentalidade religiosa daqueles tempos, a riqueza era sinônimo de bênção de Deus e a pobreza, resultado da maldição divina. Contudo, o Filho de Deus, em sua narrativa, indicou que “o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o Seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio” (vv. 22,23). A palavra grega κόλπον (seio) indica lugar de honra num banquete. O rico, por outro lado, estava no hades (ᾅδῃ), em tormento (βασάνοις). Daquele lugar horrível, o rico observou Abraão e Lázaro, levantou a cabeça “e, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama”. O homem que outrora desfrutou privilégios neste mundo, sofria no inferno e aguardava receber misericórdia por ser descendência de Abraão.

O juízo divino aqui vem com uma inversão de status: antes o mendigo desejava comer as migalhas que caíam da mesa do rico; agora, no hades, o rico desejava apenas um pouco de água. O homem que não havia aprendido a doar, agora pedia. A miséria de Lázaro é equiparada à miséria do homem rico no pós-morte, depois da “inversão”. A inversão se dá até mesmo na menção do nome. Conforme as histórias judaicas, seria de se esperar a menção ao nome do rico, não do pobre, mas Jesus inverte a situação, citando o nome do pobre e deixando o rico no anonimato. Aquele que já teve em abundância agora passava por privações, e o que antes nada possuía, agora desfrutava do consolo. O homem rico vivia de forma opulenta e com honra em um lado da porta, e Lázaro, de forma miserável, do outro. Essa porta poderia ter servido como uma abertura para o auxílio de Lázaro e representa o abismo que existirá entre os homens depois da morte. Com a inversão, o rico passa a ser o miserável de um lado do abismo e Lázaro passa a ocupar um lugar de conforto e honra; só que o abismo, dessa vez, não pode mais ser atravessado.

Ao contar essa parábola, Jesus não quis dizer que a alma no inferno sentirá sede como um corpo físico, mas mostrar que os infiéis a Deus neste mundo, ao morrer, já estão em um tipo de tormento. William MacDonald diz: “Há, de fato, uma dúvida se uma alma desencorpada pode sentir sede e angústia de uma chama” (2011, p. 209). Que tipo de fogo é esse que pode queimar a alma? MacDonald conclui que a linguagem usada “é figurativa, mas isso não quer dizer que o sofrimento não era real” (2011, p. 209). No caso do rico, o sofrimento estava simbolizado no fogo que o atormentava e o fazia desejar um pouco de água para refrescar a língua. Não podemos concluir que a alma do rico estava sentindo sede literalmente, mas que ela se encontrava em tormento pelo fogo do Hades. David W. Pao e Eckhard J. Schnabel afirmam que “diversas passagens do AT se referem à sede como uma figura do juízo divino” (2014, p. 431). Enfim, a intenção da narrativa não é defender que há sede no inferno ou algo do tipo, mas mostrar que lá é um lugar de sofrimento, privações e angústia.

Por, Jonas Mendes.

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