Eretz pernambucana: um pouco de Israel no Brasil

Eretz pernambucana: um pouco de Israel no Brasil


Desde o final do século 16, vigorava, em terras holandesas, a Dutch Permission, estabelecimento legal da tolerância religiosa, que concedeu livre exercício de sua fé aos judeus daquele país. Posteriormente, a concessão estendeu-se a todos os territórios sob a administração da Companhia das Índias Ocidentais, sendo permitida, inclusive, a criação de sinagogas, escolas e demais centros sociais e administrativos que a vida da comunidade viesse a requerer, sem quaisquer transtornos, conforme assegurou o texto: “(...) que não sejam molestados ou sujeitos a indagações com suas consciências ou em suas casas” (Regimento do Governo das Praças conquistadas ou que forem conquistadas, concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais. Haia, 13 de outubro de 1629).

Floresceu, então, em Pernambuco, uma crescente comunidade judaica que, embora de curta permanência, deixou marcas nos costumes do nosso povo, além da esperança na possibilidade de mútua e pacífica convivência. A restauração da sinagoga Kahal Zur Israel, na antiga Rua dos Judeus, no Recife, é um presente aos que amam a história da nação, avançando nela além dos apagamentos ideologicamente constantes nos livros didáticos. Aqui, no Brasil, em Pernambuco, filhos e filhas de Abraão estabeleceram-se e prosperaram, dando sua preciosa parcela de contribuição para a formação da nacionalidade. Foram comerciantes, senhores de engenho, artesãos; foram prestamistas e navegantes; cultivaram as artes e o solo; viveram... Em 1642, foram agraciados com a chegada de seu primeiro rabino, Rabbi Isaac Aboab da Fonseca, diretamente de Amsterdã, sendo ele o autor do primeiro texto hebraico produzido nas Américas.

O duro golpe que viria a sofrer a comunidade deu-se em 1654, após três derrotas da Companhia das Índias, que provocaram o cerco dos judeus locais pelas tropas portuguesas. Debaixo de grande sofrimento, faltando-lhes alimentos, aos sitiados não restava possibilidade de livramento, quando dois navios, o “Falcão” e o “Elizabeth”, deram escape à maioria deles. Rabbi Aboab registrou o ocorrido: “No dia nove do quarto mês, dois navios tornaram-se para meu povo como que remédio predestinado. Pois se não chegassem a tempo, nem fuga havia para ele. Lembrai e gravai, ó Assembléia de Fiéis: este é o dia que o Senhor fez testemunho eterno para meu povo sábio. Fama sempiterna destinarei a Ele. Nesse dia comemorarei Seu braço milagroso”.

Os que fugiram espalharam-se por países da América Central. Um grupo dirigiu-se à Eretz Israel bem aqui, no nordeste brasileiro. A visita à antiga sinagoga é passeio necessário a quem queira confirmar as fronteiras distantes a que a dispersão judaica avançou e, com isso, glorificar o Deus que novamente os reuniu na terra da promessa feita aos seus ancestrais. Mas se nota o milagre quanto mais impossível um dia ele se mostrou. Um detalhe ainda vale nosso registro. Trata-se do já citado Regimento das Praças conquistadas pela Companhia das Índias, onde fica assegurada a liberdade das consciências e dentro das casas, sem que ninguém seja, por isso, molestado. O texto ressalta um elemento primordial à existência de um povo que almeje a plena realização de seus objetivos, mormente a construção de pilares sólidos para que as próximas gerações tenham vez e lugar – a liberdade. Liberdade de consciência e liberdade dentro dos lares é rincão a ser defendido em todo o tempo em que durar o cerco promovido pelos ventos do combate aos princípios de fé e de moral que cada família pretenda conservar. Por liberdade de consciência e liberdade nos lares esteja implícita a liberdade de educar e disciplinar os filhos, consoante a regra de fé e prática que cada lar defenda, guardados os direitos das crianças já estabelecidos em seu Estatuto. Afinal, as crianças têm o direito de serem criadas, educadas e disciplinadas de forma coerente com a consciência dos adultos que as amam.

Por vezes, caberá aos adultos a aplicação de uma mais severa disciplina, no esforço de ajudar na formação de um caráter segundo suas consciências acreditem seja o melhor para servir a Deus e ao próximo. Nessa ocasião, a consciência ditará o melhor método a ser usado. Obedecer a Palavra de Deus, inclusive quanto ao uso da vara para a disciplina nada tem a ver com a falta de outros recursos ou com a explosão de ira que seus opositores dizem sempre anteceder sua aplicação. A vara é a representação da Lei, não apenas a dos homens, senão a divina, de onde vem justo castigo aos infratores. A vara é demonstração fiel do amor dos pais que querem ‘livrar seus filhos da morte’ e não ‘matá-los’. Trata-se de uma decisão de foro íntimo, cujo melhor proveito será tirado, não com a proibição, porém com instrução acerca das motivações e dos limites.

Quando os limites impostos pelo amor forem ultrapassados, então o Estado, guardião fiel da segurança de grandes e pequenos, fará bem-vinda intervenção. Reduzir, contudo, a autoridade dos pais perante os pequeninos apenas produzirá, cada vez mais, pequenos tiranos, entregues a si mesmos. Essa opção fere o sacerdócio do lar, questiona consciências e priva de liberdade. Em tempo algum trata de assunto de ordem apenas civil, mas avança sobre os caminhos da fé religiosa e furta a muitos a possibilidade de viverem, nestas terras brasileiras, durante os dias de nossa peregrinação, o sonho possível de uma Eretz dos Servos do Senhor, enquanto aguardamos a entrada em nosso definitivo Lar.

por Sara Alice Cavalcante

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