Em Lucas 12.47,48, Jesus deu a entender que o castigo será uma realidade como consequência da negligência de alguns filhos de Deus? Qual a correta compreensão do texto?
O estudo interpretativo das parábolas sempre requer o cuidado de não seguir o caminho de uma hermenêutica literal ou mesmo excessivamente alegórica, procurando significado correspondente em cada detalhe do texto parabólico. A parábola é um gênero literário que tem como objetivo apresentar uma ilustração que possa, de maneira mais clara, revelar uma ou mais verdades espirituais (Wycliffe, 2008, p. 1458). Conforme Coenen e Brown (2000, p. 1566), “uma parábola é uma forma de fala que se emprega para ilustrar e persuadir mediante uma figura”. Sua apresentação se dá em estilo narrativo, com o relato de fatos naturais ou acontecimentos possíveis, tendo como objetivo declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes (Bentho, 2003, p. 321). Kenneth Bailey (1995, p. 14) define parábola como “uma forma concreta e dramática de linguagem teológica que força o ouvinte a reagir”; que revela a natureza do Reino de Deus e/ou indica como um filho do Reino deve agir. Como enfatiza Bailey, a interpretação precisa considerar a estrutura literária exata do texto, suas unidades e divisões, e identificar o assunto principal de cada unidade (1995, p. 29).
Em relação à questão formulada, não há como responder apenas
com um “sim” ou um “não”. A resposta é “sim”, se o autor do questionamento
estiver considerando que o castigo será aplicado a um servo que, por
negligência, tenha se perdido. Mas é “não” se estiver cogitando de um salvo ser
objeto de açoites por ter sido negligente em sua missão. O significado do texto
de Lucas 12.47,48 não é de que haverá castigo para os filhos de Deus (adotados
por meio da fé em Cristo Jesus) que alcançarem salvação eterna (João 1.12; Efésios
1.5). Não haverá a conjugação de salvação e castigo. O próprio contexto indica que
os castigados serão os que forem separados dos servos fiéis, como vemos no
versículo 46: “[...] virá o Senhor daquele servo no dia em que o não espera e
numa hora que ele não sabe, e separá-lo-á, e lhe dará a sua parte com os
infiéis”. A NAA traz o verbo “condenar” na parte final desse texto: “[...] condenando-o
com os infiéis”, deixando claro que não se trata da hipótese de salvo.
Em relação ao versículo 48, o Comentário da Bíblia de Estudo
Pentecostal Edição Global (2022, p. 1795) diz: “Assim como haverá graus de
recompensa no céu (1 Coríntios 15.41-42), também haverá graus de punição no
inferno. Aqueles que estão eternamente perdidos e espiritualmente condenados terão,
de alguma maneira, diferentes níveis de punição, de acordo com a forma como
lidaram ou desconsideraram os privilégios e as responsabilidades que Deus lhes
deu na vida (cf. Mateus 23.14; Hebreus 10.29)”. Conclui-se, portanto, que Jesus
aludia a pessoas que não obterão a salvação e que, portanto, serão julgadas e
açoitadas conforme o grau de suas culpas, verificadas com base nas ações
praticadas. Nota-se ainda que o versículo 47 estabelece uma relação com o grau
de conhecimento que o servo tinha da “vontade do seu senhor”, o que nos permite
entender que se trata do nível de iluminação espiritual que cada pessoa recebe,
a partir do conhecimento da revelação divina. Como analisa Matthew Henry (2008,
p. 628,629), “Deus, de forma justa, infligirá uma punição mais rigorosa [aos que
tenham] abusado dos meios de conhecimento que lhe foram concedidos, dos quais
os outros fariam melhor uso. Porque uma atitude como esta demonstra um alto
grau de intenção de pecar e desprezo contra o conhecimento; de um castigo muito
mais doloroso então estes serão achados dignos, além dos muitos açoites que as suas
próprias consciências lhes infligirão!”.
Referências Bibliográficas
BAYLEY, Kenneth. As
Parábolas de Lucas. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.
BENTO, Esdras Costa. Hermenêutica
Fácil e Descomplicada. 20ª Impressão. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São
Paulo: Vida Nova, 2000.
HENRY, Matthew. Comentário
Bíblico Novo Testamento. Mateus a João. 1. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
PFEIFFER, Charles F.; VOS, Howard; REA, John (ed.). Dicionário Bíblico Wycliffe. 1. ed. Rio
de Janeiro: CPAD, 2008.
STAMPS, Donald. Bíblia
de Estudo Pentecostal Edição Global. Rio de Janeiro: CPAD, 2022.
por Silas Rosalino de Queiroz
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