O noivo e o jejum em Marcos 2.18-20

O noivo e o jejum em Marcos 2.18-20

Encontramos em Marcos 2.18-20 que, em certa ocasião, os discípulos do profeta João Batista e os discípulos dos fariseus interrogaram Jesus sobre a razão de Seus discípulos não jejuarem. A resposta do Mestre à interrogação – que na verdade era uma crítica pelo fato de os discípulos de Cristo não jejuarem junto com estes dois grupos religiosos – motivou a primeira parábola de Jesus.

Essa parábola foi proferida pelo Senhor junto com outras duas em sequência: remendo novo em vestes velhas e vinho novo em odres velhos. A presença de Cristo significava a chegada da Salvação da parte do Altíssimo, não uma reforma do judaísmo, ou de algum outro movimento religioso, mas o início de algo radicalmente novo: o Reino de Deus. Poderia esse Reino manifestar-se dentro das formas de religiosidade com que o povo estava acostumado? Esta é a pergunta que salta à vista diante do contexto dessa parábola.

A questão foi levantada tendo em vista à comparação de Jesus e Seu grupo com dois outros grupos religiosos em destaque: os discípulos de João Batista e os dos fariseus. Estes dois grupos reivindicavam a piedade e mantinham o jejum como prática da sua religião, mas este novo grupo liderado por Jesus não seguia essa regra naquele momento. Com base nessa observação é que surge a pergunta sobre o comportamento religioso dos discípulos de Jesus, de não jejuarem.

O tema central da narrativa concentra-se no jejum e, para essa conclusão, basta somente que observemos a constante repetição das expressões sobre jejum em apenas três versículos (Marcos 2.18-20). O jejum fazia parte da religião judaica, constituindo um dos seus três pilares, ao lado da oração e da caridade, e conforme a lei (Levíticos 16.29-34). Ele deveria ser observado no Dia da Expiação. Ao decorrer da história de Israel, vários jejuns foram adicionados até chegar ao clímax com os fariseus que observavam o jejum duas vezes por semana (Lucas 18.12).

Acredita-se que a seita dos fariseus (cujo nome significa “se parado” ou “santo”) surgiu na época da revolta dos Macabeus, em torno de 168 a.C., e passou a formar um grupo religioso opositor ao helenismo, isto é, à tendência de acomodar o judaísmo aos ideais do mundo greco-romano. Os fariseus jejuavam duas vezes por semana para demonstrar piedade, contudo, conforme apontou Jesus ao repreendê-los, os religiosos mantinham uma atitude intencional de atrair a atenção dos circunstantes e, até mesmo, do próprio Deus (Mateus 12.5). Os discípulos de João Batista jejuavam como sinal de arrependimento em preparação para a vinda do Reino de Deus. A prática também consistia na contrição pelo pecado. Ainda é possível acrescentar que no jejum deste grupo havia um tipo de confissão de sua necessidade de purificação.

Como observado acima, o jejum representava parte muito importante para a fé destes dois grupos. Contudo, os religiosos perceberam o surgimento de um novo movimento que não se encaixava em seu universo religioso. Por esse motivo, surgiram dúvidas acerca de sua conduta perante outros fiéis da religião judaica. O Messias responde ao questionamento sobre o jejum com a seguinte parábola: “Podem, porventura, os filhos das bodas jejuar, enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar” (Marcos 2.19).

O Senhor não demonstrou antipatia ao jejum praticado pelos fariseus e os discípulos de João Batista, pois chegaria o tempo em que mesmo Seus discípulos jejuariam (Marcos 2.20); mas, existe uma diferença entre Jesus e estes grupos religiosos, e que diz respeito à atitude em relação ao ministério do Senhor. Nessa parábola, o Nazareno descreveu a Sua missão como uma cerimônia de matrimônio. Nesse casamento, Ele é o noivo e os discípulos são os convidados do noivo, e a presença ou ausência do noivo é o que faz toda diferença.

Os historiadores explicam que o casamento no Oriente Médio prolongava-se por sete dias com cerimoniais, regozijo e festividades. As bodas faziam com que os professores da Lei interrompessem seus estudos, e que os mendigos, e quem mais desejasse comparecessem e se alimentassem gratuitamente. Os convivas dançavam ao som de tambores, nozes eram jogadas para quem estivesse  presente etc. Escritos judaicos indicam que participar de uma cerimônia e celebração de casamento era o cumprimento de um dos mandamentos de Deus. Quem recebia a noiva e o noivo era comparado a quem oferecia sacrifício de ações  de graças no Templo. A cerimônia de casamento era tão importante que todos os convidados ficavam dispensados das obrigações do jejum. É por isso que quando Jesus pergunta “Podem, porventura, os filhos das bodas jejuar, enquanto está com  eles o esposo?”, a óbvia resposta é: “Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar”; pois seria absurdo jejuar durante tão importante celebração.

Jesus é representado nessa parábola pelo noivo em conexão com as referências do Antigo Testamento que apontavam para Deus como o noivo (Isaías 54.4-8; 62.5 e Ezequiel 16.7-34). O noivo havia chegado para trazer o Reino de Deus àqueles; o noivo, o Rei, estava diante deles. Então, não era tempo de jejuar, mas, sim, de celebrar a presença do noivo. Outro detalhe é que a pergunta que deu origem à parábola sobre o noivo e o jejum não faz uma alusão direta ao fato dos discípulos do Senhor não jejuarem, mas ao fato de eles não jejuarem como os discípulos de João faziam (Marcos 2.18). É como se eles estivessem dizendo que se Jesus e Seus discípulos quisessem realmente ser aceitos, precisavam se adequar ao padrão religioso que eles estavam acostumados.

Contudo, chegou o dia em que o noivo foi crucificado e, assim como Jesus antecipou, a Igreja passou a jejuar, mas não sendo  uma prática baseada apenas em religiosidade, como os fariseus e os discípulos de João Batista. É um jejum exemplificado e ensinado por Cristo em Sua vida. Um jejum que nos leva ao preparo espiritual da fé e ao crescimento à imagem do Senhor (Mateus 17.21). O jejum tendo como parâmetro aquele realizado pelos cristãos primevos, acompanhado de oração e que ensina a  vigilância, estimula a contrição e alcança a resposta divina (Atos 10.30).

Por, David Mattos.

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