A Bíblia Sagrada revela em suas páginas que a morte foi o resultado da desobediência do primeiro casal, que havia recebido do Criador a determinação de manter-se inalterado quanto ao fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal (Gênesis 3.6). O resultado da precipitação humana foi a morte, que marcou a humanidade para sempre (Romanos 5.12). Apesar da constante ameaça da cessação da vida, o ser humano sempre procurou atenuar o trauma do decesso ou mesmo abreviar o momento da partida eterna.
Neste afã, o avanço da tecnologia tem levado o homem
imaginar a possibilidade de alcançar a tão sonhada imortalidade ou, pelo menos,
“compensar” a ausência daqueles que já partiram. É o que mostra um estudo
publicado no dia 27 de dezembro de 2023, coordenado pelo Dr. Masaki Iwasaki, da
Harvard Law School, e professor assistente na Universidade Nacional de Seul, Coreia
do Sul, que verifica como o consentimento do falecido (ou não) influência nas
atitudes em relação à ressurreição digital.
Foram entrevistados 222 adultos norte-americanos, de diversas
idades, níveis de escolaridade e origens socioeconômicas, aos quais foi
apresentado o seguinte cenário: a oferta feita por uma empresa da chance de
trazer de volta uma versão digital de uma jovem mulher fictícia na casa dos 20
anos, que havia sido vítima fatal de um acidente de carro. Os amigos e pais da
falecida mulher manifestaram o desejo de recorrer à Inteligência Artificial
(IA) para recriá-la como um androide digital, mas a princípio não estava claro
se a mulher havia consentido com isso em vida. O que seus amigos e familiares
deviam fazer? Qual a decisão mais acertada? As perguntas giravam em torno da aceitabilidade
social de trazê-la de volta em uma escala de avaliação de cinco pontos, levando
em conta outros fatores que envolviam questões éticas e de privacidade.
Discussões em torno de tamanha complexidade já haviam sido debatidas
em um episódio da série de ficção científica Black Mirror em 2013, que mostra o
luto de uma jovem que se reconecta com o falecido namorado através de um
aplicativo que esquadrinha sua história nas redes sociais com o objetivo de reproduzir
sua linguagem, humor e personalidade online. Na ficção, a iniciativa
tecnológica “funcionou” e a jovem encontra consolo nas primeiras interações.
Em 2017, a empresa Eternime estudou a possibilidade de criar
o avatar de uma pessoa falecida utilizando sua pegada digital, mas esse “Skype
para os mortos” não foi escolhido, já que os algoritmos de aprendizado de
máquina e IA não estavam prontos. De acordo com o CEO da Eternime, o empresário
e empreendedor de tecnologia Marius Ursache, a morte de um amigo em um acidente
de automóvel o levou a ressignificar o projeto logo após a fundação da empresa.
O modus operandi dela, fundada em 2014, gira em torno da coleta de informações
em torno do interessado com muitos dados do smartphone e na formulação de
perguntas por meio de um chatbot. “O objetivo é coletar dados suficientes sobre
a pessoa para que quando a tecnologia for atualizada, a mesma seja capaz de
criar um ‘avatar’ de chatbot do interessado após a sua morte, com o qual seus
entes queridos possam interagir”, detalhou Ursache.
A pesquisa revelou que 59% dos entrevistados não concordaram
de sua própria ressurreição digital, e aproximados 40% desprezaram qualquer
tipo de ressurreição digital socialmente aceitável, mesmo com consentimento
expresso. “Embora a vontade do falecido seja importante para determinar a
aceitabilidade social da prosperidade digital, outros fatores, como
preocupações éticas sobre a vida e a morte, juntamente com a apreensão geral em
relação às novas tecnologias, também são importantes”, disse Iwasaki.
Os resultados da pesquisa mostraram que o consentimento
expresso aumentou a aceitabilidade em dois pontos, se for comparado com a dissidência.
“Embora eu esperasse que a aceitabilidade social da herança digital fosse maior
quando o consentimento fosse expresso, a grande diferença nas taxas de facilidades
– 58% para consentimento versus 3% para dissidência – foi surpreendente. Isso
destaca o papel crucial dos desejos do falecido na formação da opinião pública
sobre a origem digital”, disse o especialista.
O Dr. Iwasaki concorda que os resultados refletem a
discrepância entre a lei existente e o sentimento público. As pessoas
demonstraram a sua opinião de que os mortos devem ter seus sentimentos
preservados, mas que, na verdade, não são protegidos na maioria dos países. O
especialista disse que já existem empresas que já exploram serviços de
ressurreição digital acessíveis aos interessados. O pesquisador destacou que a
maioria das pessoas ainda são hesitantes na criação de um clone digital de si
mesmas ou de entes queridos que já se foram, mesmo que seja socialmente aceitável.
Muitos serviços de chatbot de IA generativos, como o Replika (“O companheiro de
IA que se importa”) e o Projeto Dezembro
(“Simular os mortos”) já oferecem diálogos com chatbots que reproduzem
personalidades humanas reais. Os usuários do serviço “You, Only Virtual” (YOV) conseguem realizar upload de mensagens de
texto, e-mails e conversas de voz de outro humano para criar um chatbot
“versona”. Em 2020, a Microsoft obteve
uma patente para criar chatbots a partir de dados de texto, voz e imagem para pessoas
vivas e figuras históricas e personagens fictícios, com opção de resultado em
2D ou 3D.
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