Os “amigos” de Jó e acultura do cancelamento

Os “amigos” de Jó e acultura do cancelamento

A cultura do cancelamento na internet é um fenômeno que tem resultado em terríveis consequências. Para nossa vergonha, é possível observar esta tendência no comportamento cristão. O povo de Deus absorve os modelos de conduta nas redes sociais e, dessa forma, tem assassinado muitas reputações. A prática inquisitorial de julgar e condenar pessoas em reflexão prévia ou de modo superficial não é algo exclusivamente contemporâneo. Nós encontramos esta realidade no relato dos amigos de Jó: Elifaz, Zofar e Bildade. A narrativa da saga de Jó reflete episódios que envolvem o período patriarcal.1 De lá para cá, a humanidade ainda desrespeita o próximo, sem demonstrar empatia.

As Sagradas Escrituras revelam o perfil do patriarca (Jó 1.8), ele era dono de fazendas, homem de oração e sacrifícios. O seu patrimônio era vasto e sua comunhão com Deus era digna de elogios (Jó 1.3-5). Apesar disso, a Bíblia Sagrada informa que ele atravessou uma dura provação. Subitamente, o homem perdeu tudo o que possuía: gado, ovelhas, serviçais, camelos, fazendas, casas, saúde e os filhos (Jó 1.14-19; 2.7). O desafortunado Jó se tornou réu na corte de seus amigos, que se revelaram juízes implacáveis ao analisar a sua situação. Ele foi acusado de ter cometido algum pecado oculto. “Nos tempos do Antigo Testamento, alguém que acusava falsamente outra pessoa de um crime estaria sujeito à punição por aquele mesmo crime”.2 Elifaz, Bildade e Zofar não respeitaram a sua dor. Os três homens agiram afoitamente e foram superficiais em seus julgamentos, assim como hoje acontece na cultura do cancelamento. Atraídos pela desgraça acometida, foram apressados em criticá-lo. Eles nada podiam fazer para melhorar a situação de seu infeliz amigo, mas seguramente prejudicaram a sua condição.

A cultura do cancelamento surgiu na internet em 2017. O propósito inicial era protestar contra a violência e os abusos sexuais praticados por celebridades de Hollywood e influencers que se sentiam impunes por causada fama e poder, porém, com o tempo, transformou-se em uma arma de execração pública contra o próximo, famoso ou anônimo, não importa. Qualquer um pode ter um alvo desenhado nas costas. Trata-se de um verdadeiro linchamento virtual. Basta um registro aleatório de um comportamento ou fala que contrarie valores de um grupo-político, religioso etc., para ser exposto ao linchamento virtual. Às vezes, esse registro é postado fora de contexto e sem nenhum compromisso com um jornalismo sério que faculta ao outro a possibilidade de se defender, dessa maneira as pessoas são atacadas de maneira injusta e desumana.

A Bíblia ensina que o mundo jaz no maligno (1 João 5.19). Esta face horrenda da humanidade não deve abismar o povo de Deus, porque desde o início a maldade se multiplica sobre a Terra (Gênesis 6.5). O assustador é observar que este comportamento vil também está sendo praticado por cristãos. Existem páginas assumidamente “cristãs” na internet que veiculam informações desonestas, sem compromisso com a verdade, tendo como objetivo apenas o crescimento de sua audiência e a exposição de seu perfil, custe o que custar. Algumas destas páginas alcançaram grande relevância por causa de um ativismo do mal, pois a publicidade do erro e da intriga, da “treta”, do escândalo ou até do conflito por ideias divergentes, não pode, de modo algum, ser visto como instrumento de bondade. Vemos em Provérbios 17.19: “O que ama a contenda ama a transgressão”. Reputações estão sendo sacrificadas em busca de seguidores, compartilhamentos e notoriedade. A informação não tem sido imparcial. Jesus nos ensinou a tratar os problemas primeiro no particular (Mateus 18.15). Diante de um problema, o perdão e a dissolução dele devem ser buscados a todo instante pelo povo de Deus (Colossenses 3.13-15). Senão estivermos dispostos a ajudar uma pessoa a vencer as suas falhas, há pouco valor em apontá-las. Prezado leitor, o fermento da maldade e da malícia não pode ter espaço no meio do povo de Deus (1 Coríntios 5.8).

Existe um princípio bíblico que deve nortear o cristão: fazer apenas o que for útil para edificar os outros (Efésios 4.29), e isto também se aplica a nossa postura na internet-redes sociais. A Bíblia condena a intriga e a contenda entre irmãos (Salmos 34.13; Provérbios 16.16-19,28; Romanos 16.17; 1 Coríntios 3.3-4; 2 Timóteo 2.16, 23). Contendas pela internet, levantar calúnias e depreciar um irmão em Cristo é pecado tão grave como se fizesse pessoalmente. “A pessoa de caráter nunca fala mal de quem quer que seja. (...) A pessoa que tem caráter não divulga um relato negativo, mesmo que seja verdadeiro. A pessoa de caráter não só guarda a língua, mas também as línguas dos outros, a fim de evitar a propagação da calúnia”1. Paulo ensinou que os problemas entre o povo de Deus não devem ser expostos aos incrédulos (1 Coríntios 6.1-6). Isto pode ser motivo de escândalo. Jesus nos ensinou que maldito é aquele que escandalizar o Evangelho (Mateus 18.17).

Os três homens falavam em nome de Deus, assim como muitos cristãos que promovem a cultura do cancelamento. Mas, Jó foi acusado injustamente, pois as acusações se baseavam em observações superficiais. A Bíblia ensina a chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram (Romanos 12.15), porém, na internet, muitos sorriem com os que choram e choram com os que se alegram. O Senhor nos ensinou que “pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7.20).

NOTAS

1 TROTA, Israel T. Livros Poéticos. Joinville: Editora Santorini, 2021, p.15.
2 RICHARDS, Lawrence O. Comentário Devocional da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 279-280.
1 CARLSON, Raymond et al. Manual Pastor Pentecostal: teologia e práticas pastorais. 3 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p.117.

Por, Israel Thiago.

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