O papel do pregador é um assunto de grande importância: ele é responsável por transmitir a mensagem sagrada da Palavra de Deus. Muitas vezes, os pregadores são elogiados por sua eloquência e capacidade de conquistar o público com seu magnetismo e carisma. Os pregadores de grandes multidões, capazes de manter a atenção do público por horas, geralmente têm agendas lotadas e alguns até alcançam o estrelato. Entretanto, como podemos identificar um bom pregador? Ou ainda: o apóstolo Paulo foi um grande pregador nos moldes contemporâneos?
Nenhum crente hoje responderia negativamente a essa
pergunta, especialmente lendo atentamente Atos dos Apóstolos. Paulo certamente
foi um grande pregador. Todavia, não era essa a opinião de muitos que circulavam
na Igreja de Corinto. Paulo sofreu uma dura perseguição de falsos mestres e
falsos pregadores naquela igreja em especial. Além das críticas agressivas ao
apóstolo, os enganadores diziam que Paulo era um orador fraco e sem
credibilidade, e que suas palavras não eram de confiança. Paulo, então,
escreveu 2 Coríntios em defesa do seu apostolado e de seu ministério.
Paulo reconheceu, de fato, que, em parte, os críticos estavam
corretos. Ele não era um orador dos mais habilidosos. O apóstolo se descreveu
como “rude na palavra” em 2 Coríntios 11.6. A expressão grega idios logos é rica
em significados com uma abundante diversidade de possibilidades de tradução:
“rude na palavra” (ARC); “fraco no falar” (NAA); “não ter técnica de um grande orador”
(NVT); “nulo na eloquência” (TEB); “não ser um orador eloquente” (NVI); e “imperito
no falar” (BJ). Outras possibilidades de tradução são: “falar de modo simples”;
“falar sem ornamentos”; “falar sem floreios” ou “não ter a habilidade de falar
bem”. Paulo está se comparando com os oradores eloquentes e bem treinados que estavam
tentando desviar os coríntios da fé genuína do Evangelho. O apóstolo está
dizendo que ele não tem a habilidade de falar como falsos pregadores, mas Paulo
está falando a verdade e isso é o que realmente importa. Ele não se importa se
não é tão habilidoso com as palavras como os outros, desde que esteja
transmitindo a mensagem certa.
Também aos coríntios, o apóstolo Paulo afirmou: “E eu, irmãos,
quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com
sublimidade de palavras ou de sabedoria” (1 Coríntios 2.1). A palavra grega
usada para “sublimidade” é hupsōlos, que significa “altura”, “elevação”, “grandeza”,
“exaltação” ou “excelência”. A palavra “sabedoria” é sophia, que significa
“sabedoria”, “inteligência” ou “conhecimento”. Paulo está dizendo que quando
ele visitou Corinto, não usou palavras ou sabedoria altamente elaboradas para
anunciar o testemunho de Deus. Em vez disso, se apresentou humilde e simples,
sem métodos retóricos para impressionar ou convencer. O apóstolo desejava ser
um exemplo da veracidade de Deus e não um orador eloquente.
Na cultura greco-romana, a eloquência era vista como uma habilidade
muito valorizada. Era considerada uma arte de persuadir e convencer as pessoas com
a oratória, e era considerada uma habilidade importante para os líderes
políticos, advogados e oradores religiosos. Os gregos antigos tinham uma escola
de oratória chamada “retórica” (rhêtorikê), que se concentrava no estudo e na
prática da oratória. Eles aprendiam técnicas como a construção de argumentos, a
utilização de figuras de linguagem e a entonação da voz para persuadir e
convencer as pessoas. Os romanos também valorizavam a eloquência, e muitos dos
seus líderes políticos eram oradores eloquentes. Eles tinham escolas de
oratória chamadas “escola de retórica” (scholae rhetoricae), onde os jovens
aprendiam a arte da oratória.
O apóstolo Paulo, embora criticasse o uso da retórica como ferramenta
de vaidade e presunção, não desprezava completamente a técnica da retórica, mas
rejeitava o seu uso desmedido e mal-intencionado. Paulo acreditava que a
retórica deveria ser usada para transmitir a verdade da Palavra de Deus e não
para buscar aprovação ou prestígio pessoal. Como lembra Craig Keener, os textos
de Paulo, incluindo 1 Coríntios, “apresentam conhecimento e uso considerável
das formas retóricas comuns. Embora Paulo talvez não estivesse à altura do
talento retórico de Apolo ou do padrão esperado pelos líderes coríntios, ele
era um escritor habilidoso (2 Coríntios 10.10)”.(1) O problema do apóstolo não
era com a técnica, mas com a motivação dos pregadores viciados na técnica. A
crítica de Paulo visava à retórica “extravagante”.(2)
Dos vários tipos de recursos retóricos, o apóstolo Paulo
usou especialmente o discurso forense e a diatribe.(3) O discurso forense era usado
em processos judiciais para convencer um júri ou juiz sobre a inocência ou
culpabilidade de um acusado. Ele geralmente incluía argumentos lógicos e
evidências para provar a inocência ou culpa do acusado. O orador precisava conseguir
persuadir o júri ou juiz de que sua posição era a correta. Já a diatribe era um
tipo de discurso moral ou filosófico, geralmente usados para convencer a
audiência a mudar seus comportamentos ou opiniões. Ele geralmente incluía argumentos
éticos e retóricos para persuadir a audiência a adotar certa posição ou ação. A
diatribe era comum entre os filósofos gregos e romanos, que a usavam para convencer
as pessoas a adotarem uma vida virtuosa e ética.
Quando Paulo apresenta o Evangelho em termos simples, sem
apelar para os recursos mais sofisticados da retórica greco-romana, ele o faz
em consonância com a sua “teologia da cruz”. O apóstolo, tanto em sua vida como
em sua retórica, apresenta o Evangelho não pelo triunfo e o ufanismo, mas pela
fraqueza. É na fraqueza do vaso que se manifesta a glória de Deus (2 Coríntios 4.7).
Isso está alinhado com sua compreensão de que a cruz de Cristo é o centro do
Evangelho e que a salvação vem pela fé na morte e ressurreição de Jesus, e não
pelas obras ou habilidades humanas. Ele acredita que o próprio Deus escolheu
usar a fraqueza e a humildade para mostrar sua força e glória. Essa perspectiva
também é expressa em 1 Coríntios 1.27-29, onde Paulo afirma que Deus escolheu
os fracos e os loucos para confundir os sábios e os poderosos.
Na mesma epístola, o apóstolo afirma: “porque nada podemos contra
a verdade, senão pela verdade.” (2 Coríntios 13.8). Com esta afirmação, ele
está dizendo que diante da verdade, não podemos fazer nada além de nos posicionarmos
a favor dela. A verdade é algo inegável e, diante dela, não temos escolha a não
ser aceitá-la e agir de acordo com ela. O compromisso com a verdade da Palavra
de Deus é o que define um bom pregador. O apóstolo Paulo é um exemplo de como a
verdade é mais importante do que a eloquência.
Em suma, a eloquência e o carisma são habilidades valiosas
para um pregador, mas elas não são o fator mais importante. Para Paulo, o
conteúdo é mais importante do que a forma; e o conhecimento preciso do Evangelho
é mais importante do que a qualidade retórica ao pregá-lo.(4) Ele nos instrui
que devemos defender a verdade e agir de acordo com ela, sem depender das nossas
capacidades discursivas. Os pregadores devem ser guiados pela verdade da
Palavra de Deus, e não pelas suas próprias opiniões ou desejos. A verdade é
essencial para garantir que a mensagem transmitida seja fiel às Escrituras.
Além disso, é importante que os pregadores sejam humildes e dispostos a
aprender e estudar constantemente, para poderem transmitir a mensagem claramente.
Notas
(1) KEENER, Craig. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia.
1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 201. p. 553.
(2) FURNISH, Victor Paul. II Corinthians: Translated with Introduction, Notes and Commentary. 1
ed. New Haven: Yale University Press, 1974. 490.
(3) BECKER, Jürgen. Apóstolo Paulo: Vida, Obra e Teologia. 1
ed. São Paulo: Editora Academia Cristã e Editora Efatá, 2020. p. 242.
(4) HARRIS,
Murray J. The Second Epistle to the Corinthians: New International Greek Testament
Commentary. 1 ed. Grand Rapids: Eerdmans, 2005. p. 751.
por Gutierres Fernandes Siqueira
Compartilhe este artigo. Obrigado.
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante