A indiferença tem sido uma das marcas do homem moderno, como profetizou Jesus, consequência do aumento exponencial da iniquidade (Mateus 24.12). Há algum tempo, li que a comida descartada pelos norte-americanos e europeus seria suficiente para matar a fome dos pobres da África. Se solucionar um problema tão grave é tão fácil, como a fome de milhões de pessoas, por que isso não acontece? A resposta é simples: a indiferença de uns para com os outros.
Por outro lado, a “sociedade da informação” dos dias atuais
se ocupa intensamente com notícias sobre outras pessoas, — novas traições,
procedimentos estéticos realizados, como foi o dia das celebridades,
alimentando-se diariamente de fake news, fofocas, futilidades, assemelhando-se
aos atenienses da antiguidade: “...de outra coisa não cuidavam senão dizer ou
ouvir as últimas novidades” (Atos 17.21). Podemos ver isso nas movimentadas
redes sociais, nas quais as pessoas são frequentemente atingidas em seus
direitos mais íntimos da personalidade, e tudo isso com um grau de normalidade inacreditável
para esta geração.
Vive-se, assim, numa corda bamba, entre a falta de amor (indiferença)
em relação aos semelhantes e a intromissão indevida nos assuntos alheios
(mexerico). O Cristianismo genuíno, por seu turno, constitui-se no ponto de equilíbrio
entre esses dois extremos, apresentando uma resposta satisfatória e redentora,
pois orbita entre o princípio fundamental de respeitar a privacidade e a autonomia
das demais pessoas, evitando intromissões indesejadas em questões pessoais
íntimas, sem, todavia, deixar de estender a mão ao que está caído, ser consolo
aos desesperados e amigo dos que estão em desvantagem diante da vida.
A ética do Cristianismo estabelece fronteiras saudáveis em
nossas relações interpessoais, evitando que esses marcos sejam ultrapassados e
criando elos de confiança, prevenindo tensões nos relacionamentos e, como
consequência, sendo um antídoto inclusive contra problemas de saúde mental,
como ansiedade e depressão.
Jesus, por exemplo, ensinou a denominada “regra de ouro” – “Não
faças aos outros o que não queres que te façam” (Lucas 6.31), –, a qual
estabelece um excelente padrão para o viver ético. Paulo, por seu turno,
ensinou que “cada um deve cuidar de suas próprias coisas, e não se intrometer
nos assuntos dos outros” (1 Tessalonicenses 4.11), lembrando acerca da
necessidade de se respeitar a privacidade e a autonomia individuais, seguindo a
verdade proverbial: “Quem se mete em questão alheia é como aquele que toma
pelas orelhas um cão que passa” (Provérbios 26.17). Porém, o apóstolo dos
gentios também exortou que “cada um de vós não busque seus próprios interesses,
mas também os interesses dos outros” (Filipenses 2.4).
Assim, a mensagem do evangelho traz a resposta equilibrada para
um mundo imerso em densas trevas, pois nos conduz a respeitar os limites
alheios, entendendo que todos têm direito à sua própria privacidade e
autonomia, mas sem abrir mão de se preocupar genuinamente com a felicidade dos
outros. Afinal, “quem ama se intromete” de maneira saudável e respeitosa, sem
transpor as fronteiras éticas e a autonomia da outra pessoa.
Quando o Filho de Deus veio ao mundo, também se “intrometeu”
(por assim dizer) em “assuntos alheios” em várias ocasiões, mas sempre com um
propósito específico e com amor, como na circunstância em que transformou as
perspectivas e o futuro de uma mulher samaritana, oferecendo-lhe a água da vida
(João 4.1-42); quando perdoou e curou um paralítico que não O procurava (João
5.1-9); ao consolar uma viúva que estava indo enterrar seu filho único,
ressuscitando-o (Lucas 7.11-17); bem como quando se convidou para jantar na
casa de um certo Zaqueu, propiciando-lhe a salvação (Lucas 19.1-10). Como
visto, Jesus se intrometeu nas vidas de muitas pessoas carentes de Deus, para
demonstrar-lhes compaixão, oferecer-lhes redenção e curar-lhes, tanto física
quanto espiritualmente.
Na parábola do bom samaritano (Lucas 10.25-37),
possivelmente o sacerdote e o levita acharam que ajudar àquele moribundo seria
como segurar “um cão pelas orelhas”. O samaritano da parábola, por outro lado,
em amor, agiu corretamente, porque entendeu que vidas humanas importam,
independentemente de sua etnia. O ponto de inflexão será alcançado quando
entendermos como devemos agir no dia-a-dia em relação a nosso próximo, se realmente
somos discípulos de Jesus. O apóstolo João ensinou: “Nisto conhecemos o amor:
que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1 João
3.16). Dar a vida pelos outros, portanto, é a demonstração de que o amor de
Deus está em nós. Ao contrário, seremos apenas como um “sino que tine” (1 Coríntios
13.1).
Os limites da intromissão nos problemas alheios, portanto,
podem ser definidos pelo padrão de amor que nutrimos por Deus e por nossos
semelhantes. Com a presença do amor genuíno, a pessoa que sofre será abordada
por esse “bom samaritano” de forma sensível e respeitosa: ele estará disposto a
ouvi-la atentamente, sem julgá-la arbitrariamente, oferecendo apoio e recursos,
se necessários, e sem transpor as fronteiras das intimidades invioláveis. Os
limites da intromissão nos problemas alheios são delimitados pelo amor, o qual
oferece um caminho seguro, uma resposta de paz, uma solução benfazeja, trazendo
mudança de cenário para aquele que sofre.
Ao seguirmos o exemplo de Jesus e agirmos com amor e
compaixão, estaremos plantando sementes de vida que transformarão a paisagem de
desertos sufocantes, causticantes, habitat emocional de muitos homens modernos.
Que possamos ser inspirados a amar como Jesus nos amou, fazendo a diferença na vida
das pessoas ao nosso redor.
por Reynaldo Odilo Martins Soares
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