O cuidado da igreja com os idosos

O cuidado da igreja com os idosos


O cuidado aos idosos tem de fazer parte da agenda de atividades da Igreja conforme prescrição bíblica

Deus, a essência do bem, o Bem Supremo, decidiu soberanamente compartilhar algumas de Suas características com a humanidade — os atributos comunicáveis —, dentre as quais a bondade. É ela que faz a Terra ser um lugar emocionalmente habitável. Imaginemos um mundo completamente sem bondade... Seria insuportável! Com a ausência da bondade, viveríamos imersos em total violência, perversidade, injustiça, e o mal mostraria sua face mais hedionda constantemente. Precisamos, assim, desesperadamente de bondade para sermos “gente”, e não apenas “viventes”, como animais irracionais.

Numa análise acurada, observa-se que Caim matou Abel porque seu coração não era bom (1 João 3.12); o Dilúvio sobreveio pela escassez de bondade no mundo (Gênesis 6.5); e as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas por sofrerem de excessiva dose de maldade, pois não havia entre os habitantes daquelas cidades sequer dez pessoas boas e justas (Gênesis 18.22-32). Aliás, o antônimo de bondade é maldade; isto é, sem bondade, o mal se faz presente.

Por tal razão, desde os primórdios, Deus estabeleceu, ainda antes da Lei, que Seu povo agisse com bondade com os vulneráveis, conforme se vê no modo de viver dos patriarcas (como, por exemplo, Abraão e Jó, dentre tantos outros), homens inegavelmente de boa índole, os quais guerrearam para corrigir a injustiça sofrida por outros (Gênesis 14.14). Eles não eram aproveitadores (Gênesis 14.21-24; 24.9-16), atendiam aos que pediam ajuda e aos doentes (Jó 29.12,15,16), consolavam os aflitos (Jó 30.25), tratavam de igual para igual os empregados (Jó 31.13-15), ajudavam materialmente os pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros (Jó 31.16-22, 32) etc. Moisés, por exemplo, também antes da Lei, informou a faraó que levaria do Egito os jovens, mas igualmente os vulneráveis idosos (Êxodo 10.9).

Após, com o advento da Lei mosaica, o povo escolhido foi instado a escolher o caminho da obediência e, em última análise, da bondade. Como exemplo disso, observamos em Levítico 23.22 o Senhor ordenar aos hebreus que, ao colherem suas plantações, não o fizessem nos cantos da roça, e que as espigas pequenas e as que caíssem no chão durante a colheita não fossem apanhadas, para ficar para os carentes, os quais estavam autorizados a entrar no meio da lavoura e levar sua porção. Isso é bondade.

Ao inspirar poetas e profetas ao longo da história, Deus sempre mostrou Sua face amorosa, bondosa, em relação aos desprezados, neles incluídos os velhos, como se vê em Isaías 46.3,4: “Ouvi-me, ó casa de Jacó, e todo o restante da casa de Israel; vós a quem trouxe nos braços desde o ventre, e sois levados desde a madre. E até à velhice eu serei o mesmo, e ainda até às cãs eu vos carregarei; eu vos fiz, e eu vos levarei, e eu vos trarei, e vos livrarei”. De idêntica maneira, ao mencionar a efusão do Espírito, nos últimos dias, pelo ministério do profeta Joel, o Senhor garantiu que os velhos teriam sonhos (Joel 2.28).

No Novo Testamento, igualmente, vemos Jesus tratando bondosamente as pessoas, tanto ricos (como exemplos, o caso do centurião romano que tinha um servo doente e o do publicano Zaqueu) como pobres (quando Jesus falou para Judas “O que tendes de fazer, faça depressa”, os discípulos acreditavam que se tratava de dar oferta aos pobres – João 13.27-29), sendo esta, certamente, Sua conduta habitual; e tratou bondosamente tanto jovens (por exemplo, o jovem rico) como velhos (e.g., Nicodemos).

No alto da cruz, o Senhor Jesus novamente demonstra a Sua bondade ao perdoar os Seus carrascos (Lucas 23.34), ao determinar que João cuidasse, doravante, de Maria (João 19.26 - certamente os meios-irmãos de Jesus não executariam a tarefa a contento) e ao salvar um malfeitor (Lucas 23.39-43). O Filho de Deus, no meio de excruciante dor, tinha tempo de expressar ternura, gratidão e compaixão pelos outros. Que grande exemplo para nós!

No período da Igreja Primitiva, da mesma forma, o Espírito Santo conduziu Seu povo a expressar Deus em palavras e obras, como se observa na instituição dos diáconos, quando se vislumbrava o conflito em face da distribuição de comida a viúvas pobres (Atos 6.1-7). Salta aos olhos também, no livro de Atos dos Apóstolos, a história de Dorcas, a bondosa cristã que fazia roupas para as viúvas da igreja (Atos 9.36-39), e o exemplo do centurião Cornélio, cujo testemunho de boas obras chamou a atenção do Senhor (Atos 10.1-4).

Dessa forma, percebe-se, de maneira insofismável, que, como Deus dispensa atenção especial aos que sofrem, aos vulneráveis, aos frágeis, aos desassistidos e aos solitários, a Igreja, o Corpo de Cristo, deve empreender cuidados de ordem espiritual, psicológica e material sobretudo para essas pessoas que estão em desvantagem diante da vida. Ora, está escrito que “somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10). Ou seja, Deus nos escolheu, selecionou, entre milhões de indivíduos, para que realizássemos obras significativas, importantes, no Seu Reino, as quais foram qualificadas como “boas”, o que, no aspecto teológico e também filosófico, assume relevância incontestável, pois Jesus afirmou que somente Deus era bom (Lucas 18.19) e, nessa toada, somente poderemos realizar boas obras se estivermos “conectados” em Deus, pois, como mencionou Paulo, “eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem” (Romanos 7.18). Dessa forma, como o Bem não é cultivado na natureza humana, devemos olhar para o mundo e enxergar em cada conduta reputada como “boas obras” um agir invisível, muitas vezes imperceptível, do Senhor, mas plenamente compreensível pelas Escrituras.

Nesse diapasão, o Espírito Santo revelou ao apóstolo Paulo que a bondade de Deus faz com que a chuva caísse sobre as nações ímpias, a fim de prover-lhes alimento e alegrar- lhes os corações (Atos 14.14). Quanta graça! Quanto amor! E nós, servos de Deus, devemos seguir o Seu exemplo. Tiago, ao tratar sobre o tema, denota a intensidade da nossa responsabilidade enquanto igreja, quando aduz que “se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tiago 2.15,16), sendo corroborado pelo apóstolo Paulo, ao aconselhar: “Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gálatas 6.10). Assim, vislumbra-se, de maneira palmar, a responsabilidade da igreja com o “irmão” ou a “irmã” (doméstico da fé) que está padecendo alguma necessidade.

Deus, em sua sobressalente sabedoria, graça e bondade, estabeleceu mandamentos para Seu povo cuidar daqueles que sofrem pelas circunstâncias da vida, entre os quais estão as crianças, os pobres, os estrangeiros, os órfãos, as viúvas e os idosos – categoria que nos interessa determo-nos por um pouco. Devemos honrar aquelas pessoas que viveram muito, que possuem cabelos brancos (ou nem possuem mais cabelos), as quais perderam a força corporal que antes detinham, bem como a plasticidade da epiderme e, igualmente, em regra, não possuem a mesma beleza física, nem a mesma memória, muito menos o vigor, conforme o registro do Salmo 90.10, que denota reverência ao Deus Todo-poderoso que os criou para ficarem, de fato, limitados no fim da existência terrenal (Eclesiastes 12). Esse dever de honrar é depreendido do seguinte texto da Lei mosaica: “Diante das cãs te levantarás, e honrarás a face do ancião; e temerás o teu Deus. Eu sou o SENHOR” (Levíticos 19.32).

A palavra utilizada no versículo acima para “honrar” é, no hebraico, hadar, que pode ser traduzida por “honrar”, “adornar”, “glorificar”. Ou seja, o ancião ou a anciã deve ser uma pessoa com destaque especial diante dos demais e, nesse passo, questiona-se: como receber honra, se não tem alimento, lugar onde morar, roupas? Destarte, insere-se no termo “honrar”, necessariamente, ajuda espiritual, emocional e material.

O pastor e comentarista inglês Matthew Henry, ao discorrer sobre o texto de Levítico 19.32, afirmou: “Àqueles a quem Deus honrou, com as bênçãos comuns de uma vida longa, nós devemos honrar com as expressões distintas da civilidade. E aqueles que, na sua idade, são sábios e bons, são merecedores de dupla honra. A tais pessoas de idade, devemos mais respeito do que meramente nos levantarmos diante delas. A sua honra e o seu conforto devem ser procurados, com cuidado, a sua experiência e as suas observações devem ser aproveitadas, e o seus conselhos devem ser pedidos e ouvidos”.(1)

Quando o apóstolo Paulo escreveu a Timóteo, ele orientou que as verdadeiramente viúvas fossem honradas. Aqui, a palavra no original grego é timáo, que significa “estimar”, “fixar o valor”; ou seja, Paulo mencionava explicitamente a necessidade que as verdadeiras viúvas fossem auxiliadas pela igreja. Claro, o Apóstolo dos Gentios ensinava o princípio de ajudar os carentes, mas, simultaneamente, advertia para que as pessoas que possuíssem familiares ou recursos financeiros fizessem sua própria manutenção. Há que se mencionar que, no tempo da Igreja Primitiva, não havia sistema de previdência social. As viúvas, sem filhos, de fato, estavam numa situação de hipervulnerabilidade social.

Assim, quando, pelas circunstâncias elementares do decorrer do tempo, as pessoas não dispuserem do mesmo desempenho físico de outrora, o Senhor, ao invés de abatê-las, desprezá-las, proferiu uma ordem para que elas fossem honradas, reverenciadas. Somente descartam os velhos aqueles que não conhecem a história que eles ajudaram a construir, enquanto tinham vigor. Deus leva em consideração as noites em claro que eles passaram para alimentar a família, cuidar dos filhos, protegê-los, encaminhá-los na estrada da vida. Eles foram os grandes construtores, os edificadores, aqueles sobre os quais os bens e valores da civilização foram estabelecidos. O mundo é o que é hoje, apesar dos pesares, pelo trabalho, influência, persistência, abnegação, cuidado, amor, bondade, dos atuais idosos. Como ser-lhes ingratos? Ainda que alguns deles tenham se comportado mal do ponto de vista ético, deixando de realizar todo o bem que podiam na vida, Deus, de um jeito ou de outro, entende que eles merecem reconhecimento por tudo que viveram e empreenderam em prol dos outros e, assim, deseja honrá-los. Se, todavia, for necessário que essa honra inclua ajuda material, que isso aconteça, ainda que sejam somente duas moedinhas, como o dinheiro de uma certa viúva que ofertou no Templo diante do Senhor (Lucas 21.2).

Observe-se, ademais, que viver longamente é uma promessa de Deus para aqueles que honraram os seus pais; aliás, esse é o primeiro mandamento com promessa (Efésios 6.2). Assim, reflitamos: de que adianta Deus dar longevidade, como prêmio a um indivíduo, se, no crepúsculo dos seus dias, ele estará abandonado pelo Altíssimo e por Seu povo? O Senhor, a Perfeita Justiça, compreende e ensina o jeito correto de desenvolvermos os nossos relacionamentos interpessoais, notadamente com as pessoas com as quais carregamos algum tipo de dívida, como os idosos, compreendendo, por óbvio, cuidados tridimensionais, isto é, que envolvam espírito, alma e corpo.

Assim, enquanto igreja, devemos cuidar espiritualmente dos idosos, alimentando-os com a Palavra de Deus que fortalece e renova a comunhão com o Senhor, e faz a vida ser mais serena e doce. O aspecto emocional, da alma, igualmente ressai significativo, devendo a comunidade cristã envolver-se com oração e louvores que produzem a saúde mental, inclusive provocando bem-estar das mais profundas emoções. Destarte, estando espírito e mente harmônicos, mister cuidar – por ­m, mas não menos importante – do corpo, com uma alimentação saudável, atividade física, higiene para evitar certas doenças, fazer sempre consultas médicas etc, cuidados esses que devem ser perenes com aqueles que sempre devotaram suas existências em serviços às gerações passadas.

Na Assembleia de Deus no Rio Grande do Norte (IEADERN), existe um departamento chamado de “Terceira Idade” ou, como denominam outros, “Melhor Idade”, através do qual são desenvolvidas atividades de integração, espirituais, emocionais e sociais, no afã de essas pessoas alcançarem melhor utilidade no seio da comunidade cristã, haja vista que, nalguns lugares os idosos vivem à margem das atividades eclesiásticas, posto que outros segmentos da igreja (os mais ativos) não compreendem e absorvem com intensidade a ­gura do idoso em suas ­leiras. Observe-se que isso não acontece porque o departamento feminino, ou o de senhores, ou mesmo o de casais, exclua os idosos de maneira preconceituosa. Absolutamente. É que, como se sabe, diante de dificuldades próprias da idade, algumas atividades dos departamentos mencionados não podem ser desenvolvidas em toda a sua amplidão, o que gera, de maneira indesejada por todos, muitas vezes, o processo de autoexclusão, oriundo do sentimento de que as pessoas ali apenas toleram os de idade mais avançada, e isso produz sofrimento psíquico, muitas vezes importante, capaz de fomentar ou mesmo desencadear doenças psicossomáticas, como ansiedade e depressão.

Dessa maneira, tendo responsabilidade diante de Deus e da sociedade, de ser canal para ajudar aqueles que contribuíram decisivamente para a construção da sociedade em que vivemos, necessário se faz atentar para as suas necessidades, de maneira peculiar, e agir, com toda a ternura e paciência, objetivando mantê-los e/ou reinseri-los no tecido social da igreja, valorizando suas ideias e condutas, bem como investindo em vários aspectos das suas existências.

Há décadas desenvolve-se um belíssimo trabalho com pessoas idosas (evangélicas ou não) na cidade do Natal (RN), através do Centro de Assistência Social da Assembleia de Deus (CIADE), que possui excelente infraestrutura construída especialmente no afã de acolher e cuidar de idosas cujas famílias não possuíam condições adequadas de mantê-las ou, doutra banda, foram por elas abandonadas. Ali trabalham enfermeiras, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, dentre outros, os quais, com amor e carinho, atendem diuturnamente a esses internos.

De bom alvitre, por derradeiro, ressaltar que a missão precípua da igreja consubstancia- se em pregar o evangelho a toda criatura (Marcos 16.15); todavia, da mesma forma como no Antigo Testamento Deus cuidava daqueles que estavam em situação de vulnerabilidade (Levíticos 23.22), circunstância que perdurou durante o ministério de Jesus (João 13.27-29) e, também, no tempo da Igreja Primitiva (Atos 2.42-46), a Igreja do século 21 precisa apiedar-se dos fragilizados, sair de sua zona de conforto e posicionar-se estrategicamente, posto que muitos se encontram em miséria espiritual e material similar à do paralítico que esmolava à porta chamada “Formosa” (Atos 3.1-8) – “esperando receber alguma coisa” –, a ­m de a igreja oferecer-lhes Algo que possa ressignificar definitivamente suas vidas.

Referência

1HENRY, Matthew. Comentário Bíblico do Antigo Testamento. vol. 1, Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 413.

por Martim Alves da Silva

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