Arrependimento ou remorso?

Arrependimento ou remorso?

O Evangelho escrito por Lucas inicia o capítulo 3 abordando o ministério e a pregação de João Batista, o precursor de Jesus. Essa narrativa também é apresentada em Mateus 3.1-12 e Marcos 1.2-8.

A pregação de João era forte, direta e verdadeira. Ele, definitivamente, não estava preocupado com o que seus ouvintes desejavam escutar, mas tinha um íntimo compromisso com aquilo que eles precisavam ouvir (Lucas 3.7).

A maior parte da multidão que vinha ao encontro de João Batista confiava em sua ascendência para obter a salvação. Eles reivindicavam a paternidade de Abraão com o objetivo de serem considerados justos e amigos de Deus.

Diante disso, “a voz que clama no deserto” se levanta alertando quanto ao juízo iminente e a necessidade de que se produzam frutos dignos de arrependimento (Lucas 3.8, 9). E quando despojadas de suas falsas convicções, o registro de Lucas mostra as pessoas questionando: “O que devemos fazer?”.

Primeiramente, João dá uma resposta aplicável a todos da multidão, reforçando a importância da caridade cristã e do amor fraterno ao próximo. Não faria sentido se apropriar de um relacionamento com Deus através de Abraão, ignorando as necessidades de seus irmãos (Lucas 3.10,11). As palavras de João Batista se harmonizam com a declaração de João, o apóstolo (1 João 3.17). Em seguida, um grupo de publicanos, também interessados no que deviam fazer, se aproxima para questionar o pregador. A esses cobradores de impostos, João recomenda a agirem honestamente, não cobrando do povo além do que era ordenado (Lucas 3.12,13). E ainda a um terceiro grupo, composto de soldados que costumavam ser brutais com os civis e que praticavam extorsão, João aconselha que não tratem mal a ninguém e se contentem com o seu salário, isto é, deixem de ser violentos e parem de extorquir (Lucas 3.14).

Embora a palavra “arrependimento” seja um tema central, frequente em nossos discursos, louvores e vocabulário cristão, por vezes esse conceito é mal compreendido e pouco explorado, se confundindo com sentimentos como o remorso.

Remorso é um sentimento paralisador, que traz consigo abatimento e profunda tristeza, mas que não direciona o seu portador a algo novo e diferente. Já o arrependimento envolve não apenas parar de fazer algo, mas mudar de direção e começar a fazer o contrário. O termo grego “metanoia” sugere exatamente isso, uma mudança de mente, pensamento, ideia e atitude - mudança esta que não é apenas emocional, mas que envolve uma inversão do pensamento e da conduta anteriores.

O que Paulo escreve aos irmãos em Éfeso traz luz a esse conceito (Efésios 4.25-32). O que mentia passe a falar a verdade; o que se irava facilmente resolva a situação antes que o sol se ponha; quem roubava trabalhe e reparta com o necessitado; quem falava coisas impróprias agora use palavras que edificam; aos amargurados, benignidade, misericórdia e perdão passem a fazer parte de suas vidas.

Encontramos em Zaqueu um exemplo de arrependimento verdadeiro e genuíno. Antes de encontrar com Jesus, ele era mais um cobrador de impostos; na verdade, chefe dos publicanos. Após estar diante do Cristo, esse homem tem a iniciativa não simplesmente de parar de fazer algo errado, mas começar a fazer o certo. Zaqueu decide dar metade dos seus bens aos pobres e restituir quatro vezes mais no caso de ter tomado ilicitamente de alguém (Lucas 19.1-10).

Outro erro comum é limitar o arrependimento a um sentimento de tristeza ou até mesmo ao reconhecimento do pecado. Há quem diga que o maior problema não é pecar, mas pecar e não se sentir culpado por isso. Mas isso não é verdade. O maior problema é não se arrepender verdadeiramente.

É possível ficar triste, reconhecer o pecado e não se arrepender. O apóstolo Paulo falou sobre dois tipos de tristeza. Vejamos: “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte. Porque quanto cuidado não produziu isso mesmo em vós que, segundo Deus, fostes contristados! Que apologia, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vingança! Em tudo mostrastes estar puros neste negócio” (2 Coríntios 7.10, 11).

Paulo diz que a tristeza segundo Deus produziu nos crentes de Corinto indignação, temor, saudade, zelo; ou seja, essa tristeza resultou em mudança, em verdadeiro arrependimento.

Enxergamos isso com clareza quando comparamos a atitude dos dois primeiros reis de Israel, Saul e Davi, diante do pecado. É importante destacar que ambos reconhecem que pecaram. Ambos afirmam: “Eu pequei” - tanto Saul (1 Samuel 15.24) quanto Davi (2 Samuel 12.13). A diferença está justamente no que acontece após o reconhecimento do pecado. Saul, movido pela tristeza segundo o mundo, mostra preocupação com seu cargo, sua honra e sua reputação (1 Samuel 15.30). Na tristeza segundo o mundo, o foco está em si mesmo. A preocupação é com seu ministério, sua liderança, seu cargo, sua honra e as pessoas que estão ao seu redor.

A atitude de Davi é diferente. Ele não tem nada a acrescentar além de “Pequei contra o Senhor”. Na tristeza segundo Deus, o foco não está em si mesmo, mas no próprio Deus. A dor maior é a consciência de ter feito algo contra a santidade do Deus Todo Poderoso. É nesse período que o rei Davi escreve o Salmo 51, onde expressa sua maior preocupação, que não consiste em perder o trono, a admiração ou os seguidores. O maior temor de Davi é ser expulso da presença do Senhor e passar a viver sem o Espírito Santo.

A pergunta feita a João Batista ecoa até nossos dias: “O que faremos?”. O que faremos com nossos cargos, ministérios, lideranças, reputação? O que faremos com nossas vidas? Primeiramente, é importante falar cada vez mais sobre o arrependimento genuíno. E acima de tudo, devemos apresentar frutos de arrependimento. Não apenas deixar de fazer algumas coisas, mas caminhar na direção contrária e fazer o que é reto e justo.

Por, Matheus Gonçalves.

Se este artgo foi útil para você compartilhe com seus amigos.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem