O cristão e a liberdade de expressão

O cristão e a liberdade de expressão

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) contempla o direito à liberdade de expressão, da seguinte forma: "Artigo 19. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras”.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), por seu turno, no artigo 5º, IX, diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A liberdade de opinião e expressão, assim, recebe o status de direito fundamental e é uma garantia que, em um primeiro momento, pode fazer emergir a presunção que não possui fronteiras, conferindo a qualquer pessoa a possibilidade de manifestar-se ilimitadamente, expondo suas ideias sem “censura ou licença”. Entretanto, à luz do ordenamento jurídico pátrio, esse direito possui, talvez, mais restrições do que, propriamente, possibilidades. A antiga expressão popular deixa claro que “o seu direito termina quando o do outro começa”.

Nesse sentido, a liberdade de expressão de um indivíduo é limitada, em linhas gerais, pelos danos que a mesma pode acarretar na esfera de direitos dos demais cidadãos. Por exemplo, se alguém em sua verbalização, ameaçar praticar mal grave e injusto a outrem, ou mesmo injuriar, difamar, caluniar, ou reproduzir discurso de cunho racista etc., realizará condutas previstas no Código Penal (1940) e, dessa forma, poderá ser condenado pelo Poder Judiciário, a depender do caso concreto, em até seis anos de reclusão.

Na composição do cenário regulatório do uso da liberdade de expressão, está em pauta um debate, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o chamado “direito ao esquecimento”. A tese central dos que defendem o reconhecimento desse “novo direito” está baseada na limitação da liberdade de expressão diante de fatos da vida de alguém que, apesar de verídicos, se trazidos à tona para o público em geral, têm o potencial de infligir dor e sofrimento ao indivíduo – daí o porquê do nome fazer referência ao direito de ser esquecido.

Tem-se, assim, neste caso, o conflito entre dois princípios constitucionais na esteira da liberdade de expressão: o direito à intimidade (art. 5º, X, CRFB/88) e o direito à informação (art. 5º, XIV, CRFB/88). Até o momento em que este artigo estava sendo escrito [2021], o representante da Procuradoria da República e o ministro relator já haviam apresentados suas manifestações, ambos compreendendo que o direito ao esquecimento frustra a liberdade de expressão, por entenderem justo sobrepor o direito de acesso à informação ao da intimidade da vida privada.

Nas mais antigas democracias do mundo, igualmente, há inúmeros problemas nesta seara; tomemos, como primeiro exemplo, a França. Observemos a denominada Lei Gayssot (1990), que prevê punição para as pessoas que defendem a inexistência do holocausto dos judeus, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e, onde, recentemente, estão discutindo a aprovação de outra lei que punirá quem negar o genocídio dos armênios pelos turcos, em 1915. Ora, concordamos que milhões de judeus morreram na 2ª Guerra Mundial, e que os armênios foram, de fato, massacrados pelos turcos no início do século XX, mas, porventura, não seriam tais leis proibitivas um golpe severo para a liberdade de expressão em solo francês?

Vislumbra-se, também, nesta vibrante democracia europeia, desde 2004, a proibição do uso de símbolos religiosos “ostensivos” nas escolas, para prestigiar o “laicismo”. A pessoa religiosa, dessa forma, não pode usar roupas que identifiquem sua fé, mas os ateus – os quais, em tese, deveriam ser submetidos às mesmas limitações – não possuem quaisquer restrições para demonstrar ostensivamente sua filosofia de vida.

Outro modelo democrático que, igualmente, convive com incongruências legais neste particular são os Estados Unidos. A Suprema Corte daquele país, em 1962, declarou inconstitucional a realização de orações a Deus nas escolas públicas e, em 1963, a proibição alcançou também a leitura da Bíblia. Entretanto, a proclamação, nas escolas de textos de autores contrários ao Cristianismo (Darwin, Nietzche, Sartre, Dawkins etc.) nunca foi inibida.

Pelos exemplos citados, são percebidas restrições à liberdade de expressão além do que se poderia intitular como razoáveis, o que, via reflexa, impacta o mundo ocidental como um todo.

No Brasil, nessa toada, além da discussão atualíssima acerca do direito ao esquecimento, já mencionado, muito se debate sobre o compartilhamento de fake news – notícias falsas — pelas redes sociais. Seriam os cidadãos impossibilitados de produzirem e divulgarem conteúdo inverídico? A liberdade de expressão, constitucionalmente assegurada, não garantiria esse direito? Pensamos que não! A Bíblia diz que “nada podemos contra a verdade, senão pela verdade” (2 Coríntios 13.8). Uma questão nevrálgica, porém, é: o que deve ser considerado fake news e quem serão os censores dessa análise. Qual “tribunal” julgará os que farão tais verificações? Enfim, como perguntou Pilatos: “Que é a verdade?” (João 18.3).

A possibilidade de falar tudo o que se pensa, também, na Bíblia, não se constitui em um direito dos que se relacionam com o Altíssimo. Moisés, por proferir uma frase indevida, em momento de indignação, não teve mais acesso à terra prometida e Zacarias, pai de João Batista, ao questionar o anjo Gabriel, ficou mudo por um longo período. Dessa forma, diante do Céu, as palavras pronunciadas pelos homens precisam ser constantemente pesadas e medidas, pois, por elas, seremos julgados (Mateus 12.36-37). Aliás, o apóstolo Paulo recomendava que tivéssemos sempre uma linguagem sã e irrepreensível, para que não fôssemos envergonhados pelo diabo (Tito 2.8); afinal, “a morte e a vida estão no poder da língua” (Provérbios 18.21).

O cristão pode (e deve) usufruir de sua liberdade de expressão, nos moldes já expostos, sem jamais se esquecer dos seus compromissos éticos e morais com as Escrituras Sagradas. Além disso, nesse diapasão, necessário se abster de “toda a aparência do mal” (1 Tessalonicenses 5.22), sendo “pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1.19), mas “a tempo e fora de tempo” (2 Timóteo 4.2) deve pregar a palavra de Deus, “para fazer notório o mistério do evangelho” (Efésios 6.19) – seu compromisso inegociável, tendo o contínuo cuidado de não propagar qualquer notícia que confronte a verdade, seja a escriturística, ou a emergente da realidade factual contemporânea.

Por, Reynaldo Odilo Martins Soares.

Se você gostou deste artigo compartilhe com seus amigos.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem