Conflitos e superexposição midiática

Conflitos e superexposição midiática


O século 20 foi, sem dúvida, cenário de uma verdadeira revolução no âmbito das comunicações, se comparado à Revolução Industrial. Nesse contexto, a mídia passou a cumprir um importante papel de envolvimento, debate e mediação de conflitos. Porém, devemos estar atentos, pois o ideal que ela propõe muitas vezes contrapõe-se às necessidades do povo.

A mídia cumpre a função social de tornar a sociedade informada, além de ser formadora de opinião. Ela também define os assuntos sobre os quais as pessoas conversam no dia-a-dia em casa, no trabalho, na rua etc. Mais à frente, surge a internet, que é a mídia social que mais se popularizou nos últimos anos, trazendo mudanças que afetaram as igrejas, pois seus conflitos internos passaram a ter uma superexposição.

Vejamos essa questão sob dois aspectos: 1º) o surgimento de conflitos e 2º) a superexposição dos conflitos.

No geral, onde há pessoas há conflitos, e toda organização, por ser constituída de homens, também tem conflitos. A igreja não é diferente. Se há conflitos entre duas pessoas, como é o caso do casamento, imagine onde há dezenas, centenas ou milhares de pessoas, como é o caso da igreja.

Conflito é discórdia, divergência, dissonância ou antagonismo. O conflito sempre envolve um desacordo no sentimento, pensamento ou conduta. Basicamente, de acordo os estudos das relações humanas, os conflitos surgem por causa da percepção diferente de um problema, sendo eles de vários tipos. Temos o intraindividual, que ocorre intimamente dentro de uma pessoa por sentimentos, opiniões, desejos e motivações antagônicas; temos o interpessoal, que é aquele que surge entre duas ou mais pessoas devido a interesses ou objetivos antagônicos; e temos o intergrupal, que ocorre entre grupos de uma organização.

Teologicamente, os conflitos surgem por causa da nossa natureza pecaminosa (Tiago 4.1; Lucas 12.13-15). Os conflitos surgem por causa de desejos não satisfeitos em nosso coração. Se desejamos algo e não obtemos, e o outro deixa de satisfazer nossos desejos, o condenamos em nossos corações. Então, o conflito segue uma sequência: primeiro, desejo; depois, exijo; após, condeno; e finalmente, puno o outro. Na Bíblia, temos vários casos de conflitos. Temos os conflitos pessoais de Gideão (Juízes 6.12-14), Asafe (Salmos 73) e Habacuque (Habacuque 1.1-12); temos os conflitos familiares em Caim e Abel (Gênesis 4), Jacó e Esaú (Gênesis 27), no problema com Diná (Gênesis 34), na rebelião de Absalão (2 Samuel 15) e no caso de Tamar (2 Samuel 13). e temos os conflitos relacionais entre os pastores de Abraão e Ló (Gênesis 13.7-10), na contenda entre os servos de Isaque e os pastores de Gerar (Gênesis 26.18-25) e no ultraje feito ao levita (Juízes 19 e 20).

No Novo Testamento, a situação de maior conflito foi registrada em Atos 15, quando a imposição de costumes judaicos para os cristãos gentios gerou uma grande polêmica na igreja, que resultou no Concilio de Jerusalém. Os conflitos da igreja atual vão além de limites históricos e geográficos e questões entre gentios e judeus. A igreja atual vive em um período pós-moderno, que é caracterizado por uma cultura pluralista, que, por sua vez, é resultado do globalismo. Isso favorece o surgimento de conflitos, que, por sua vez, resultam, por um lado, na migração de membros de igrejas procurando uma igreja que lhe satisfaça em aspectos de liturgia, doutrina e liderança; e por outro lado, resulta em igrejas procurando se adequar a essa nova realidade, em alguns casos deixando os parâmetros bíblicos. Também há o aumento do número de grupos dissidentes que, em função do conflito, resolvem se organizar em igrejas locais. A questão é que tudo isso nos dias de hoje vai para as mídias sociais, expondo as vísceras da igreja evangélica; e na busca de visibilidade, os youtubers exploram tudo isso com muita intensidade.

Como a Igreja deve lidar com tudo isso? Primeiro, a Igreja deve ter uma visão bíblica da questão. Acreditamos que a paz genuína entre as pessoas somente pode ser encontrada por intermédio de Cristo (João 14.27; 2 Coríntios 5.18,19; Colossenses 3.15,16).

Também acreditamos que a Igreja tem que ter uma missão pacificadora. Vemos isso no fato de a Igreja ser incumbida de restaurar a paz, promovendo justiça bíblica e reconciliação (Mateus 18.17; 1 Coríntios 6.4; Efésios 3.10; Hebreus 13.17). Essa missão pacificadora passa pela Bíblia, que é um livro que apresenta a causa teológica dos conflitos (natureza pecaminosa) e, por ser um livro prático, pode ser utilizada na solução de conflitos em seções de aconselhamento (2 Timóteo 3.16,17).

A Igreja também tem que criar uma cultura de paz. Veja Tiago 3.18: “O fruto da justiça, semeia-se na paz, para os que exercitam a paz”. Esse fruto que Tiago fala envolve uma ampla variedade de frutos de relacionamentos. Essa cultura de paz envolve perdoar como Deus nos perdoou (Colossenses 3.13), pois somos o povo mais perdoado do mundo e por isso devemos ser o povo mais misericordioso do mundo. Perdão é uma decisão, e precisamos, por causa da nossa natureza pecaminosa, da ajuda do Espírito Santo para exercê-lo, e também em alguns casos avaliar as nossas contribuições para que o conflito surgisse ou aumentasse.

Essa cultura de paz também envolve treinar cristãos para atuar como mediadores de conflitos; cristãos que orem, conheçam o problema de fato, identifiquem os interesses divergentes no conflito e os interesses comuns dos dois envolvidos no conflito (como a manutenção do testemunho cristão e do bom nome da igreja), que desenvolvam opções razoáveis para a solução do conflito, planejem um acordo, saibam a forma e o momento apropriado de abordar a questão e também de estimular os membros a antes de ir para a justiça comum buscar aconselhamento. Muitos cristãos deixam os princípios bíblicos nos momentos de conflitos, por isso a Igreja tem que ensinar seus membros a utilizar os princípios bíblicos na vida diária. Os estudos bíblicos devem abordar essas questões para que a Igreja fique protegida de divisões. Assim será menos provável a saída de membros ofendidos. A Igreja deve criar ações de pacificação tanto preventiva quanto corretivamente.

Quanto à questão de os conflitos ganharem dimensões midiáticas, devemos também refletir sobre isso. Normalmente, durante um conflito, as pessoas usam as mídias sociais para difamar, caluniar, se sobrepor ao outro e até promover a cultura do cancelamento de pessoas e instituições. Por outro lado, há youtubers que propagam conflitos para ter visibilidade e rendimentos.

A maledicência era proibida na lei (Levíticos 19.11,16), nos Salmos (Salmos 34.13), nos profetas (Zacarias 8.16,17), nos Evangelhos (Mateus 5.22) e nas epístolas (Efésios 4.25,29; Tiago 3.1-12; 4.11,12). A maledicência torna a religião vã (Tiago 1.26). Ela produz destruição, intrigas, inimizades, invejas, ira, fofocas etc. Igrejas são divididas, famílias são desfeitas, amizades são destruídas, guerras surgem por causa do mal uso da articulação de palavras. Por isso, é bom refletir antes de falar (Tiago 1.19).

Muitos conflitos são gerados pelo espalhar mentiras. Mentira é engano, fraude, falsidade, erro, ilusão, juízo falso, fábula e ficção. Nos dias de hoje, ganhou uma expressão bonita: fake News A Bíblia terminantemente proíbe a mentira (Colossenses 3.9,10; Efésios 4.25; Provérbios 19.5). Muitos compartilhamentos de vídeos na internet são feitos sem verificar as fontes, o propósito, o contexto e os dois lados da questão. Como cristãos, devemos ser cautelosos e prudentes quanto ao que compartilhamos.

Devemos também ter cuidado com a língua (Romanos 12.14), vencer o mal com o bem (Romanos 12.21) e estar abertos para o diálogo e a negociação. Devemos também reconhecer nossos limites em lidar com pessoas difíceis e fazer de tudo para viver em paz com os outros (Romanos 12.18).

Caso a instância pessoal da solução do problema seja ineficaz, devemos, depois de esgotar os recursos, buscar as vias legais: o Conselho de Ética da igreja ou da Convenção. Os tribunais civis podem decidir sobre questões legais e de propriedade, mas não tem jurisdição nem capacidade para tratar do pecado ou de outras questões do coração (Tiago 4.1-3; Mateus 5.19). A igreja local pode ministrar ao coração, que é a fonte dos conflitos. Precisamos restabelecer a paz em nossos corações (1 Pedro 3.4). Precisamos ter um coração amoroso, paciente, perdoador. A reconciliação é uma escolha que fazemos. Como cristãos, precisamos ter paz. A verdadeira paz procede de Deus, porque Ele é o Deus da paz (Romanos 15.33; 16.20; 1 Tessalonicenses 5.23; Hebreus 13.20; Filipenses 4.6,7). Os pensamentos de Deus são de paz (Jeremias 29.11). Cristo é o Príncipe da Paz (Isaías 9.6). Paulo recomendou que vivêssemos em paz (2 Coríntios 13.11).

A paz vem através da Palavra (Colossenses 3.15,16; João 14.27), do sangue de Cristo (Colossenses 1.12-14), da justificação (Romanos 5.1), do Espírito Santo (Gálatas 5.22; Romanos 8.6) e do nome de Cristo (Atos 10.36). O litígio demonstra fracasso individual, pois significa que o problema não se resolveu no âmbito doméstico da comunidade cristã. O litígio desvia o cristão de sua missão. O litígio prejudica a pregação cristã. Foi o que aconteceu em Corinto, pois os coríntios se tornaram tão insensíveis às realidades espirituais que nem mais se preocupavam em preservar a reputação cristã na sociedade. Lembremo-nos das palavras de Jesus: “Tende sal em vós mesmos e paz uns com os outros” (Marcos 9.50).

por Adejarlan Ramos

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