Disciplina da pureza

Disciplina da pureza


Na presença do Senhor há cura, mas há que se reconhecer os próprios erros. Quando arrependidos, o sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado

O espanto do rei Salomão diante da aproximação da amada Sulamita leva-o a
descrevê-la como um exército triunfante (Cantares 6.10), com o brilho de uma cidade situada sobre os montes, comparando-a com as edificações magníficas de Tirza e de Jerusalém, impossíveis de serem escondidas (Mateus 5.14). Ela é brilhante como o sol. Para descrever tal brilho, o escritor opta pelo termo ‘bar’, o mesmo encontrado no Salmo 24.4 (“aquele que é limpo e puro de coração”) e que tem o sentido de amado, escolhido, puro e limpo. A palavra denota uma posição de destaque baseada na pureza da amada e a conservação dessa característica é a causa de seu triunfo. A noiva brilha em sua pureza, vence ao conservar-se pura, revelando-se como “a mais querida” diante dos olhos do noivo.

Dentre as chamadas Disciplinas Espirituais, destaca-se a Disciplina da Pureza como área de conhecimento espiritual necessária à Igreja do Senhor, especialmente quando se abrevia o momento do reencontro e bodas. O brilho não pode ser obtido por meio de obras, conhecimento humano, capacitações variadas, instrumentalidade para feitos sobrenaturais ou conquistas, mas a pureza, valor tantas vezes desprezado, cuida em promovê-lo.

“Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Coríntios 11.2).

Definição: a Disciplina da Pureza é a área de prática de purificação na vida de um fiel, de­finindo o exercício diário e constante do processo de manutenção de uma vida santa pelo afastamento do mal e pela remoção criteriosa de todo o pensamento, sentimento e prática que sejam condenadas pela Palavra de Deus. A Santidade do Senhor é o modelo último daquele que se aplica à busca da pureza, o autoexame torna-se rotina e o arrependimento e o perdão mostram-se necessários e tornam-se constantes. Quando bem aplicada, a Disciplina da Pureza não conduz ao orgulho espiritual, mas a uma atitude singela de humildade diante do desafio de buscar aproximação e intimidade com Aquele que é Santo.

“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude e se há algum louvor, nisso pensai” (Filipenses 4.8).

Ferramentas linguísticas

São vários os termos hebraicos traduzidos por puro ou limpo nas condições de verbos ou adjetivos. Em Jó 33.9, a palavra para limpo é zak, que também tem o signi­ficado de claro. No Salmo 19.9, chafdá o sentido moral de alguém abrigado (coberto, protegido) da sujeira. Assim, o temor do Senhor é permanentemente incólume a qualquer sujidade. O salmista almeja ser limpo (naqah). O termo que, no exemplo citado, representa o desejo de ser livre de culpa. No salmo 24.4, o salmista expressa o desejo de ser puro (bar) de coração, ou seja, quer ser amado, quer brilhar, quer ter a pureza como valor diante de Deus e dos homens.

Merece destaque o termo zakhah, da raiz zakh, pela amplitude de seu sentido, abrangendo a pureza de objetos no culto a Deus, como o azeite e o incenso puros, comunicando também os aspectos da vida de uma pessoa, suas ações, ensinamentos e até mesmo suas orações, além de descrever o estado do coração (Salmos 73.13) e comunicar o signi­ficado de estar puri­ficado do pecado (Salmos 119.9).

Algumas passagens (99 ao todo) preferem o termo tahor, um adjetivo para limpo, puro, genuíno, usado principalmente para distinguir objetos aprovados para uso cerimonial. Com tal palavra Israel é exortado a separar o imundo do limpo e é feita distinção entre pessoas cerimonialmente puras ou impuras; também trata da restauração ao estado de pureza, principalmente no caso de impurezas temporárias, como em situações de fluxos corporais. O termo vai, gradualmente, apontando para a expectativa do Criador de que Seu povo fosse moralmente puro e de que o valor do sacrifício se devesse à qualidade do coração do ofertante. É nesse sentido que Davi pede a Deus um coração puro. Igualmente, o temor do Senhor é puro e guia o salmista ao conhecimento do puro Deus (Salmos 19.9).

A língua hebraica reserva-nos uma pequena surpresa sobre o tema. O substantivo pureza, apenas presente em Provérbios 22.11, pode ser transliterado aproximadamente como tªhor (distinto de tahor) dizemos aproximadamente porque o termo é impronunciável. O que alguns atribuem a um erro de grafi­a, outros traduzem como “pureza” e, de fato, é a melhor opção. O mistério com relação à pronúncia aponta para o Único verdadeiramente puro e cujo nome é impronunciável pelos lábios humanos.

A língua grega revela precisão de sentido através do termo katharos, limpo, claro, puro, que não tem ou está misturado, conforme em Mateus 5.8: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”; ou João 15.3: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado”. O termo também é encontrado em Atos 20.26 no sentido de estar livre de culpa: “Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos”. Em Tito 1.15 encontramos o sentido de isento de mistura: “Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infi­éis; antes, o seu entendimento e consciência estão contaminados”.

Outro termo amplamente usado na literatura neotestamentária é hagnos, puro, perfeito, santo, inocente, inculpável, recatado, casto. “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos, nem participes dos pecados alheios; conserva-te a ti mesmo puro” (1 Timóteo 5.22). A profundidade do sentido revela-se na defi­nição daquilo que é puro e consagrado, a exemplo de 1 João 3.3: “E qualquer que nele tem esta esperança purifi­ca-se a si mesmo, como também Ele é puro”. Para inocência e ausência de culpa, Filipenses 4.8 usa o mesmo hagnos. No sentido de recatado ou casto, lembremos de Tito 2.5, quando as mulheres são exortadas a “serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seu marido, a fi­m de que a palavra de Deus não seja blasfemada”.

Deus, o padrão da pureza

“Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a vexação não podes contemplar; por que, pois, olhas para os que procedem aleivosamente e te calas quando o ímpio devora aquele que é mais justo do que ele?” (Habacuque 1.13).

O espanto do profeta Habacuque deve-se à aparente demora divina em apresentar a diferença entre o justo e o injusto, entre o bem e o mal, justamente pelo fato de o Senhor ser santo, ser puro. Até que receba a resposta celestial que lhe garante a justiça futura, essa permissão temporal para que a medida da iniquidade alcance seu limite soa incompreensível ao homem de Deus. O salmista é mais incisivo em sua esperança: “com o puro te mostrarás puro; e com o perverso te mostrarás indomável” (18.26).

Ora, para caminharmos na pureza requerida precisamos caminhar segundo a Palavra de Deus, pois é ela que aponta o caminho para uma vida livre de contaminações: “As palavras do Senhor são palavras puras como a prata refi­nada em forno de barro e puri­ficada sete vezes” (Salmos 12.6). “Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro e alumia os olhos” (Salmos 19.8).

O mundo não pode ser o parâmetro de pureza para o crente, pois “há uma geração que é pura aos seus olhos e que nunca foi lavada da sua imundícia” (Provérbios 30.12). Olhar ao redor pode levar o homem à relativização do pecado. Com isso, deixa de reconhecer a gravidade de seus erros, auto justi­fica-se e perde a oportunidade de ser curado e limpo de todo o mal. Na presença do Senhor há cura, mas há que se reconhecer os próprios erros. Quando arrependidos, o sangue de Jesus Cristo nos purifi­ca de todo o pecado.

Ambientes de exposição ao mal

Conforme a Bíblia nos conduz à necessidade da pureza interior, e revela que o desejo de nosso amado Deus não se limita ao rigor das puri­ficações cerimoniais, mas pretende chegar ao coração do ofertante, reconhecemos como desafi­o nossa exposição diária a todo o tipo de sujidades, num mundo que jaz no maligno. Todo o tempo ouvimos vozes que nos incitam a pensamentos e práticas que desagradam a Deus. Quando possível, evitamos a exposição a esses agentes contaminantes. Quando isso não é de todo possível, resistimos a eles e se, porventura, alguma semente do mal encontrar lugar em nós, precisamos o mais prontamente possível extirpá-la, antes que produza raízes e cresça dentro de nós. Imoralidades, por­fias, sentimentos e envolvimentos desaprovados por Deus, raiva, ira, inveja, mentiras e toda a obra da carne, o quanto antes denunciadas como tais por uma consciência viva, mais cedo nos manterão livres do erro.

Espera-se que o cristão conviva com seus irmãos, falando e ouvindo coisas santas e bendizendo o Nome do Senhor. Ocasionalmente, estando em contato com dizeres e fazeres que não convém aos santos, quer na escola, no trabalho, na família, quando essa não é composta por pessoas nascidas de novo, sob uma enxurrada de ideologias, sentimentos e termos que não agradam ao Senhor, um cristão sadio logo identi­ficará a sujidade e irá, de alguma forma, se resguardar e, quando possível e adequado, corrigir em amor e humildade, sem se mostrar pretencioso ou superior.

Um dado comum, infelizmente, é que ferramentas tecnológicas vêm se tornando um ambiente perigoso para alguns crentes. O isolamento promovido pelos ‘passeios’ virtuais tem levado servos do Senhor a uma perigosa exposição. Têm-se ouvido, por exemplo, o termo “adultério espiritual” para a prática de aproximação afetiva, sem necessário contato físico, envolvendo pessoas cristãs, pelas redes sociais. Pre­firo a expressão “adultério virtual”, uma vez que a prática nada tem de “espiritual” no sentido da castidade, mas constitui pecado, segundo o critério que o Senhor Jesus nos estabeleceu. Afi­nidades intelectuais e sentimentais podem ser atrativos para pessoas casadas ou solteiras e conduzir a relacionamentos insólidos (pois estão baseados apenas naquilo que o outro revela de si mesmo), invasivos (uma vez que o ambiente de silêncio e reserva propicia uma maior exposição) e perigosos (muitos per­s falsos são usados por indivíduos mal intencionados com o objetivo de extorquir e até ferir vítimas carentes de afeto).

Também perigosos para a conservação da pureza citamos os jogos de azar. Hoje, a oferta ampla de jogos (por exemplo, os jogos de ‘paciência’ no computador) têm levado muitos a abrir mão dos valores pessoais em que foram instruídos desde a infância. Outros sucumbem a jogos violentos e passam a experimentar prazer em suas “conquistas” virtuais, conforme mudam de “nível” na escalada do mal. Escondem-se, ainda, no ambiente tecnológico, as armadilhas do consumo rápido, fácil, sem que se dê tempo para a análise sensata da necessidade ou não de um determinado artigo. Dessa forma, “num click”, a compra é feita, revelando mal uso dos recursos de que somos mordomos, estimulando compulsões e levando ao endividamento.

Saindo do ambiente tecnológico, mas, de certa forma, ainda nele, estão as músicas profanas, hoje ouvidas apenas pelo portador do auricular, deixando livres os ouvidos daqueles que poderiam advertir e aconselhar. Em seu mundo, mergulhado em sua música, isolado do contato benfazejo da santidade, frases ganham apelo ideológico e sedimentam estruturas mentais contra o Senhor e Sua Palavra.

A falsa necessidade de se adequar socialmente, através dos costumes, vícios, formas de vestir, de se adornar ou de trazer os cabelos têm levado muitos irmãos e irmãs a abrirem mão da simplicidade e, tristemente, da modéstia que convém a nós todos. Crianças são vestidas de forma inadequada, adultizada e sensualizada, sendo privadas de viverem com liberdade e proteção uma fase tão bela da existência. Pouco é necessário. A comunhão com Deus toca a face de seus fi­lhos ressaltando uma beleza única, fruto da pureza e da alegria que habita em seus corações. Não há nada mais belo do que ver nossos jovens irmãos e irmãs, vestidos com decência, ornamentados pelo conhecimento de Deus, erguendo suas vozes em louvor, ou de ouvir uma criança recitar de cor um trecho da Bíblia ou, ainda, ouvir de um ancião o testemunho de fé que carrega em sua alma por toda uma vida. São essas belezas isentas de contaminação.

O exame diário: a prática da purificação

Dentro da prática médica, o exame constitui a avaliação de um órgão ou sistema, tendo um parâmetro de saúde com o qual comparar. A partir desse padrão, com aparelhos ou com o uso dos órgãos do sentido, o examinador (ou auto examinador) procurará qualquer alteração de cor, textura, temperatura, cheiro, volume, forma ou função que possa despertar curiosidade ou preocupação. Encontrada uma diferença, mínima que seja, com o padrão, é mister tomar as decisões cabíveis de acompanhamento e tratamento.

Professores examinam seus alunos para avaliar o aprendizado, corrigir e aprofundar o conhecimento, perceber falhas e estimular progressos. A avaliação, costumeiramente temida por estudantes, não tem por objetivo reprovar, antes, ajudar na construção e aprofundamento dos saberes. Examinar-se, no sentido espiritual, é a prática de constantemente apresentar o padrão bíblico como desejável, identi­ficar possíveis desvios e, com coragem, corrigi-los.

Disciplina da Pureza implica exercício: diário, constante, vital. Pequenas alterações, não percebidas, podem tornar-se em enfermidades espirituais graves e até mortais. Observar segundo a Palavra e não segundo minhas concepções pessoais, contaminadas pelo mundo, é a resposta para a purifi­cação do caminho.

Um coração puro: objetivo da disciplina da pureza

Da mesma forma que a prática da compaixão visa a formação de um coração compassivo e a prática do perdão visa a formação de um coração perdoador, lembrando que fomos conduzidos de um conceito de pureza cerimonial para o desejo divino de um ofertante puro, concluímos que a prática defi­nida como Disciplina da Pureza visa conduzir o praticante à formação de um coração puro. Cada vez mais sensível ao padrão da santidade divina, o fi­el irá se amoldando ao padrão que primeiramente pode ter soado como regra a seguir e, passo a passo, perceberá que a verdade contida no padrão já coincide com o seu pensar, está confi­rmada pelo seu sentir e revela-se no seu agir. O proceder puro passa a ser a verdadeira expressão de seu coração purifi­cado.

Conclusão

Algo acontecerá com os olhos do puri­ficado. Ao contemplar o mundo ao seu redor, procurará encontrar o bem. Sem negar o mal existente, ao ver águas contaminadas, perceberá, além da contaminação, que a essência da água permanece inalterada e, assim, crerá na possibilidade de mudança. Somente assim os puros verão a pureza em tudo – percebendo a possibilidade de uma transformação. Os puros veem no ladrão o futuro benfeitor, veem na prostituta a santa, veem no egoísta o pastor amoroso e no rebelde o conciliador. Os puros veem uma possibilidade de luz e de bem em tudo o que contemplam. Não se trata de ingenuidade, mas de uma inocência pueril em alguém que está, espiritualmente, tornando-se criança, fazendo-se menino por amor ao Reino de Deus. Os puros herdarão o Reino, os puros verão a Deus, O impronunciavelmente puro, Único digno de receber Sua brilhante e pura esposa.

por Sara Alice Costa Cavalcanti

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