A pergunta acima tem como base as seguintes passagens bíblicas: João 17.12 e os Salmos 41.9, 69.8 e 109.8. A traição seria, inevitavelmente, protagonizada pelo apóstolo?
A resposta para esta pergunta é negativa: Judas Iscariotes não estava predestinado a trair Jesus. A predestinação como entendida na soteriologia determinista é uma doutrina que foi desenvolvida inicialmente por Agostinho (324-430), que afirmava que Deus determinou de antemão os salvos e os perdidos. Essa conclusão teológica não encontra respaldo nas Escrituras, principalmente quando examinada levando em conta todo o conjunto da Revelação escrita.
No caso das passagens bíblicas em referência, é preciso,
primeiro, examinar o contexto de João 17.12. Cristo está orando ao Pai, prestes
ao momento de Sua prisão no Getsêmani em decorrência da traição de Judas.
Naquele momento, Jesus já sabia dos desígnios do discípulo, que já estava
totalmente deliberado a traí-lo. Os demais evangelistas registram os fatos
antecedentes, ocorridos alguns dias antes, relacionados às tratativas que Judas
teve com os príncipes dos sacerdotes (Mateus 26.14-16; Marcos 14.10,11; Lucas 22.1-6).
Nessas três passagens, é possível observar que decorreu
algum tempo entre o pacto da traição e a prisão de Jesus no Getsêmani. Lucas
registra, inclusive, que Satanás havia entrado em Judas, levando-o a procurar
os sacerdotes e negociar a entrega do Mestre (Lucas 22.3,4). A oração
sacerdotal registrada em João 17 ocorreu já no dia da prisão no Getsêmani,
quando tudo já estava resolvido entre Judas e os sacerdotes, os quais
aguardavam uma ocasião apropriada para prender a Jesus. Mateus registra que,
acertado o preço da traição, “desde, então, [Judas] buscava oportunidade para o
entregar” (Mateus 26.16).
Matthew Henry (CPAD, 2008) explica o emprego da expressão “filho
da perdição” como decorrência das atitudes já adotadas por Judas: “Jesus se
refere a Judas como já perdido, pois ele tinha abandonado a sociedade do seu
Mestre e dos seus condiscípulos, e tinha se entregado à orientação do Diabo, e
em pouco tempo iria para o lugar que fez por merecer. Ele já estava
praticamente perdido. [...] Ele merecia a perdição, e Deus o deixou
precipitar-se nela”. Ainda que o quadro de perdição não se tratasse de uma
condição pessoal já estabelecida em fatos concretos protagonizados por Judas e
pelos sacerdotes, a passagem de João 17 nos revela a manifestação da divindade
de Jesus e o Seu atributo de onisciência, que inclui a presciência, que é o
conhecimento do futuro (Isaías 46.9,10).
Quanto a Salmos 41.9, o texto foi citado por Jesus e
aplicado a Judas, conforme João 13.18, confirmando o caráter tipológico e
profético das palavras de Davi, que se referia à traição recebida de um de seus
amigos. Quanto a tratar-se de um cumprimento da Escritura – o que inclui as
demais referências citadas (Salmos 69.8; 109.8) –, isso diz respeito à presciência divina, que não deve ser
confundida com predestinação. O fato de Deus conhecer os fatos antes que
ocorram não significa que Ele interfira no livre-arbítrio do homem, forçando-o
a escolher o bem ou o mal, de modo a ter, então, seu destino eterno
predeterminado. Embora possa parecer um paradoxo para alguns, a presciência de
Deus é perfeitamente compatível com o livre-arbítrio humano. Como afirma o Comentário
do Novo Testamento Aplicação Pessoal (CPAD, 2009), “o lugar de Judas entre os discípulos e sua decisão de trair a
Jesus destacam o equilíbrio que encontramos por toda a Bíblia entre a
impressionante soberania de Deus e a liberdade que Ele concede às pessoas”.
Entendemos, portanto, que Judas encaminhou-se para a perdição em função de suas
próprias escolhas. A traição estava predita nas Escrituras, sem representar,
contudo, uma condição que lhe tenha sido imposta.
Referência bibliográfica
Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.
Comentário do Novo Testamento. Aplicação Pessoal.
Vol. 1. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.
GONZÁLEZ, Justo. Breve Dicionário de Teologia. São
Paulo: Hagnos, 2009.
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento.
Mateus a João. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
HORTON, Stanley. Teologia Sistemática. Uma Perspectiva
Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
VINE, W. E. et
al. Dicionário Vine. 2.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
por Silas Queiroz
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