“Por que comigo, Senhor?!” Quantos de nós já fizemos esta pergunta? Parece inconcebÃvel pensar que, em um mundo governado por um Deus justo e bom, pessoas que aparentemente são boas venham sofrer. Por este motivo muitas indagações surgem sobre o caráter de Deus e o comportamento do cristão diante do sofrimento.
Diante disso, é salutar que nos debrucemos sobre esta
temática a fim de refletirmos sobre como o Cristianismo compreende este problema.
Para isso, buscaremos nos abalizar nas Escrituras e por pensadores cristãos que
contribuÃram para a compreensão do dilema entre o sofrimento humano e sua relação
com a fé cristã.
Deus: a suprema bondade
A celeuma sobre o sofrimento humano é um dos pontos mais controversos
dentro da doutrina cristã. Contudo, mesmo sendo difÃcil de compreender, é impossÃvel
negar a existência do mal entre nós. Basta olharmos para os desastres naturais,
que ceifam a vida de muitas pessoas; para a quantidade de crimes hediondos; ou
ainda para a enorme quantidade de pessoas que vivem de modo honesto, mas, mesmo
assim, padecem com enfermidade terminal. Nossa pequena mente não consegue lidar
com esses fatos facilmente e, diante disso, somos tentados a questionar a ação
do Criador.
Em tais situações, somos impulsionados a inquirir sobre a existência
de Deus, bem como a Sua bondade. É por isso que, antes de qualquer coisa,
precisamos enfatizar que, independentemente de qualquer fato exterior, Deus é a
essência da bondade. No Senhor Deus podemos encontrar todos os padrões
necessários e definidores da verdadeira bondade. Rejeitamos a ideia de que
aquilo que para justiça humana é considerado irremediavelmente mal venha a ser
considerado bom aos olhos de Deus; ou seja, em hipótese nenhuma Deus é o autor
do mal moral entre os seres humanos.
Deus, de forma alguma, pode ser considerado autor do mal,
como já foi sugerido por alguns teólogos fatalistas. Para Roger Olson, “embora
Deus tenha o direito e o poder de fazer o que lhe aprouver com qualquer
criatura, o caráter de Deus, como amor e justiça supremos, torna certos atos de
Deus inconcebÃveis. Entre estes estaria a preordenação do pecado e do mal”. (1)
Neste ponto, podemos fazer coro com as Escrituras, que afirmam categoricamente:
“Deus é amor” (1 João 4.8).
O Senhor é a própria bondade e, pelo seu amor e
misericórdia, compartilhou este atributo com a humanidade – ainda que essa bondade
existente no ser humano tenha sido distorcida pelo pecado. Para exemplificar o
resquÃcio de bondade divina existente na humanidade, C. S. Lewis afirma ser
semelhante a uma criança que tenta desenhar um cÃrculo e não o faz com
perfeição até que atinja as habilidades necessárias para tal. Contudo, ainda
que não bem formado, aquele cÃrculo feito pela criança apresentará as
caracterÃsticas de um cÃrculo. De igual modo, o homem pecador terá a ideia do que
é bom, mesmo não podendo atingir o padrão de bondade ideal requerida pelo
Criador – até o dia em que formos glorificados (Efésios 4.13). Contudo, a
pergunta inquietante ainda continua ressoando: “Ora, se Deus é bom, então por
que ele permite o sofrimento humano?”.
O amor de Deus e a responsabilidade humana
Para respondermos a essa questão, devemos nos ater a duas
situações: o amor de Deus e a responsabilidade humana. Em primeiro lugar, é
preciso entender que o amor de Deus não implica um salvo-conduto para que o ser
humano seja feliz no sentido hedonista do termo, ou seja, que atinja a
felicidade a partir da realização dos prazeres pecaminosos.
O que é o amor de Deus na perspectiva cristã? Tenhamos como
exemplo o amor entre pai e filho. Mesmo amando nossos filhos, não permitimos
que ele ou ela seja feliz à custa de prazeres deletérios. Se for preciso,
diremos um “não”, sempre impedindo que eles prossigam em direção a um precipÃcio
que os venha ferir fisicamente e espiritualmente. Nem sempre os filhos
entendem. Para eles, parece não haver amor em nossas proibições. Isso de algum modo
pode causar um sofrimento momentâneo. Não obstante, o fim dessa desautorização
paterna é sempre o bem real daqueles que são amados. Nesse sentido, é imprescindÃvel
ouvirmos mais uma vez C.S. Lewis sobre o tema: “O problema de reconciliar o
sofrimento humano com a existência de um Deus que ama só é insolúvel enquanto
associarmos um significado trivial à palavra ‘amor’ e considerarmos as coisas
como se o homem fosse o centro delas. O homem não é o centro. Deus não existe
por causa do homem. O homem não existe por sua própria causa. ‘Porque todas as
coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas’
(Apocalipse 4.11)”. (2)
O amor de Deus não pode ser visto como permissividade. Ele também
impõe limites e faz com que os homens sejam limitados em suas vontades; e em
razão de sermos limitados e temporais, não compreendemos que aquele momento de
sofrimento momentâneo é projeto de Deus a fim de ensinar Seus filhos e Sua
criação sobre algo maior. Às vezes, oramos por uma cura, uma solução de
problemas ou mesmo um livramento, mas esses pedidos não são atendidos. Devemos
lembrar que em hipótese nenhuma isso implica retirar o amor divino da equação.
Na verdade, para Aquele em quem não há limites temporais e que conhece todas as
tangenciais do universo, a pronúncia de um “não” é um ato de sabedoria e amor
que, para seres limitados como nós, pode parecer incompreensÃvel no momento, contudo,
sem dúvidas, esconde um pensamento muito mais alto. Em tais situações, só
podemos pedir a Deus para que nossos corações sejam confortados e aceitemos Sua
santa decisão.
Falemos sobre a responsabilidade humana diante do
sofrimento. Deus criou homens com liberdade de decisão. Doutra forma, não poderÃamos
falar em responsabilidade humana, pois como poderÃamos ser culpados ou
responsáveis por algo que não tÃnhamos outra opção a não ser cumprir “os
decretos ocultos de Deus?” Infelizmente, a liberdade humana é permeada pela
influência do pecado e, portanto, sempre tenderá a práticas que desagradam o
plano original de Deus. Neste caso, quando olhamos, por exemplo, para uma
famÃlia que foi vÃtima de deslizamento de casa e ali morreram crianças inocentes,
podemos perguntar: onde estava Deus nesse acidente? Bem, é preciso entender que
há a responsabilidade humana neste caso hipotético (mas muito real). Podemos
responder com as seguintes indagações: quem permitiu que essa casa fosse
construÃda nas encostas de morros? Por que não foram tomadas medidas de segurança
antes? A famÃlia poderia ter sido livre desse acidente pelas ações do poder
público?
Da mesma forma, encontramos situações similares, ao vermos
um trágico homicÃdio ou acidente de transporte (terrestre, aéreo ou marÃtimo).
Em tais situações, sempre haverá mortes prematuras, dor e sofrimento. Nesses
casos, vemos claramente a consequência do pecado, da maldade e da ganância que invadem
os corações de homens perversos. É um ciclo que só será contido quando
definitivamente todas as coisas estiverem sujeitas ao Deus Pai (1 CorÃntios
15.28).
Podemos refletir em cima dessas questões e afirmar que muitas
tragédias como essas citadas poderiam ser evitadas com ações adequadas dos
homens que, em razão do pecado, sempre tendem a atitudes que desagradam ao Pai Celeste.
Corroborando, William Lane Graig diz: “As Escrituras indicam que Deus entregou
a raça humana ao pecado, e ela o tem escolhido livremente; Deus não interfere
para impedir, mas deixa a depravação humana seguir seu curso (Romanos
1.24,26,28). Isso apenas serve para tornar ainda maior a responsabilidade moral
da raça humana perante Deus, assim como a nossa impiedade e a nossa necessidade
de perdão e de pureza moral”. (3)
Como agir perante o sofrimento do próximo?
Resta-nos refletir sobre mais uma questão: como devemos nos portar
ante o sofrimento de uma pessoa? Em razão de nossa natureza questionadora,
buscamos inadvertidamente encontrar o suposto motivo que levou alguém a estar padecendo
algum mal. Levantamos conjecturas semelhantes àquelas sugestionadas pelos
“amigos” de Jó. Na ânsia de consolar o patriarca, esses “amigos” passaram a investigar
a existência de pecados ocultos ou juÃzos divinos por trás da dor enfrentada
por ele. Porém, tal atitude trouxe mais dores do que respostas e consolo ao
aflito Jó.
Em momentos de dor, recomendamos que guarde suas especulações
filosóficas e teológicas para si mesmo. Nada que dissermos para uma pessoa que
está com seu coração ferido pela dor irá aliviar seu sofrimento naquele
momento. O ideal é que, diante do sofrimento alheio, saibamos quando nos calar,
acolher e orar pelos que sofrem. Se possÃvel, estendamos nossos braços para
ajudar e abraçar quem está debaixo do julgo da dor. Como diz Erwin W. Lutzer:
“Declarações superficiais não ajudam e, de fato, ferem. Às vezes, precisamos
apenas nos sentar ao lado daqueles que estão sofrendo, permitindo que saibam
que nos importamos. Nesses momentos de choque e dor, nosso silêncio, aliado Ã
nossa presença, demonstra afeto, acalma muito mais que ficarmos falando sobre
promessas e propósitos de Deus”. (4) Na hora da dor, devemos realçar gestos que
transmitam, na prática, o amor ao próximo ensinado por Jesus.
Concluindo, é importante que tenhamos em nossa mente que Deus,
em Seus planos infinitos e insondáveis, estará conosco em nossa dor. É bem
provável que Ele não responda às suas indagações, ou o porquê do sofrimento
pelo qual você está passando, assim como foi com o personagem bÃblico Jó. Não
obstante, ainda que Ele não responda, tenha certeza que o Senhor estará com
você em todas as circunstancias. Como escreveu Joe Coffey: “Ele é o único Deus
que abriu caminho da cruz para a alegria, de modo que suas lágrimas aqui na
terra um dia se transformarão, no céu, em lágrimas de alegria. Um dia vou
sentar com meu irmão mais novo, John, e riremos até que as lágrimas rolem em
nosso rosto. Mas não riremos porque o céu é maravilhoso. Vamos rir porque
nossas lágrimas aqui foram finalmente redimidas”. (5)
Notas
(1) OLSON, R. Teologia arminiana: mitos e realidades. São
Paulo: Reflexão, 2013, p.155
(2) LEWIS, C. S. O problema do sofrimento humano. 2ª Ed. São
Paulo: Vida, 1986, p. 24
(3) CRAIG, W. L. Apologética para questões difÃceis da vida.
São Paulo: Vida Nova, 2012, p.104
(4) LUTZER, E. W. Um ato de Deus? Respostas difÃceis acerca
do papel de Deus nos desastres naturais. Rio de Janeiro: CPAD, 2014, p. 16
(5) COFFEY, Joe. Defenda sua fé: pondo por terra as
gigantescas questões da apologética. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 46.
por Jefferson J. R. Rodrigues
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