A Igreja e a sua necessidade teológica

A Igreja e a sua necessidade teológica

Infelizmente, no contexto atual da igreja evangélica brasileira, especificamente, no meio neopentecostal e pentecostal, não generalizando, ainda há pessoas com ideias equivocadas, afirmando que a teologia é um atraso na vida espiritual de alguém. Muitos irmãos, para mostrar que são humildes, defendem nos púlpitos das igrejas que a teologia não é necessária para o sucesso da obra de Deus em uma localidade. Os tais frisam que a solução para o crescimento da obra de Deus é única e exclusivamente por intermédio da oração.

Músicas evangélicas com letras com apologia à ignorância teológica trazem a mensagem de que Deus não precisa da teologia para expandir o Seu Reino no mundo. Porém, isso não é exatamente humildade, mas, sim, uma falsa humildade acompanhada de uma grande ignorância da teologia bíblica e da história da Igreja.

Alguém poderia dizer que em determinados lugares esse crescimento sem a teologia bíblica está dando certo. Situação como esta pode ser definida como “pragmatismo”, ou seja, são resultados aparentemente de sucesso que estariam acontecendo da maneira errada. O problema não é o crescimento numérico de membros em determinada igreja. A questão é se realmente esse crescimento está sendo saudável. E o crescimento saudável de uma igreja só é possível com a presença da teologia bíblica na igreja local. A teologia é o estudo profundo da Palavra para entender a revelação da vontade de Deus através da história, apresentando, do Antigo ao Novo Testamento, a criação, a queda, a redenção e a consumação de todas as coisas. Portanto, a função da teologia saudável é glorificar a Deus.

É comum se ouvir comentários de que alguém antes de entrar no seminário teológico era fervoroso e depois, com o decorrer e a conclusão do curso, começou a se mostrar diferente em seu modo de ver e crer nas coisas espirituais. É bem verdade que existem seminários de teologia que, ao invés de levar o estudante a conhecer e crer na Palavra, o convida a descrer nela. Esse tipo de seminário adota a linha do liberalismo teológico, o qual sofreu a influência do Iluminismo, movimento que ascendeu no século 18, propondo unicamente a razão para a medição dos homens e, simultaneamente, removia a ideia da fé.

Por outro lado, não se pode concordar com uma generalização, com a ideia de que toda faculdade teológica adota a linha do liberalismo, visto que há muitos seminários que ensinam que a Bíblia é a infalível e a inerrante Palavra de Deus. A instituição que segue essa visão pode ser denominada de ortodoxa, isto é, ensina e defende a fé cristã uma vez deixada pelos pais apostólicos.

Outros pensam que as várias linhas de pensamentos teológicos poderão causar confusão na mente do estudante cristão e que essas correntes proporão também divisão no meio do Corpo de Cristo.

Realmente, há necessidade da teologia para a Igreja atual. Nunca houve um tempo tão necessário para a igreja buscar o conhecimento teológico para sua edificação espiritual como nos dias atuais. A restrição da teologia na academia e a distância dela nas igrejas têm prejudicado as comunidades cristãs, no sentido de muitas igrejas perderem o real sentido do culto. Os louvores que antes passavam por uma análise teológica tinham a função de propagar o conhecimento da Palavra por meio do  afinco de louvar a Deus. Por exemplo, para propagar a Palavra na época da Reforma Protestante, Martinho Lutero fez uso de vários hinos de sua autoria. Como a ausência da teologia bíblica nos cultos, os louvores têm se centralizado no homem. E a ignorância teológica está causando também nas pessoas um entendimento errado de como se usar os dons espirituais. Cada vez mais é possível ver bizarrices nos cultos feitos em nome da pessoa do Espírito Santo. Obviamente, se a teologia bíblica voltasse a ocupar o seu espaço nessas igrejas, muitas dessas coisas seriam resolvidas e o culto deixaria de ser uma baderna espiritual; e de igual modo, se perderia a centralidade no homem e voltaríamos a um culto teocêntrico.

Objetivo da necessidade de se estudar Teologia

A teologia no período medieval, embora fosse estudada em academia, sempre esteve associada à igreja, por isso quem a ensinava fazia parte do clero. Kevin J. Vanhoozer (2016) alude a um tempo de abismo entre a academia e a igreja equivalente ao estudo da teologia que se iniciou no século 19, quando Friedrich Schleiermacher estabeleceu a divisão curricular da teologia em quatro partes: Estudos Bíblicos, História da Igreja, Teologia Sistemática e Teologia Prática. Ainda Vanhoozer (2016) diz que, mais tarde, na América do Norte, este método foi adaptado, com as três primeiras partes passando a ser limitadas apenas dentro dos círculos acadêmicos, se tornando o que hoje chamamos de disciplinas clássicas, enquanto, a quarta e a última parte, que é a Teologia Prática, passou a ser vista mais como uma disciplina de profissões. Por isso, as disciplinas teológicas passaram a ser mais vistas dentro de estudos teóricos e nunca produzidas para se aplicar à vida. Porém, a teologia tem como necessidade de analisar as Escrituras com o propósito de trazer uma aplicação da Palavra de Deus às questões da vida das pessoas.

Pelas disciplinas teológicas não serem aplicadas nas questões da vida e no cotidiano das pessoas, o pecado deixou de ser tratado como pecado. A gula, por exemplo, é vista como um distúrbio psicológico; o pecado de prostituição, adultério e homossexualismo, estão tendo mais aceitação devido ao avanço de uma sociedade cética. Em detrimento da ausência da teologia nas igrejas, outras ciências começaram a tomar forma nos púlpitos e nos gabinetes pastorais, como a psicologia, a psicanálise, a filosofia etc. Se o pecado for perdendo o sentindo de pecado, não irá demorar para a graça de Deus ser tida como sem nenhum valor.

Poucos livros e comentários bíblicos são feitos com a função de aplicar as doutrinas bíblicas para os crentes. A maioria destas obras está somente preocupada em apresentar o mundo histórico e cultural por trás dos dois testamentos. 

Os teólogos atuais negligenciam a aplicação da teologia e produzem as obras apenas para os acadêmicos. Por essa medida, é possível ver a cada instante uma grande cratera se abrindo, separando a academia teológica da igreja. Esse pode vir a ser um dos vários motivos por que muitos cristãos veem que não há necessidade da teologia na igreja.

Estudar teologia para aprender e ensinar a outros a Palavras

Não adianta estudar e se formar em teologia e não trabalhar na obra de Deus. O ministério desse teólogo será estéril. Cabe ao teólogo ter a consciência de que o objetivo da teologia é dar luz e educar vidas para que cresçam em santificação para o louvor a Deus.

Quando os apóstolos deixaram o seminário intensivo de três anos e meio aprendendo com o Mestre Pastor – e Pastor Mestre – Cristo, eles não perderam tempo, mas realizaram uma grande obra no mundo, apresentando, por meio do Antigo e Novo Testamento, Cristo como o edifício da vida da Igreja. Todo estudante de teologia não poderá deixar de aprender e ensinar que todas as doutrinas apresentadas na Bíblia giram em torno da pessoa de Jesus Cristo.

Segundo Grudem (1999, p.7), “quando consideramos que os escritos do Novo Testamento endossam a absoluta confiança que Jesus tinha na autoridade e na credibilidade das Escrituras do Antigo Testamento como palavra de Deus [...], e quando percebemos que as epístolas do Novo Testamento também referendam essa visão do Antigo Testamento como palavra de Deus, dotadas de autoridade absoluta, torna-se evidente que não podemos ensinar ‘tudo o que Jesus ordenou’ sem incluir também todo o Antigo Testamento (entendido corretamente nas várias maneiras pelas quais ele se aplica à nova aliança na história da redenção)”.

A ideia central de ensinar a pessoa de Jesus está em apresentar a redenção aos homens, que não é encontrada em obras humanas, mas, sim, na graça de Deus por intermédio do preço pago por Jesus em favor do mundo.

Com o racionalismo em alta, os feitos de Cristo na Terra começaram a ser vistos como mitos, inclusive a Sua ressurreição. De acordo com essa ideologia, o Antigo Testamento não anunciava uma teologia, mas apenas histórias da religião de uma nação que primeiro se desenvolveu por influência de outros povos pagãos até se tornar o que é conhecido como judaísmo, chegando no seu fim ao que é hoje o cristianismo apresentado no Novo Testamento. Eles esquecem que esses testamentos trazem uma mensagem teológica com escopo a ser ensinada e aplicada tanto para os antigos leitores quanto para os atuais leitores. A negação de uma mensagem divina pelo liberalismo teológico trouxe um grande estrago nas igrejas na Europa, uma vez que boa parte dos templos da Europa, que eram cheios de pessoas para ouvir o ensino da Palavra de Deus, agora está vazia e muitas igrejas estão mortas. Esse tipo de teólogo, ao invés de trabalhar a favor do Reino de Deus, infelizmente está somando forças com o reino das trevas para destruir as vidas que foram geradas com tanto amor e zelo por parte do Senhor.

Em última análise, o liberalismo teológico ainda se encontra atuando em muitos seminários, e para evitar o erro que aconteceu na Europa e, em alguns países pelo mundo, é necessário evitar que esses falsos mestres tenham acesso aos centros acadêmicos ortodoxos e aos púlpitos das igrejas. E, ao mesmo tempo, aquele que deseja se inscrever em um seminário que fique bem longe das instituições liberais. É impossível que um pastor ou um jovem seminarista em contato com esse veneno do liberalismo não morra e mais tarde mate espiritualmente a outros.

Referências Bibliográficas 

BEEKE, Joel; JONES, Mark. Teologia Puritana. Doutrina para a Vida. São Paulo: Vida Nova, 2016.

ERICKSON, J. Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Atual e Exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999.

JUNIOR, Kevin Vanhoozer. O Pastor como Teólogo Público. Recuperando uma visão Perdida. São Paulo: Vida Nova, 2016.

PIPER, John; CARSON, D. A. O Pastor como Mestre e o Mestre como Pastor. SP: São José dos Campos, Fiel, 2014.

Por, Natanael Diogo Santos.

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