A estratégia de Paulo e os poetas gregos citados no Areópago

A estratégia de Paulo e os poetas gregos citados no Areópago


É verdade que o apóstolo Paulo se fez valer de escritos de poetas gregos para pregar o Evangelho no Areópago (At 17.16-34)?

A estratégia de Paulo foi um exemplo magistral de contextualização e apologética cultural. Ele adotou uma estratégia de comunicação perspicaz, que ainda hoje oferece lições valiosas na evangelização e apologia da fé cristã. O apóstolo buscou pontos de contato, verdades parciais e anseios presentes na cultura grega para construir uma ponte em direção à mensagem central do Evangelho. Paulo reconhece a busca espiritual dos atenienses e refere-se, em Atos 17.23, ao “Deus Desconhecido” (γνώστ θε). O ápice dessa estratégia, contudo, reside na habilidade de incorporar elementos da própria cosmovisão grega a favor da pregação cristã. Ao citar poetas e pensadores helênicos, Paulo demonstrou que o Evangelho não estava alienado da sabedoria filosófica, mas que Deus havia deixado sinais de Sua verdade mesmo entre aqueles que não possuíam a revelação das Escrituras. Essa técnica, conhecida como adaptação retórica, é quando o orador utiliza a linguagem e as referências de seu público para tornar a mensagem inteligível e relevante, sem comprometer sua essência.

Em Atos 17.28, Paulo faz duas outras citações de poetas familiares aos ouvintes. A primeira, “porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos”, faz referência ao poeta, filósofo e profeta Epimênides de Creta, que viveu por volta do século VI a.C. No poema Creta, a frase era uma referência a Zeus. Paulo, no entanto, habilmente a ressignifica para apontar para o Deus verdadeiro, o criador de tudo. A segunda, “Pois somos também sua geração”, é encontrada em pelo menos dois poetas estoicos. A fonte mais provável é Arato de Soli, poeta grego que viveu por volta do século 3 a.C., em sua obra Fenômenos. Outra possível fonte é Cleantes de Assos, filósofo estoico (c. 331–232 a.C.), que escreveu o Hino a Zeus. Essas obras afirmavam que os humanos são descendentes de Zeus. Paulo utiliza essa ideia popular para introduzir a paternidade universal de Deus como Criador, confrontando a idolatria, ao argumentar que, se somos descendência divina, não devemos adorar imagens (Atos 17.29).

A estratégia paulina no Areópago não foi um incidente isolado. Em 1 Coríntios 15.33 encontra-se: “As más conversações corrompem os bons costumes”. É uma citação direta de Menandro, dramaturgo grego da comédia nova (c. 342–291 a.C.). A frase é encontrada em sua peça Thais. Paulo a usa para advertir os coríntios sobre a influência negativa daqueles que negavam a ressurreição, reforçando a importância da pureza moral em meio a doutrinas errôneas.

Outra referência está em Tito 1.12, que afirma: “Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos”. Citação de Epimênides, novamente do seu poema Creta. Paulo a utiliza para descrever a natureza dos habitantes de Creta, reforçando a necessidade de uma repreensão severa aos líderes que estavam se desviando. A citação serve para contextualizar a urgência da correção pastoral.

Paulo mostrou que as Escrituras não eram alheias à experiência humana, mas que traziam a plenitude da verdade. Ele ressignifica essas citações, utilizando as palavras de seus filósofos para desconstruir sua idolatria e apresentar o Evangelho. A ousadia e sabedoria de Paulo no Areópago revelam uma lição valiosa para a igreja hoje: o Evangelho não precisa se isolar da cultura. Pelo contrário, com discernimento e sabedoria, podemos usar os “escritos dos poetas” e as ferramentas de comunicação contemporâneas para construir pontes, desconstruir equívocos e, acima de tudo, proclamar a verdade libertadora de Cristo Jesus a um mundo que ainda busca seu “Deus Desconhecido”.

por Esdras Costa Bentho

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