Na busca de abordar com propriedade a importância e os limites que incidem sobre os ministérios paraeclesiásticos, se faz necessário que avancemos no processo de compreensão da identidade desses grupos
Os ministérios ou organizações paraeclesiásticas, embora não sejam apresentados ou recomendados nos escritos bíblicos, em especial nos textos normativos da vida da igreja cristã, são uma realidade presente no transcurso da história da Igreja. Desde os primeiros séculos da igreja, os ministérios paraeclesiásticos podem ser constatados como parte de ações extra-eclesiais que respondiam a necessidades sociais e educacionais da comunidade cristã. Embora se possa também ver ações alhures desses ministérios na fase medieval da igreja, é mesmo a partir da Reforma Protestante que passamos a ver uma maior presença nos serviços prestados à comunidade.
De forma especial, a partir do movimento das missões e da
expansão da igreja missional, bem como com o surgimento de ações mais específicas
no contexto do Cristianismo contemporâneo, pode-se claramente ver o crescimento
dos movimentos paraeclesiásticos na história da Igreja. Uma vez que a presença
desses ministérios é uma realidade ao longo da história, bem como sua relação
com a comunidade cristã e secular é inquestionável, cabe-nos então aqui analisar
qual é a importância e os limites que incidem sobre os ministérios paraeclesiásticos.
Conceituações
Principiamos este escrito com a definição de dois conceitos
teológicos de relevante compreensão no papel da missão da Igreja, que são Missio
Dei e Missio Eclesiae. Reservamo-nos aqui a ocuparmo-nos com essas definições
sem a pretensão e a preocupação de se aprofundar em suas conceituações, uma vez
que elas aqui estão apenas para sinalizar um norteamento de pensamento deste
texto sobre os ministérios paraeclesiásticos.
Missio Dei
A expressão latina Missio Dei, que significa “Missão
de Deus”, se trata de um conceito teológico que surge nas primeiras décadas do
século 20 e que passa a ser inserido sistematicamente no vocabulário da
Teologia Missional na segunda metade do século 20. A Missio Dei expressa que a
missão se deriva da natureza de um Deus Trino e que, por conseguinte, tem na
pessoa de Deus o agente desta missão, cujo objetivo é salvar e restaurar a
criação divina da sua corrupção advinda da queda do homem edênico. Segundo o teólogo
sul-africano David Bosch [2011], a missão é um atributo de Deus, de modo que Deus
é um Deus Missionário. A partir deste núcleo-duro da Missio Dei se compreende
que Deus envia o Seu povo ao mundo como parte de Sua missão redentora. Neste
contexto, deve-se pensar na Qahal Israel (Congregação de Israel), mais
especificamente do período do Segundo Templo e, em especial, na comunidade
cristã nascente na Jerusalém do século (1).
Missio Eclesiae
A essa comunidade cristã, isto é, a Igreja de Cristo, é conferida
o que denominamos por Missio Eclesiae. Esta expressão latina, por sua
vez, é emprega em referência ao papel que confere à igreja na Missão de Deus.
De evidente relevância está o ato de compreendermos que a missão da igreja não
tem origem em si mesma, antes ela provém da Missio Dei. A igreja
desenvolve o seu papel missional através de sua ação como agente do Reino de
Deus – por meio de sua ação de testemunha e propagadora do Evangelho de nosso Senhor
e Deus Jesus Cristo.
A comunidade cristã m no processo de avanço de sua Missio
Eclesiae, nem sempre pode ocupar-se em plenitude das ações que são
inerentes à sua missão integral e, portanto, este é o momento em que as igrejas
locais necessitam da cooperação dos denominados ministérios paraeclesiásticos.
Conceituando ministérios paraeclesiásticos
Os ministérios paraeclesiásticos, que, a meu ver, podem em
significar escala ser conectados ao que tecnicamente denominamos por Missio
Hominum, tratam-se de grupos que atuam em forma de ministérios ou organizações
que servem como apoio em áreas específicas para as igrejas locais. O adjetivo
paraeclesiástico origina-se da junção de duas palavras gregas, que são: παρά + ἐκκλησία, sendo que ekklesia
é o termo que traduzimos por “Igreja” nos escritos neotestamentários. A preposição
grega παρά, quando usada junto a elementos que implicam em ação de movimento,
pode ser traduzida como: “ao lado de, junto a”; já o substantivo ἐκκλησία, por se originar da junção
da preposição ἐκ – que
significa “de dentro para fora” com o verbo καλέω – que, por sua vez, significa
“chamar, convocar” – pode ser exemplificado em “um grupo de pessoas chamados para
fora de suas casas para se reunirem em assembleia pública ou privada”. A partir
desta consideração etimológica, pode-se chegar à compreensão de que os movimentos
paraeclesiásticos são ministérios ou organizações constituídos para atuarem
junto à igreja local, como um instrumento de suporte à igreja local, a fim de que
esta possa levar a cabo aquilo que lhe confere no campo da Missio Eclesiae.
Ao ampliarmos nossa compreensão sobre o que são os ministérios paraeclesiásticos,
nós somos norteados a compreender que estes grupos, apesar de atuarem em apoio
à igreja local, possuem autonomia, sendo os próprios responsáveis por sua
administração, organização e desenvolvimento. Todavia, essa autonomia não abre
a possibilidade para que se esses ministérios atuem afastados da igreja ou na
tentativa de substitui-la em sua Missio Eclesiae, mesmo porque eles estão
para atuar ao lado, em apoio às igrejas locais.
Um olhar mais acurado para os ministérios
paraeclesiásticos
Na busca de abordar com propriedade a importância e os
limites que incidem sobre os ministérios paraeclesiásticos, se faz necessário que
avancemos no processo de compreensão da identidade desses grupos. Essa
compreensão se torna mais ampla e precisa quando investigamos o caráter, ou
seja, os elementos que caracterizam essas organizações. Dentre outras, os ministérios
paraeclesiásticos têm relevantes características, as quais são:
Atuação em campo específico
Os ministérios paraeclesiásticos enfocam e atuam em segmentos
específicos do serviço cristão, sejam eles de caráter intra eclesiam ou daqueles
de caráter extra eclesiam. Quanto ao ambiente interno da igreja, existem
aqueles ministérios que atuam apoiando as estruturas internas que estão presentes
em muitas comunidades de fé, como, por exemplo: 1. Os segmentos etários:
ministérios que atuam com crianças; adolescentes; jovens; adultos; família; 2.
Segmentos de ensino: discipulado, formação e treinamento; 3. Segmentos
logísticos: mídia, som; 4. E, também, há ministérios que assistem às igrejas
locais nas próprias atividades de culto que realizam. Por sua vez, no ambiente
de atuação externa da igreja, existem aqueles ministérios que apoiam as atividades
a serem realizadas que estão relacionadas com a pregação cristã: 1. Ministérios
que atuam com missão autóctone e transcultural – de apoio a igrejas ou de plantação
de novas comunidades de fé; e 2. Os de ações apologéticas. Neste contexto, há também
ministérios que apoiam as igrejas locais em ações relacionadas com a obra
social e cultural, exercendo atividades de ação e assistência social – permanentes
ou emergentes, como: ajudas sociais, campanhas específicas, construção e
manutenção de hospitais, lares de crianças e idosos; bem como também há aqueles
ministérios paraeclesiásticos que atuam na criação e manutenção de centros de formação
educacional, como seminários, escolas e universidades. Desse modo, esses ministérios
paraeclesiásticos, por possuírem um enfoque específico de recursos e ações,
conseguem realizar atividades que as igrejas locais, muitas vezes, não conseguem
atender de modo eficaz.
Conhecimento e diálogo efetivo com o contexto de atuação
Os ministérios paraeclesiásticos, por concentrarem suas ações
em um segmento cultural ou social específico, conseguem delimitar com maior
precisão seu campo de ação e o seu objetivo a ser alcançado. Dessa forma,
conseguem evitar o círculo vicioso – onde se está girando ineficazmente e
realizando sempre mais do mesmo – e, assim, conseguem desenvolver a execução de
um círculo virtuoso, onde se gira em forma espiral, ou seja, girando e expandindo
continuamente com seus movimentos. Quando se evolui em um círculo virtuoso, se
avança de forma intencional e não de forma acidental; logo, se pode atuar
sabendo de quem se necessita para a realização de cada tarefa, bem como os
devidos métodos a serem empregados e quais as ferramentas a serem usadas.
A ação social ou cultural devidamente elaborada de um
ministério paraeclesiástico estabelece-se como uma ponte entre a igreja local e
a cultura, de modo que se pode chegar, por meio da Missio Eclesiae, à
revalorização da cultura, o que particularmente prefiro denominar como “Santificação
da Cultura”, onde ocorre o resgate da Cultura Sagrada, proposta por Deus ao homem
edênico. O conhecimento e relacionamento com partes específicas de uma cultura,
realizados por esses ministérios, podem proporcionar às igrejas locais uma aproximação
mais contextualizada da realidade vivenciada em um contexto específico. Nesse processo
de contextualização, a ação dos grupos paraeclesiásticos é muito contributiva
para que a igreja local possa reavaliar e reposicionar suas ações missionais,
pois a dinâmica da sociedade contemporânea exige uma contextualização contínua,
não de conteúdo, mas, sim, da forma. Todavia, sabe-se que o processo de relação
com as mudanças ocorre de forma diferente nos segmentos paraeclesiásticos e nas
igrejas locais.
Expansão do estado de “ser e estar” da igreja local
Uma das grandes ações dos ministérios paraeclesiásticos é que,
através de suas atividades, eles podem contribuir para que a igreja local reavive
sempre a compreensão de que ela é parte do Corpo Místico de Cristo e não que ela
seja o próprio Corpo de Cristo. Os membros de uma igreja local, ao
envolverem-se nas ações realizadas pelas organizações paraeclesiásticas, têm a
oportunidade de desenvolverem a comunhão e unidade com irmãos de outras congregações
e denominações, em prol de levar a cabo a Missio Eclesiae, ou seja, a missão
de ser agente do Reino de Deus no contexto onde se está inserido. Ao envolverem-se
nestas ações, os membros de uma igreja local também podem ser potencializados em
seu processo de crescimento no exercício dos seus dons, talentos e ministérios.
Quanto ao aspecto intraeclesial, uma igreja local em muito ganha ao envolver-se
com as atividades realizadas pelos ministérios paraeclesiásticos, pois ela pode
assim oferecer aos seus membros um serviço cristão especializado, o qual nem sempre
– em verdade, poucas vezes – está preparada para oferecer. Cabe-nos refletir
que a razão de ser da igreja é levar a cabo a Missio Dei e que ela deve
estar plenamente focada em realizar essa missão por meio de suas ações de
práticas diárias. Por isso, ela deve, sim, contar com o apoio dos ministérios
paraeclesiásticos, que podem otimizá-la nessa execução missional.
Um recorte de reflexão: capacidade de flexibilidade e
resposta rápida
Esses ministérios possuem uma rápida e eficaz capacidade de
resposta, o que torna para eles mais curto o caminho entre intenção e ação, e isso
é algo extremamente relevante em um contexto como o da modernidade tardia, onde
o tempo é um dos patrimônios mais valiosos que uma pessoa pode ter. Essa capacidade
que têm os ministérios paraeclesiásticos de flexibilidade e de rapidez em responder
aos desafios que lhes são impostos ocorre, entre outras, por algumas razões
básicas:
O sistema de liderança dessas organizações – Por serem
menos burocráticos, eles possuem uma maior horizontalidade de gestão e uma
efetiva descentralização de poderes que resultam em ações menos letárgicas e
ineficazes.
Especialização – Uma outra razão fundamental para que
as organizações paraeclesiásticas consigam um significativo índice de agilidade
e produtividade eficaz se deve ao fato de que eles atuam de forma especializada
e em campos específicos da sociedade. Está cada dia mais evidenciado que os
que atuam em muitas frentes, de forma genérica e não especializada, desperdiçam
potencial produtivo, vivem correndo contrarrelógio e se tornam progressivamente
menos relevantes a cada nova ação.
Conhecimento e contextualização – Esses ministérios têm
uma importante capacidade de conhecimento do contexto social ao qual se propõem
atender, bem como possuem também uma relevante visão de sua necessidade de contextualização
contínua com a cultura com a qual dialogam. Esses elementos, que parecem ser
tão simples e fáceis de serem discutidos e analisados, e desde aí propostos
mecanismos de ação, nunca ocorrem de maneira real e satisfatória enquanto não se
está intrinsicamente envolvido com a sociedade e a cultura – não como uma ação
de quem vai a elas, mas antes, sim, de quem está profundamente inserido como parte
delas. Por essas razões, os ministérios paraeclesiásticos podem adaptar-se mais
facilmente que as igrejas locais para atenderem às necessidades específicas de
uma comunidade.
Uma mesa de diálogo-ético
Ao longo do desenvolvimento deste escrito, nós podemos
apresentar uma compreensão do que são os ministérios paraeclesiásticos e qual a
importância que eles possuem, em especial no contexto de sua relação com a
igreja local. Agora, todavia, nos cabe pensar quais são os limites que devem
ser estabelecidos para esses ministérios e o porquê dessa limitação.
É inquestionável que não poucas instituições
paraeclesiásticas atuam de uma maneira ética e relevante, reconhecendo os
limites do seu campo de ação e servindo como um instrumento de bênção para a
vida da igreja local. Todavia, é também incontestável que existem muitos ministérios
que possuem um procedimento equivocado e, muitas vezes, mal-intencionado, tornando-se
um problema para algumas igrejas que os apoiam. Ao longo de minha jornada
ministerial, já pude presenciar ministérios paraeclesiásticos que não
compreenderam que foram instituídos para atuar em apoio à igreja local e não
como uma igreja paralela. Eles atuavam afastando seus participantes da vida
comunitária de suas igrejas locais. Algumas vezes já pude presenciar ministérios
que atuaram se tornando receptores de investimentos financeiros que deveriam
ser entregues à igreja e não para instituições. E até mesmo vi pessoas que conduziam
organizações paraeclesiásticas se vestirem de uma falsa aparência de piedade e,
posteriormente, seduzirem crentes débeis e cristãos não nascidos de novo e com
esses constituírem uma igreja local.
Não podemos mesclar os bons e os maus ministérios
paraeclesiásticos, pois, como em todo segmento cristão, haverá os que atuam com
um bom caráter cristão e os que assim não fazem; haverá os que se dedicam à
santificação dos seus ministérios e os que não procedem assim. Logo, devemos
bem saber com quem nos associamos e estabelecer uma mesa de diálogo-ético. Quando
é estabelecida uma mesa de diálogo-ético entre igrejas locais e ministérios paraeclesiásticos,
o avanço da Missão da Igreja é relevante e resulta em glória ao Senhor, edificação
dos cristãos e expansão do Reino de Deus. Algumas coisas precisam ser conversadas
e oficializadas em uma mesa que orienta essa ação conjunta. E sinto-me bastante
confortável com essa apreciação por presidir um ministério paraeclesiástico e simultaneamente
servir como pastor sênior em uma igreja missionária no continente europeu. Portanto,
entendo que algumas considerações devem ser ressaltadas, que são:
1) É imprescindível que ambos os segmentos tenham claros as suas
ações e os seus limites que lhes cabem na tarefa que realizarão em cooperação;
2) Que haja um relacionamento pautado por uma autêntica ética
cristã, onde os ministérios paraeclesiásticos e igrejas locais alcancem a
excelência em comunhão.
3) Relevante é que igreja local e os ministérios
paraeclesiásticos desenvolvam o princípio bíblico do companheirismo, em
especial que possam se deixar orientar pela abordagem de Paulo sobre o
companheirismo ministerial.
Considerações conclusivas
Os ministérios paraeclesiásticos revelam-se como uma ferramenta
que seguirá em expansão no desenvolvimento da história da Igreja. Uma
constatação lógica é que o futuro da Missio Eclesiae, com o propósito de
levar a cabo a Missio Dei, passa pela ação resultante do trabalho conjunto
realizado por igreja local e ministérios paraeclesiásticos.
por Jesiel Paulino
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