Ele sobreviveu em Brumadinho

Ele sobreviveu em Brumadinho


Dos que trabalhavam na barragem, Cláudio foi o único de seu bairro que escapou

Cláudio Pereira dos Santos, de 34 anos, é membro da Assembleia de Deus e mora na cidade de Brumadinho (MG), no Bairro Parque da Cachoeira, onde também congrega. Ele é um dos sobreviventes da tragédia que dizimou a vida de dezenas de pessoas no município mineiro, por causa do rompimento da barragem Mina de Córrego do Feijão, de propriedade da mineradora Vale, ocorrido em janeiro de 2019.

Colaborador na área da Vale desde 2007, o auxiliar administrativo, conferente de nota fiscal na empresa Lion, terceirizada que presta serviço para a mineradora, estava no local, precisamente na portaria, no horário e no dia da tragédia. As lembranças do que aconteceu não apenas naquele fatídico dia, mas também antes saltam à sua mente a todo instante.

“Na quinta-feira, noite anterior ao rompimento da barragem, como de costume, fui à igreja. Ali Deus usou o pastor, não para falar diretamente comigo, mas falava à Igreja, dizendo: “O Senhor te guardará, o Senhor te livrará de todo mal. O Senhor é contigo!”. Frases desse tipo, o pastor falava o culto inteiro. Então, assim, eu tive um toque de Deus de que realmente ia acontecer algo. Aí pensei: “‘Peraí’, deixa eu ficar mais atento. O que é que Deus quer falar? Deus está querendo dizer algo. O que é que vai acontecer?”, conta Cláudio.

Enquanto ouvia aquelas palavras, o jovem dirigiu o olhar a seu pai, também presente na igreja, e pensou que pudesse ser algo relacionado a ele ou ao seu genitor, que há cinco anos fez tratamento contra um câncer na próstata, mas agora com o estado de saúde restabelecido vem fazendo apenas controle de seis em seis meses. Ao sentir um calafrio na ocasião, o que ele interpretou como o espírito da morte lhe rondando, Cláudio orou, repreendeu aquele mal e foi para casa.

No dia seguinte, sexta-feira, como de costume, foi para o trabalho onde cumpriria a carga horária das 7h30 às 16h30. “Cheguei ao serviço às 7h25. Por volta de 11horas, pensei em ir almoçar. Meu plano era ir entre 12h30 e 13h, mas me deu uma vontade muito grande de comer e me programei para ir mais cedo, bem cedo mesmo, faltando 10 minutos para as 11horas”, lembra.

Após almoçar, às 12h24, em conversa com sua sobrinha via WhatsApp, Cláudio conta que foi tomado por uma grande reflexão. “Na hora da troca de mensagens, me veio à mente: ‘Já pensou se essa fosse a última vez que você conversasse com a Bianca’. Eu tive esse toque. Não sei por que, mas creio que era o Espírito Santo me fazendo refletir de que se fosse a última vez, se naquele dia o Senhor viesse e recolhesse meu fôlego de vida, como que eu estaria com Ele?”

Depois da muito breve troca de mensagens com a sobrinha, ele cadastrou uma nota, “em um minuto, um minuto e meio mais ou menos”. Em seguida foi ao banheiro, “mais ou menos às 12h27”.

Aqui começa a saga do auxiliar administrativo por sobrevivência. A barragem rompeu precisamente às 12h28 na área operacional. Ela levou, segundo os relatos do sobrevivente, “menos de dois minutos para chegar à área administrativa”, local onde ele trabalhava.

“Ainda no banheiro, ouvi um barulho muito forte, como se fosse caminhões com os pneus estourados. Era de costume eu ouvir um barulho parecido com aquele ali. Então pensei que era realmente isso. Continuei tranquilo. Só que do outro lado, uma colega de trabalho me gritou desesperadamente. Eu trabalhava sozinho na sala. Na minha empresa, é apenas um atendente para cada mina. Quando ela gritou meu nome desesperadamente, eu atinei que alguma coisa estava errada. Então, abri a porta do banheiro, depois abri a porta que fica em direção à mina e vi a destruição que vinha em direção à minha sala. Antes que a lama chegasse, eu corri. Quando me deparei com toda a destruição, ainda vi dois funcionários da Vale aproximando-se da portaria, vindo de direção do restaurante à portaria, saída da mina. Eu vi duas pessoas caindo, não reconheci quem eram, e o barro levando, a lama levando. Quando eu deparei com toda a destruição, fechei a porta, pulei a janela e comecei a correr desesperadamente. Pessoas corriam e gritavam, sem saber para onde ir, pois não tinha saída”, relata.

No momento que abriu a porta e se deparou com a lama avançando em sua direção, Cláudio diz que sentiu a presença do Espírito Santo de forma gloriosa, como se o Senhor lhe dissesse: “Meu servo, Eu estou contigo. Não temas!” Ali o Espírito Santo lhe orientou para onde deveria ir. No desespero, quando passou um caminhão já cheio de pessoas tentando escapar, ele pediu ao motorista que parasse o veículo para que subisse.

“Quando estávamos em fuga no caminhão, alguns instantes depois a lama nos cercou e todos nós tivemos que descer. O Senhor falou ao meu coração que eu entrasse na mata e corresse em direção a um sítio que tinha na área, em um lugar bem alto, ao qual eu já conhecia”.

Estando no local considerado seguro com mais um grupo de pessoas, notícias falsas chegavam a todo instante de que outra barragem havia rompido e eles deveriam fugir dali também. Assim, daquele ponto, todos, no desespero, continuaram correndo.

“Pela misericórdia de Deus, achamos outro ponto mais alto. Se a segunda barragem rompesse, não sobraria ninguém, ninguém! Todos morreriam! Nessa casa alta, segundo me veio à mente, eu estaria seguro. Caso a outra barragem não rompesse. Graças a Deus que não rompeu”, agradece aliviado.

Nessa altura, a lama já tinha destruído toda a Vale, destruído a pousada, que ficava bem na portaria, e tinha descido ao bairro onde Cláudio morava. O livramento da parte de Deus, segundo o sobrevivente, veio em várias demonstrações: no bairro, a lama passou duas ruas abaixo da sua. “Tanto vi a mão de Deus dando-me livramento no trabalho, como no local de moradia. A minha família também foi poupada da morte. Nós somos três irmãos ali. Um trabalhava no restaurante, mas já saiu de lá há algum tempo, o outro estava na mina. Ele é obreiro da Casa do Senhor também. No caso dele, o livramento se deu pelo fato de ele ter saído da mina, uns 20 minutos antes do rompimento”.

A destruição deixou máquinas e caminhões jogados na porta do local de trabalho de Cláudio, mas sala ficou intacta. No seu bairro, dos que trabalhavam na mina, todos faleceram, inclusive alguns nem os corpos foram encontrados ainda, mas outros foram encontrados e sepultados. “Sou o único sobrevivente do meu bairro”, conta Cláudio.

Compartilhe este artigo. Obrigado.

Comentário

Seu comentário é muito importante

Postagem Anterior Próxima Postagem