Conscientizações, atitudes e disciplinas espirituais para perseverar na fé

Conscientizações, atitudes e disciplinas espirituais para perseverar na fé


Os filhos de Deus têm à sua disposição ferramentas para auxiliá-los em sua trajetória de vida cristã rumo às mansões celestes

A obra da salvação é protagonizada e estabelecida de modo absoluto por Deus (João 3.16). Não duvidamos, de maneira alguma, de nossa incapacidade adâmica de prover quaisquer que sejam os meios para solucionar nossa congênita condição condenatória (Romanos 3.23; 5.12). O acolhimento da graça só é possível porque ela foi eternamente provisionada para a humanidade inteira. Sim, cremos que a eterna inclinação divina (Atos 17.30, 2 Pedro 3.9) e o potencial salvífico da obra de Cristo (2 Coríntios 5.14,15), têm repercussões universais. Ou seja, a morte expiatória do Cordeiro de Deus foi projetada desde a eternidade, e efetivada como ato de amor divino por nós há quase dois mil anos, com vistas a estabelecer plenas condições para toda a humanidade ser redimida da danação eterna.

Porém, o uso inadequado da liberdade divina que nos foi doada por Cristo em seu sacrifício vicário pode muito bem conduzir pessoas à queda. Está é uma convicção de fé que nós, cristãos de tradição pentecostal clássica temos. Ou seja, se multidões não seguirão o chamado celeste, isto não se deve a algum tipo de incapacidade ou limitação divinas, mas dar-se-á exclusivamente em face de mais uma decisão humana errada. À guisa de esclarecimento, e com o intuito de superar algum tipo de preciosismo semântico, no presente texto parte-se da compreensão teológico-conceitual de que somos seres dotados de liberdade e que, inclusive, depois da vivência da experiência salví­fica mais plena e verdadeira possível, podemos decidir por romper o relacionamento com Cristo e regressar a um estado espiritual decadente e perverso. Sim, a melhor defi­nição para tal deliberação é tolice, e não por outro motivo: é exatamente assim que as Escrituras denominam o indivíduo que existe conscientemente apartado do Criador (Salmos 14.1; 53.1).

O objetivo do presente artigo é discutir sobre o ferramental espiritual que o Altíssimo disponibiliza-nos para perseverarmos, isto é, vivermos de modo pleno e bendito no Maravilhoso Reino que Ele estabeleceu. Contudo, antes de refletir sobre tais bênçãos espirituais, reconheçamos uma verdade bíblica fundamental: o Reino de Deus é inabalável. Existem verdades categóricas que a Bíblia apresenta e defende, e um destes pilares espirituais é a natureza inabalável do Reino de Deus. Entende-se assim que o plano eterno do Criador de estabelecer entre os humanos Seu reinado não ficou falido em virtude do fracasso do primeiro casal, mas, com o advento do Cristo, Sua vida e paixão, o Altíssimo demonstrou aos fi­lhos de Adão que Seu intento de construir uma comunidade de plena comunhão entre o divino e o humano concretizar-se-á.

Não resta dúvida alguma, ainda que alguns por sua dureza de coração e obstinação se percam, que a realidade da instauração do Reino do Cristo já é um fato. Dito de outra forma, os planos celestiais jamais serão frustrados. É isto que, no vocabulário do escritor aos Hebreus, é adjetivado como “inabalável” (Hebreus 12.28). Sobre o Reino de Deus como fato, podemos citar o sermão escatológico de Jesus nos evangelhos, a certeza do Arrebatamento que está presente no epistolário neotestamentário, bem como todo o livro do Apocalipse de João. Além da literatura apocalíptica como forma de escrita, há um outro aspecto relevante que unifi­ca estes textos: a realidade do governo de Deus sobre a terra. Restam várias questões em aberto – de natureza antropológica, problemas soteriológicos, dúvidas sobre variados temas –, porém quanto à certeza de que o Reino de Deus se estabelecerá, e todas as coisas – céus e terra, materiais e imateriais, humanas e não-humanas – serão regidas conforme o plano originário do Criador, não paira incerteza alguma. Podemos assim confi­ar que, nesta esfera de superação do pecado e destruição da maldade, a vontade de Deus será estabelecida de modo pleno e irrefutável. Lembremo-nos que pecado é exatamente a humanidade desviando-se do perfeito plano do Redentor para aventurar-se em suas escolhas malfadadas e inconsequentes. Porém, no fi­nal, pelo plano de Deus, o universo será novamente feliz, tudo o que existe estará em seu correto lugar, e por isso não existirá qualquer tipo de sofrimento, insegurança ou fragilidade.

A natureza inabalável do Reino de Deus dar-se-á não apenas pela ausência de inimigos – até porque a existência destes nunca foi real ameaça para o nosso Deus –, mas porque tudo aquilo que a sábia mente divina determinar-se a fazer será realizado, e assim permanecerá para sempre (Filipenses 1.6). Como sabemos, a tragédia humana hoje é fruto justamente de contrapor-se à bendita sabedoria do céu, ou seja, não seguir uma vida harmoniosa e pací­fica, mas insistir em contradizer a sempiterna mente de Deus.

Uma salvação inabalável

A nova vida que Deus nos concede por meio de seu Filho unigênito dá-nos uma segurança espiritual inabalável, já que, mesmo diante dos ataques infernais, somos resguardados pela graça salvadora que nos livra de todo mal (1 Coríntios 10.13). Não vivemos mais debaixo do jugo do pecado, dos grilhões e opressões do inferno, pois, com a operação do Espírito Santo em nós, somos feitos novas criaturas, recebendo, assim, um outro viver cotidiano que nos capacita a enfrentar todas as tentações do maligno e perseverarmos até a vinda do Reino eternal do nosso Senhor Jesus Cristo (1 João 3.9; 5.18).

A segurança da salvação dos santos é uma doutrina clássica do protestantismo que, nesta formulação moderna comumente adotada, tem sua datação associada ao movimento da Reforma, no século XVI. Contudo, ela é antes de tudo bíblica, podendo ser identi­cados aspectos e fundamentos da mesma nas páginas das Escrituras. O corolário central desta tese teológica aponta para a paci­ficação de alma, para a impertubabilidade da vida cristã em face da bendita comunhão com Cristo (João 5.24). Deste modo, cremos que a obra da salvação estabelecida em nós garante-nos equilíbrio e paz, tranquilidade e segurança, perseverança e continuidade (Romanos 8.37-39).

É exatamente naquilo que significa “Segurança da Salvação”, “Salvação Inabalável”, “Perseverança do Santos” que algumas tradições cristãs divergem frontalmente. Existe uma pequena, porém ruidosa, parcela de igrejas cristã que defende ardorosamente a tese da impossibilidade da queda, tese esta popularizada no ditado: “Uma vez salvo, salvo para sempre!”. As consequências deste tipo de suposição teológica têm o potencial de produzir um enorme espectro de controvérsias, desde comportamentos arrogantes, associados a uma mentalidade de superioridade, até mesmo posturas lascívias fundamentadas numa certeza de inimputabilidade eterna. A despeito de nosso amor e cordialidade com todos, não é assim que nós, pentecostais clássicos, lemos as Escrituras e entendemos a sua verdade. Como afi­rma o pastor Antonio Gilberto: “O crente está seguro quanto à sua salvação enquanto permanecer em Cristo (João 15.1-6). Não há segurança fora de Jesus e do seu aprisco. Não há segurança espiritual para ninguém estando em pecado (cf. Romanos 8.13; Hebreus 3.6; 5.9). Jesus guarda o crente do pecado; e não no pecado” (GILBERTO, 2008, p. 373).

O Reino é inabalável, a salvação imperturbável (Romanos 8.28-30), nós, porém, filhas e filhos de Adão, continuamos num processo de aperfeiçoamento até chegar ao céu (Hebreus 13.20,21; 1 Pedro 5.10). Logo, ressalta-se mais uma vez: com relação à obra divina e toda a sua potencialidade em nossas vidas, temos total condições de permanecermos continuamente em comunhão com Ele, porém, com relação a nós, permanece a possibilidade do erro, o horizonte da queda, o drama do pecado. Se resta alguma dúvida, sejamos mais claros ainda: não temos responsabilidade alguma em relação à salvação – tudo é fruto da graça, produto da bondade que vem do céu –, entretanto somos terrivelmente responsáveis por nossa condenação, não sendo, absolutamente, possível terceirizar a responsabilidade por nossos malfeitos ou transgressões. Só cremos na condicionalidade da predestinação daqueles que perseveram na graça, usufruindo de todos os benefícios da cruz; não acreditamos em dupla predestinação, determinando arbitrária e previamente contingentes inteiros de pessoas para o inferno ou para o céu, nem mesmo na retórica religiosa de uma predestinação apenas para a salvação, imputando assim às pessoas a capacidade de perseverar no mal e entendendo a salvação sob a ótica de uma soberania aleatória, caótica, que elege uns poucos enquanto sadicamente permanece omissa quanto ao resgate de todos os outros, e que sequer pode ser questionada.

A possibilidade da queda

A arquitetônica da salvação tem várias nuances – processos que ocorreram na eternidade passada; aspetos que estão em pleno curso na atualidade; e ocorrências que, apesar de profetizadas, somente realizar-se-ão no futuro. Infelizmente, a queda é uma possibilidade real em todo esse processo. Entende-se aqui por queda a condição espiritual daquele indivíduo que – uma vez iluminado pela graça, lavado pelo Evangelho, selado com o Espírito Santo – opta por romper seu relacionamento com Cristo e regressa ao lastimável estado da condenação. São inúmeros os textos bíblicos que exortam sobre perseverança e fi­delidade – antes de mais nada, destaque-se que só é possível demandar fi­rmeza e santidade de quem recebeu pureza; ou seja, exigir pureza de quem está imundo de pecados é insensatez ou mórbido sadismo. Assim, sempre que as Escrituras neotestamentárias – registro em que a totalidade da vontade de Deus se manifestou – clamam por um compromisso da humanidade, isto é feito sob a compreensão de que apenas quem foi alcançado pela graça é conclamado a permanecer nela; quem não foi alcançado é conclamado a entrar nela, a recebê-la.

Jesus, em várias parábolas, fala de ovelhas que se perderam, fi­lhos que morreram, servos que assumiram atitudes incompetentes, e tudo isso implicava um enorme peso de condenação. Em Atos, temos advertências sobre pessoas e ensinamentos falsos que poderiam corromper comunidades inteiras. O epistolário do Novo Testamento trata de irmãos que se afastaram da comunhão e se converteram em verdadeiros problemas dentro das comunidades cristãs. Lemos, desta forma, inúmeras exortações quanto a permanecer no caminho difícil, não endurecer o próprio coração, continuamente vigiar. Para quem a possibilidade da queda não é real, não faria sentido algum qualquer tipo de recomendação dessa natureza.

 Eis aqui um outro extremo perigosíssimo: a potencialidade da queda não é justificativa alguma para a decisão de jogar-se no pecado. Quem adota uma existência autodestrutiva sob argumento da falibilidade humana jamais poderá culpar a outrem, para além de si memo. Repitamos: a cruz foi o acesso divino para a humanidade, apontando para um outro caminho que não fosse a certeza do inferno. Logo, todas as condicionantes para que pudéssemos ser presenteados com a eterna salvação foram superadas em Jesus de Nazaré (Romanos 5.17). Hoje, aqueles que enveredam por uma jornada de condenação fazem isso à revelia do amor de Deus, rompendo conscientemente com todas as bênçãos espirituais e assumindo assim os custos espirituais de não viver sob a vontade de Deus. Sobre regressos, retornos e reconciliações, devemos ter bem claro em nossas mentes: o amor de Deus não tem fi­m, mas nossas vidas, sim! Por isso, a graça divina nunca será inefi­caz na vida de pessoa alguma (João 6.39,40), contudo as oportunidades que nos são facultadas possuem uma limitante insuperável: o tempo (Hebreus 9.27). Feitos todos estes esclarecimentos prévios, porém necessários, pensemos agora sobre os recursos da graça à nossa disposição para perseverarmos no caminho da salvação (Romanos 14.4).

Atitudes e disciplinas espirituais para perseverança

Tudo o que nos faz perseverar na graça é divino, oriundo do céu, feito pelas mãos poderosas do Altíssimo (1 Pedro 1.3-5). Sabedores então da disponibilidade de maravilhosas bênçãos, as Escrituras exortam-nos a desenvolver a espiritualidade, o depósito da graça, o dom celeste que há em nós (2 Coríntios 13.11; Filipenses 2.12,13; Colossenses 2.10). A iniciativa do zelo pela ampliação da graça em nós não procede de nós mesmos, mas é obra exclusiva do Espírito Santo (João 16.8-11). Isto posto, reconheçamos alguns dos instrumentos espirituais que o Eterno utiliza para burilar nosso caráter e, assim, manter-nos fi­rmes até o dia glorioso da Sua vinda.

a) O amadurecimento espiritual (Tiago 1.3,4). Tiago, logo na abertura de sua epístola, lembra aos seus leitores que os processos espirituais a que somos submetidos produzem em nós fortalecimento, firmeza; nas palavras do escritor sagrado, perseverança. Sabemos que nossa estrutura humana é falível e frágil (Salmos 103.14), por isso somos convidados a trilhar a jornada cristã compreendendo as circunstâncias como oportunidades de amadurecimento espiritual (Romanos 5.3-5), o que, por consequência, nos fará pessoas fi­rmadas e arraigadas em Cristo cada vez mais (Colossenses 2.7; Efésios 3.16-19). Utilizando uma outra imagem que também é muito utilizada nas Escrituras, o problema de muitas pessoas é a infantilidade, isto é, a insistência em permanecer em hábitos e comportamentos inadequados (1 Coríntios 3.1-23). Algumas pessoas que já passaram por tantas experiências na vida e que deveriam ter crescido, amadurecido em Cristo (Hebreus 5.14), ainda vivem apegadas a picuinhas, estressadas por pequenas coisas, amarguradas por invejas e carnalidades. Para esse tipo de gente, a queda é um fato futuro que se aproxima, pois, já devendo agir de modo espiritual, ainda estão acorrentados por práticas infernais.

b) O reconhecimento do privilégio que é servir a Cristo (Filipenses 3.13,14). A trajetória de Paulo foi marcada por uma série de infortúnios e tribulações. Alguém que não tivesse a correta visão do Reino desmoronaria em lágrimas, seria soterrado por reclamações. Mas Paulo aprendeu a perseverar em contextos de aflição porque sempre tinha no horizonte as promessas da vida eterna (2 Coríntios 12.9,10). Enquanto entendermos que o ministério cristão é um fardo, estaremos muito longe da estabilidade espiritual que Jesus de Nazaré tem para nós. Como bem aponta o apóstolo (1 Pedro 2.19-24), o sofrimento que se enfrenta em virtude do relacionamento com Cristo deve ser entendido como privilégio. Assim sendo, nada abalará nossa fé enquanto estivermos convictos de que tudo o que fazemos tem como objetivo fi­nal a glória de Deus.

c) Dons, ministérios e vocações (Efésios 4.10-16). A Igreja está de pé porque o seu Redentor é quem a sustenta (Mateus 16.16-20), e como projeto coletivo de manifestação do Reino, ela permanecerá para sempre. Já cada um de nós, em nossas histórias e subjetividades, perseveraremos em Cristo quanto mais reconhecermos e exercermos nossos ofícios e deveres no Corpo de Cristo. Não fomos libertos para sermos inúteis (Lucas 17.9,10); antes, o enorme investimento espiritual em nossas vidas tem como fi­nalidade precípua fazer-nos produtivos e relevantes para a nossa geração (João 15.16). Esta, então, é a verdade espiritual que as Escrituras nos revelam: tanto mais formos ativos e efi­cientes no Reino, mais estaremos ­firmados em Cristo, perseverando na salvação que Ele nos deu. Os equipamentos espirituais que temos recebido de Deus não são para vanglória ou para alguma disputa arrogante de egos. O Senhor nos quer servindo uns aos outros no Seu Reino; e quanto mais envolvidos estivermos na Seara do Mestre, mais distantes da queda mortal viveremos.

Faz-se necessária uma pequena nota: a diferença entre servir integralmente ao Reino e ativismo religioso é bastante nítida. Enquanto no primeiro caso vivemos um mover espiritual que nos fortalece espiritualmente e nos abençoa fi­sicamente, na outra opção as pessoas adoecem, vivem debaixo de fortes crises e, por isso mesmo, são inconstantes na obra de Deus.

Conclusão

 Poder-se-ia citar vários outros recursos da graça para perseverança dos santos – disciplinas espirituais, experiência sobrenaturais, milagres e prodígios, discipulado, pastoreio efi­caz etc. Os que aqui foram desenvolvidos, e estes últimos que são citados, servem apenas de exemplos pontuais da multiforme graça celeste que opera em cada um de nós de acordo com as necessidades pessoais e comunitárias.

Tenhamos apenas uma poderosa certeza: nosso bondoso Deus não nos chama para vivermos numa corda bamba, numa espiritualidade circense. Também não cremos na ilusão de uma comunhão que nos faça tão passivos que de nós não se exija coisa nenhuma. A espiritualidade que desenvolvemos a partir desta leitura já consagrada em nossa comunidade assembleiana brasileira faz-nos eternos devedores do amor do Cristo e, assim nos reconhecendo, operosos trabalhadores da salvação.

Viva os recursos da graça! Viva a salvação!

por Thiago Brazil

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