Como entender os textos bíblicos de Josué 7.11,12 e Jeremias 31.29-34? Existe alguma contradição entre eles?
Duas questões são postas a exame: a primeira, se diante de Deus há responsabilidade dos filhos pela conduta dos pais; a segunda, se os textos de Josué 7.11,12 e Jeremias 31.29-34 são contraditórios. As duas respostas são negativas. Deus não cobra dos filhos a conduta de desobediência dos pais, porque Ele estabeleceu o princípio da responsabilidade individual, firmado principalmente na declaração de que “a alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18.20). E não há contradição entre os textos de Josué 7.11,12 e Jeremias 31.29-34.
Ao analisar Josué 7.11,12, que trata do pecado de Acã, é importante
refletir acerca da diferença entre culpa pessoal e consequências do pecado. O caráter
coletivo e solidário da existência humana faz com que os efeitos danosos do
pecado se espraiem para além dos seus praticantes diretos. Isso pode se dar (1)
de forma indeterminada ou (2) em decorrência de uma aliança específica.
A primeira hipótese, a mais comum, decorre do fato de que,
em regra, o pecado afeta o ambiente humano e gera consequências nas estruturas
sociais, a começar das famílias. Que pai ou mãe não prejudica seus filhos com
as consequências de seu pecado? Do mesmo modo, que pai ou mãe não é
prejudicado, de alguma forma, pelo pecado de um filho? Vícios, corrupções,
prostituições, violência. As consequências do pecado estão por toda parte. As transgressões
produzem nefastos efeitos difusos, porém sem um caráter determinante, fatalista
ou irreversível. E também não tem aplicação quanto à salvação.
A segunda hipótese pode ser vista nos fatos narrados no
livro de Josué, relacionados com a conquista de Jericó. Ao prometer entregar a
cidade ao povo de Israel, o Senhor proibiu que se tomasse do despojo: “Porém a cidade
será anátema ao Senhor, ela e tudo quanto houver nela” (Josué 6.17). Foi um
compromisso firmado com toda a nação, de forma indistinta. Era uma lei espiritual
para um povo que vivia sob uma aliança espiritual específica.
Deus cumpriu a parte dEle. A vitória sobre Jericó não foi
fruto de estratégia militar alguma, mas estritamente da ação divina. Cabia aos
hebreus a obediência às regras, que eram claras e tinham abrangência nacional.
Acã desobedeceu, tomando para si uma capa babilônica, dois quilos e meio de
prata e um pouco mais de meio quilo de ouro (Josué 7.21). “Israel pecou” (Josué
7.11). Como a bênção foi dada para toda a nação, o compromisso e as
consequências no caso de sua violação vinculavam a todos os hebreus. D. A.
Carson et al1 chamam isso de “conceito de solidariedade nacional, a ideia de
que os atos de um indivíduo afetam o grupo inteiro”. John H. Walton, Victor H.
Matthews e Mark W. Chavalas2 tratam como “responsabilidade coletiva”, a qual,
no caso de Israel, “era resultado da aliança [que a nação] tinha com o Senhor”.
Quanto ao texto de Jeremias 31.29-34, sua finalidade foi refutar
um provérbio equivocado que era repetido em Israel: “Os pais comeram uvas
verdes, mas foram os dentes dos filhos que se embotaram”. Os judeus negavam a
responsabilidade pessoal e atribuíam às gerações anteriores a culpa pelo juízo
de Deus que estava sobre eles. Tanto Jeremias quanto Ezequiel rechaçaram esse pensamento,
afirmando, com muita clareza, que Deus julga os atos de cada um, de forma individual
(Ezequiel 18.1-20).
Portanto, não é bíblico o ensino da maldição hereditária. Quando
os pais pecam, os filhos não herdam a culpa. E não há fatalismo quanto às
consequências do pecado (Êxodo 20.5). “A justiça do justo ficará sobre ele, e a
impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ezequiel 18.20).
Notas
(1) D. A. Carson.
et al. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009.
(2) WALTON.
John H; MATTEWS. Victor H; CHAVALAS. Mark W. Comentário Histórico-Cultural
da Bíblia. Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2018.
por Silas Rosalino de Queiroz
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