Dimensões da adoração cristã (1ª parte)

Dimensões da adoração cristã (1ª parte)

Neste estudo, veremos de forma expositiva as dimensões da adoração cristã conforme elas nos são apresentadas pelo apóstolo Paulo em Romanos 12.1-8. Nossa reflexão terá como ponto de partida o texto original desta passagem bíblica, a fim de que tenhamos uma ideia mais precisa do pensamento do apóstolo. Assim, a exegese deste texto buscará explicar o sentido de determinadas palavras ou expressões pela exposição clara dos seus significados ou sentidos. Ao procedermos assim, teremos uma compreensão da verdadeira dimensão da adoração bíblica.

Paulo começa sua exposição partindo de uma conclusão. Isso é mostrado no uso da conjunção “portanto” (oun) que ele usa no início de sua exposição do capítulo 12 para concluir algo que ele já havia tratado antes. O contexto favorece que o apóstolo esteja se referindo a tudo aquilo que havia dito desde o capítulo 11 até o 12. Era como se ele dissesse: “Portanto, irmãos, isto é, tendo em vista a tudo o que foi dito até agora...”.

“Rogo-vos, pois, irmãos” (v.1) – O apóstolo começa o capítulo 12 de Romanos com um pedido. A palavra “rogar” traduz o termo grego parakalô, formado pela preposição grega para (ao lado, ao lado de) e kaleo (chamar). No grego clássico, essa palavra possuía uso militar e era usada quando um comandante exortava suas tropas. Aqui o apóstolo chama os irmãos para perto dele, para ficarem ao lado dele a fim de que possam receber as exortações que lhes dará em seguida. “... pelas misericórdias de Deus” (v.1) – A palavra traduzida aqui como “misericórdia” traduz o grego oiktimos. Ela ocorre cinco vezes no Novo Testamento grego, sendo que quatro vezes é de uso paulino. O adjetivo oiktimon, derivado dessa palavra, é traduzido em Lucas 6.36 como “vosso Pai é misericordioso”. Paulo, portanto, faz um rogo aos seus irmãos romanos, mas o faz fundamentado na misericórdia de Deus. Essa misericórdia divina está permeada na sua Carta, desde o primeiro capítulo até aqui. Foi essa misericórdia que acolheu a todos eles quando ainda eram pecadores.

“... que apresenteis” (v.1. gr. parastesai) – Para deixar os crentes em prontidão, Paulo usou, como já vimos, uma palavra de cunho militar para exortá-los. Agora, para convocá-los à adoração, ele usa um termo extraído do ritual do culto levítico. Dentre os muitos sentidos assumidos por esse vocábulo no grego antigo, o lexicógrafo Walter Bauer destaca seu sentido figurado na linguagem do sacrifício como oferta. O expositor bíblico Fritz Rienecker destaca também que “apresentar” (gr. paristemi) possui um sentido técnico para a apresentação de um sacrifício, significando literalmente “colocar de lado” para qualquer propósito. É o termo empregado na “apresentação” de Jesus em Lucas 2.22 e para falar do crente apresentando-se a Deus em Romanos 6.13. 

“... vosso culto” (v.1). A palavra “culto” é a tradução do termo grego latreía. Barclay observa que era a mesma palavra usada para um trabalhador que dava seu tempo e esforço a um empreiteiro em troca de um salário. Não se refere, portanto, a um trabalho escravo, mas a um trabalho voluntário. Tem o sentido de “servir”, mas, sobretudo, “aquilo que uma pessoa dedica toda a sua vida”. A verdadeira adoração, portanto, é dedicar a vida a Deus diariamente. Não apenas na esfera de um templo, mas em todas as dimensões da vida privada e pública. 

A dimensão somática: o corpo como um sacrifício

Um sacrifício vivo – A adoração deve proceder da nova vida interior. Diz Paulo: “...o vosso corpo por sacrifício vivo” (v.1). Não há dúvida que Paulo tinha em mente o sistema de sacrifício levítico quando escreveu essas recomendações. Assim como um animal inocente era ofertado em sacrifício na antiga aliança, da mesma forma o cristão devia apresentar o seu corpo a Deus. A diferença era que lá a oferta era apresentada morta e aqui a oferta é apresentada viva. Ao contrário do pensamento grego, que via o corpo como a prisão da alma, Paulo dá grande importância à nossa dimensão corpórea. Devemos evitar o dualismo psicofísico introduzido na cultura ocidental. No contexto bíblico, o homem é um ser integral, formado por espírito, alma e corpo (1 Tessalonicenses 5.23; 1 Coríntios 14.14).

Um sacrifício santo – A adoração deve ser produto da influência santificadora do Espírito Santo. Diz Paulo: “... santo e agradável a Deus” (v.1). O sacrifício deve ser apresentado vivo, mas também de forma santa e agradável. No contexto neotestamentário, a palavra “santo” quer dizer “separado”. É um termo muito comum na Septuaginta grega quando se refere ao Tabernáculo e aos seus utensílios usados no culto. Aquele que quer ser vir a Deus deve ser separado para o Seu serviço; precisa, portanto, se conscientizar que há limites que devem ser respeitados. Não há dúvidas de que a falta de vitalidade no Cristianismo hodierno se dá em consequência dessa frouxidão moral, consequência de um conceito equivocado da doutrina da santificação. Quando o sacrifício é apresentado vivo e de forma santa, então ele se torna agradável a Deus. O comentarista americano Robert Gundry destaca que o sacrifício deve ser primeiramente “vivo (no sentido de ‘para’) Deus” (compare com Romanos 6.13); e em segundo lugar, “consagrado para Deus em vez de ser dominado pelo pecado (como os pagãos que desonravam seus corpos através das concupiscências, como mostra Romanos 1.24)”.

Um sacrifício agradável – O sacrifício deve ser não apenas aceito, mas também recebido por Deus. Paulo diz: “... agradável a Deus” (comparando com a descrição da queima de sacrifícios de animais como oferta de “um cheiro agradável ao Senhor”, Levítico 1.9, 13, 17). Só que em Romanos os sacrifícios estão vivos. Assim, “o serviço do culto é agradável” abrangendo a totalidade da conduta corporal em vez de se limitar às cerimônias ocasionais ou até mesmo regulares, como na oferta de sacrifícios de animais sob a lei mosaica.

A dimensão cultural: a mente renovada

A mente inconformada – “E não vos conformeis com este século...” (v.2). Aqui o apóstolo usa o imperativo presente com a negativa “não” para alertar os cristãos sobre qual postura devem assumir neste mundo. O termo schematizesthai, traduzido aqui como “conformar”, tem o sentido de “moldar”. É o mesmo verbo usado pelo apóstolo Pedro quando escreveu aos cristãos: “Como filhos obedientes, não vos amoldeis às concupiscências que antes havia em vossa ignorância” (1 Pedro 1.14). Assim como o líquido assume a forma do recipiente que ocupa, da mesma forma o crente, se não se guiar pela Palavra de Deus, pode ser moldado de acordo com a cultura à sua volta. Para que isso não aconteça, é preciso interromper uma ação que pode estar em curso, como sugere o tempo presente do texto grego desse versículo. O expositor suíço Frédéric Louis Godet comenta que o “termo esquema denota a maneira de se comportar, a atitude, a pose; e schematizesthai, verbo, derivado dele, significa a adoção ou imitação desta pose ou modo recebido de conduta. O termo “(este) mundo presente” é usado nos rabinos para denotar todo o estado de coisas que antecede a época do Messias. No Novo Testamento, ele descreve o curso da vida seguido por aqueles que ainda não tenham sido submetidos à renovação que Cristo opera na vida humana. É este modo de viver anterior à regeneração que o crente não deve imitar no uso que ele faz do seu corpo. E o que ele tem que fazer? Buscar um novo modelo, um tipo superior, a ser realizado por meio de um poder que atua dentro dele. Ele deve ser transformado literalmente, metamorfoseado.

A mente transformada – “... mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (v.2). Paulo havia mostrado, no capítulo 7 de Romanos, principalmente na última seção do capítulo, o conflito interior que o cristão enfrenta. Ele disse que querer fazer o que era bom estava nele, mas não o efetuar. Há uma natureza adâmica que guerreia contra a nova vida. Essa natureza é estimulada pela cultura mundana que também está afastada de Deus. O crente, portanto, vive em um mundo que lhe é hostil. Seus inimigos são o diabo, a carne e o mundo. O que fazer então para não se deixar subjugar diante dessa cultura caída? Buscar diariamente a transformação de sua mente. A palavra “transformar” traduz o grego metamorphoô, que é um termo usado para descrever a transformação da lagarta em borboleta. A mente do cristão não é passiva nem tampouco neutra, ela precisa de renovação. Paulo aconselha os crentes de Filipos ao exercício das virtudes espirituais como uma forma de renovação da mente (Filipenses 4.8). Quando o crente não renova a sua mente, nunca vai se assemelhar a uma linda borboleta, mas a uma lagarta feia.

A mente renovada – “... para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (v.2). Uma mente transformada e renovada está pronta para a adoração verdadeira. Não há dúvida de que a pobreza de nossa adoração é um reflexo das mentes velhas que participam do culto. Somente uma mente renovada experimenta a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.

por José Gonçalves

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